Lula tem agora, no entanto, a tarefa de evitar os erros que quase naufragaram seu projeto político.
Extremamente hábil no contato com a massa, Lula pareceu resistir quase incólume às denúncias, como se estivesse desconectado do PT e dos fatos. Visivelmente abalado e irritado logo depois que petistas foram presos ao tentar comprar um dossiê contra tucanos, fato que o levou ao segundo turno, ele se recuperou rapidamente.
Já no início de outubro intensificou as viagens e comícios, onde investiu no contato com a população, além de conceder inúmeras entrevistas e participar de quatro debates na TV. Só no segundo turno, foram mais de 20 viagens e 12 comícios.
Também adotou a estratégia que deu o tiro fatal na candidatura tucana: levantar o temor de que seu adversário, Geraldo Alckmin (PSDB), retomaria as privatizações, uma das características do governo de Fernando Henrique Cardoso.
“Lula é um dirigente sindical que virou presidente. Ele se oferece como um igual e não como um líder”, afirmou o deputado Paulo Delgado, aliado de longa data, à Reuters.
Segundo analistas políticos, Lula soube aproveitar seu capital social e político para manter a calma e sobreviver aos escândalos de seu governo e durante a campanha.
“Ele quer ter um papel messiânico. A cultura brasileira favorece isso, desenvolve o desejo pelo messias ou salvador da pátria”, disse o cientista político Roberto Romano, professor emérito da Unicamp. “Ele também não gosta de ser contestado”.
Para o prefeito do Rio, César Maia (PFL), coordenador da campanha de Alckmin no Estado, a propaganda eleitoral de Lula na TV foi muito eficiente. “O que de fato o programa comunicava -primeiro e segundo turnos- era Lula como um candidato de proximidade, amigo do povo, fato que se podia comprovar com os projetos que demonstram essa proximidade, como o bolsa família, o dente do pobre, a farmácia popular…”, disse Maia recentemente em seu ex-blog.
“O Brasil precisa de um líder popular com características populares. É um país onde o presidente tem muita força e o Congresso não”, avalia Paulo Delgado.
Presidente “pop star”
A chegada de Lula ao Planalto em 2002 alterou não apenas sua rotina, como a de todos aqueles que estavam acostumados a conviver com presidentes.
O Lula presidente demonstrou pouca paciência com os ritos exigidos pelo cargo. Acostumado a comícios, não quis ficar preso entre quatro paredes. Desde o princípio, deixou claro que governaria em “contato com o povo”.
As centenas de viagens que faria nos quatro anos de governo comprovaram isso. Nelas, Lula posou para muitas fotos e foi reconhecido por multidões, o que lhe rendeu o apelido, pelos jornalistas que cobrem o Planalto, de “pop star”.
O apelo popular fica evidente quando ele veste roupas típicas, coloca bonés, mostra descontração ao tomar uma cerveja. Sua naturalidade é um trunfo reconhecido por seus adversários políticos.
No início do governo, a informalidade de Lula desconcertava o cerimonial da Presidência. Certa vez decidiu ir a pé do Palácio do Planalto ao Congresso. Chegou a descer a rampa até a rua, mas acabou mudando de idéia diante da súplica desesperada dos assessores e seguranças.
Outro nítido desconforto são os discursos, que ele não gosta de ler. Prefere improvisar, o que sempre deixou tensa sua assessoria, com medo que ele fale demais.
Como candidato, decidiu seus discursos em cima da hora. “Ele gosta de criar imagens, estabelecer um enredo que, muitas vezes, é criado no trajeto entre o aeroporto e o local do comício”, afirmou Fernando Pimentel (PT), prefeito de Belo Horizonte. Lula costuma se emocionar (e até chorar) nos discursos, em geral quando lembra da mãe, dona Lindu.
Foi com sua mãe e seus irmãos que este pernambucano de Garanhuns, que completou 61 anos na véspera da reeleição, mudou-se para São Paulo quando criança. Começou a trabalhar antes dos 14 anos e quando ingressou numa fábrica fez o curso de torneiro mecânico.
Antes de ocupar a Presidência, Lula tentou manter a vida pessoal longe da imprensa. Mesmo sua mulher, Marisa Letícia, com quem está casado há 32 anos, só passou a aparecer ao seu lado na campanha presidencial de 2002. Marisa, de 56 anos, era viúva quando casou com Lula, também viúvo. O casal tem três filhos, além de outros dois nascidos anteriormente.
Na Presidência, no entanto, foi difícil evitar o assédio à família. Vida pessoal e pública se misturaram ao ponto de provocar a ira do Congresso, que questionou o uso da máquina em benefício próprio. Até a cadela de Marisa, a fox terrier Michelle, virou motivo de bate-boca entre os parlamentares devido à carona que recebeu de um veículo oficial.
“Lulinha paz e amor”
O discurso moderado de Lula durante a campanha de 2002 foi decisivo para a vitória, quando obteve o voto de 52,8 milhões de brasileiros. Ele se tornou o primeiro expoente da classe operária a chegar ao poder no Brasil.
A estratégia de ampliação de alianças para o centro foi decisiva para a vitória em 2002. Lula também evitou o conflito direto, característica das campanhas anteriores. Nasceu ali o “Lulinha paz e amor”, como ele mesmo se definiu.
Desde que ajudou a criar o PT, em 1980, na esteira das grandes greves no ABC durante o período de ditadura, Lula tornou-se o nome mais popular da esquerda brasileira.
Oriundo de uma família pobre do Nordeste, Lula teve a base de sua formação política nas lutas sindicais. Mas seu apelo popular não foi suficiente para que vencesse as eleições anteriores a 2002. A imagem de “sapo barbudo” radical, cunhada por adversários, foi mais forte.
Em 1998, praticamente foi ao “sacrifício” em um pleito favorável ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquele ano, Lula perdeu no primeiro turno, como já tinha acontecido em 1994 contra o mesmo adversário. Duas derrotas que deixaram para trás a disputa de 1989, quando perdeu uma eleição apertada no segundo turno para Fernando Collor de Mello.
A carreira política começou 20 anos antes, quando conseguiu uma suplência na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Em 1975 já era o seu presidente.
Nascido Luiz Inácio da Silva, teve que incorporar seu apelido ao nome para que, na eleição de 1982, os votos que tivessem escrito apenas “Lula” fossem válidos. Naquele ano ficou em quarto lugar na disputa pelo governo paulista.
Em 1986, foi o deputado federal mais votado no país, exercendo a liderança do PT na Câmara e na Assembléia Constituinte. A partir daí, deu início à trajetória que o levaria à cadeira mais cobiçada da República.