Estado mais afetado é o Mato Grosso do Sul, onde mais da metade do recurso foi perdido desde 1990; todas as regiões e biomas foram afetados segundo pesquisa do MapBiomas
- Em 30 anos, 15,7% da superfície de água do Brasil desapareceu. No Estado mais afetado, o Mato Grosso do Sul, mais da metade (57%) de todo o recurso hídrico foi perdido desde 1990. Ali, essa redução ocorreu basicamente em um dos biomas mais importantes do País, o Pantanal.
Todos os biomas brasileiros foram afetados e suas perdas mensuradas em pesquisa inédita do MapBiomas, projeto que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. Ao todo, 3,1 milhões de hectares de superfície de água sumiram, o equivalente a mais de uma vez e meia de todo o recurso hídrico disponível no Nordeste em 2020.Está gostando da notícia? Fique por dentro das principais notíciasAtivar notificações
Das 12 regiões hidrográficas, oito revelam hoje os efeitos do desmatamento, da mudança climática e da destruição de mananciais, refletido na crise hídrica que afeta o meio ambiente e a geração de energia elétrica. “Nesse ritmo vamos chegar a um quarto (25%) de redução da superfície de água do Brasil antes de 2050”, afirmou Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.
Após Mato Grosso do Sul, completam as três primeiras posições da lista: Mato Grosso, com perda de quase 530 mil hectares, e Minas Gerais, com saldo negativo de mais de 118 mil hectares. Boa parte dos pontos de maior redução encontram-se próximos a fronteiras agrícolas, o que sugere que o aumento do consumo e a construção de represas em fazendas, que provocam assoreamento e fragmentação da rede de drenagem, trazem prejuízos para a própria produção.
Para Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, a pesquisa é um recado para os “tomadores de decisões de que é preciso mudar imediatamente essa trajetória de degradação que o Brasil tem escolhido”. Ele destaca que a criação de reservatórios em propriedades particulares é um dos pontos mais preocupantes.
“Quando a gente vê a discussão no Congresso sobre a flexibilização dos requisitos de licenciamento ambiental, não estão sendo considerados os cuidados que precisam ao serem feitas barragens dentro de propriedades privadas que causam perdas (para as bacias)”, analisa Voivodic.
O estudo também mostra a relação entre regiões afetadas por queimadas e redução de água. O município que mais pegou fogo entre 1985 e 2020, segundo o MapBiomas Fogo, e que mais perdeu água nesse período, foi Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Cáceres, o quinto que mais queimou no País, é o segundo em perdas.
Além dos impactos ambientais, o problema detectado pela pesquisa implica perdas econômicas consideráveis. “Em algumas regiões de fronteira agrícola, como o Cerrado, chegar a um quarto de redução vai significar também o fim da safrinha”, diz Azevedo, se referindo às culturas anuais mais curtas e que têm grande peso financeiro para os produtores.
Relação
O alerta do pesquisador converge com o relatório do IPCC publicado neste mês. O painel climático da ONU apontou que até 2040, uma década antes do que era previsto, a temperatura média da Terra deve chegar a 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais. Entre as consequências para o Brasil estão a perda da capacidade de produção agrícola causada por estiagens no Centro-Oeste. O mesmo efeito climático se espera no Nordeste e na Amazônia.
Por lá, o estudo do MapBiomas também mostra esses efeitos. Até mesmo a bacia do Rio Negro perdeu superfície de água. Considerando o início e o final da série, foram mais de 360 mil hectares, queda de 22%. A queda mais acentuada ocorreu entre 1999 e 2000, com redução de mais de 560 mil hectares, ou um pouco mais de 27% a menos.
O que aconteceu com essa bacia, inclusive, é um exemplo. Após reduções acentuadas, mesmo anos com mais chuvas não são capazes de recuperar o estado inicial. Ou seja, os rios recuperaram, no máximo, parte dessas perdas.
Para o coordenador do MapBiomas, o trabalho reaqlizado pela ANA (Agência Nacional de Águas) é bom e as leis que regulam o uso da água no Brasil estão bem estabelecidas. O problema está mesmo no desmatamento, mudança climática e descaso com mananciais.
A postura negacionista em relação aos ataques ao meio ambiente do governo Jair Bolsonaro (sem partido), que minimiza os impactos do desmatamento e fragiliza a fiscalização ambiental, preocupa especialistas.
Na gestão Bolsonaro, o número de focos de incêndios em regiões como Amazônia, Pantanal e Cerrado disparou. Em 2020, o Cerrado brasileiro assim como o Pantanal registraram as piores queimadas já captadas pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia
De acordo com estudo do próprio MapBiomas, todos os anos, uma área maior que a Inglaterra pega fogo no Brasil. A área queimada desde 1985 chega a quase um quinto do território nacional. Foram 1.672.142 km², o equivalente a 19,6% do Brasil. O fogo e escassez hídrica acionam um sinal de alerta. “Isso reforça a mensagem aos tomadores de decisão de que é preciso mudar imediatamente essa trajetória de degradação que o Brasil tem escolhido. Os prejuízos que estamos causando ao planeta vão necessariamente impactar nossa economia”, diz o diretor do WWF-Brasil.