No momento em que a Operação Lava Jato atingiu o círculo de empreiteiros mais próximo de si, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a disparar críticas públicas contra o PT e o governo da presidente Dilma Rousseff. Depois de dizer a um grupo de religiosos fundadores do partido que o governo Dilma e ele mesmo estão no nível do "volume morto", Lula teve um momento de rara sinceridade nesta segunda-feira e admitiu durante uma conferência em São Paulo que ao PT agora só interessam cargos, dinheiro e eleição – e que não se fala mais em sonhos no partido. "O PT perdeu um pouco a utopia. A gente só pensa em cargo, em emprego, em ser eleito, ninguém hoje trabalha mais de graça [pelo partido]", disse Lula. "Temos de definir se queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos ou salvar o nosso projeto?".
As últimas fases da Lava Jato jogaram pressão sobre o grupo político de Lula com as prisões de Marcelo Odebrecht, da Odebrecht, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, além das revelações de sua atuação internacional em prol das empreiteiras, inclusive com detalhes como o apelido "Brahma", como era intimamente chamado por Léo Pinheiro, da OAS. O avanço das investigações coincide com a pior avaliação de Dilma, que atingiu 65% de ruim e péssimo e apenas 10% de ótimo ou bom, conforme pesquisa do Instituto Datafolha.
Em meio às reflexões, Lula participou de debate com o ex-primeiro-ministro da Espanha Felipe González, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). O ex-presidente sinalizou que vai buscar uma aproximação com representantes de novos partidos na Europa, como o Podemos, como forma de inspirar uma reformulação do PT.
"O PT era, em 1980, o que é hoje o Podemos. A gente nasceu de um sonho, de que a classe trabalhadora pudesse ter vez e ter voz, e nós construímos essa utopia", disse o ex-presidente, ao refletir sobre como recuperar a ideologia. "Há necessidade de repensarmos a esquerda, o socialismo e o que fazer quando chegamos ao governo. Enquanto você é oposição é muito fácil ser democrata você pode sonhar, pensar, acreditar, mas quando você chega ao governo, precisa fazer, tomar posições."
Lula repetiu que o partido precisa se reaproximar da juventude e não deixar que prospere o discurso que afasta as pessoas da política. Uma das principais críticas internas e externas no PT é o afastamento do governo Dilma da base social e a falta de renovação nos quadros partidários. "A gente precisa rediscutir um pouco as utopias para fazer essa meninada sonhar, acreditar que é possível, se não construir outro mundo, melhorar esse em que nós vivemos", disse. "Como a gente pode falar em renovação se não tem um jovem aqui?", questionou olhando para a plateia, selecionada pelo próprio Instituto Lula.
O ex-presidente voltou a reclamar da imprensa brasileira, de quem passou a tripudiar publicamente. "Aqui no Brasil, até o direito de resposta não temos mais, leva trinta anos e quando sai é melhor nem responder." Lula afirmou que nove famílias controlam praticamente todos os veículos de comunicação e que o país está atrasado. "O Brasil está atrasado, a regulação da mídia aqui é de 1962, não tinha nem fax. E se você fala sobre isso, leva bordoada de tudo que é lado."
Entre a série de reclamações, Lula afirmou que é mais difícil manter a postura democrática depois que se chega ao governo. Mas disse que é importante aprender a se manter no poder, mantendo as regras da democracia.
Lula defendeu ainda o Foro de São Paulo – grupo composto por partidos e movimentos de esquerda da América Latina, criado em 1990. O Foro é um dos temas mais criticados por movimentos anti-PT e anti-governo. "O Foro de São Paulo foi criado com a ideia de educar a esquerda latino-americana a praticar a democracia. Na Argentina, nem o Maradona unificava a esquerda. Hoje, os partidos de esquerda participam de governos nesses países."
(Da redação site Veja)