Imagens de câmeras de segurança mostram que um dos jovens, D.R.R.B, de 22 anos, estava numa lan house no momento do crime
Após petição da Defensoria Pública, a Justiça determinou o relaxamento das prisões de C.A.J., 23 anos, e D.R.R.B., 22, pelo roubo dos celulares de D.L.S., 21, e K.N., 27, em Nova Xavantina (652 km de Cuiabá). Os crimes ocorreram no dia 17 de junho, por volta das 21h.
Segundo o Boletim de Ocorrência (BO), as duas vítimas saíram para caminhar por volta das 20h. Após o término da atividade física, quando as amigas se separaram, indo cada uma para sua residência, dois suspeitos em uma motocicleta preta, utilizando capacetes, subtraíram seus celulares num intervalo de aproximadamente 10 minutos.
No dia seguinte (18 de junho) aos crimes, os acusados foram presos em flagrante. Porém, imagens das câmeras de segurança de uma lan house mostram que D.R.R.B estava no estabelecimento no horário dos crimes.
“Denotando de forma cristalina sua ausência de participação na empreitada criminosa, ou ao menos, merecendo melhor apuração da autoridade policial, e não uma precipitada decretação de prisão em flagrante”, diz trecho da petição da Defensoria Pública.
O defensor público Tiago Passos, autor do pedido e coordenador do Núcleo de Nova Xavantina, destacou que não havia indícios suficientes para a prisão em flagrante dos acusados.
A família de D.R.R.B. procurou a Defensoria Pública no dia 20 de junho, à noite. “Eu estava no plantão. Achamos a prisão no mínimo estranha. Solicitamos o acesso às câmeras de segurança da lan house com a ajuda da família”, relatou Passos.
O pedido de relaxamento da prisão dos acusados foi ingressado no mesmo dia. “A Defensoria Pública está atenta, preservando os direitos e garantias individuais, a liberdade, e o detalhe que vemos no dia a dia é a inversão do ônus da prova em detrimento dos suspeitos. Foi apresentado um álibi com imagens. Porém, a prática criminal vem nos revelando que prende-se para investigar ao invés de se promover uma investigação séria para viabilizar uma prisão”, afirmou.
Supostas evidências – Em relação ao objetivo do crime, uma faca com cabo preto, a decisão do juiz Carlos Eduardo de Moraes e Silva, publicada no dia 20 de junho, afirma que “verifica tratar-se de objeto comum, que possivelmente pode ser encontrado nas casas de diversas pessoas, bem como observado pela Defensoria Pública”.
A decisão faz referência ao fato dos policiais terem apreendido uma faca com cabo preto na casa de D.R.R.B. no dia posterior ao crime, objeto usado como prova pela acusação.
Também foi feito o reconhecimento fotográfico dos acusados por parte das vítimas, que supostamente reconheceram a “sobrancelha grossa” de um acusados, o que foi contestado pela Defensoria Pública.
“Como é cediço, o “reconhecimento de pessoa” é um meio de prova que depende da memória, logo sua coleta de forma atabalhoada contamina sua conclusão”, narra a petição.
No julgamento, o magistrado também pontuou que não se verificou a situação de flagrância prevista no artigo 302 do Código de Processo Penal, visto que os autuados foram presos no dia seguinte ao crime, estando ausente o requisito da imediatidade.
“Com efeito, além do lapso temporal entre o fato e a atrapalhada ‘prisão para averiguação’, não foi encontrado qualquer elemento que indicasse a participação de C.A.J., tampouco de D.R.R.B. na empreitada criminosa, razão pela qual, não há que se falar em flagrante, quando no máximo poderia instaurar inquérito para apurar de forma efetiva a autoria delitiva evitando tanto a impunidade, quanto injustiças contra os custodiados”, diz o pedido da Defensoria Pública.
CNJ – Além de todos os fatos já narrados, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação no 62, de 17 de março de 2020, por conta da pandemia de Covid-19, recomendando “a reavaliação de prisões preventivas com prazo superior a 90 dias ou que resultem de crimes menos graves, além de indicar que novas ordens de prisão devem respeitar ‘máxima excepcionalidade”.
Crítica – “Nesse caso específico, a grande crítica que a gente faz ao Sistema de Justiça não é a impunidade, mas saber o que punir, quem punir e como punir. A partir do momento que se vê essa seletividade do sistema penal em punir o mais vulnerável, marginalizado, preto, pobre, o ônus da prova acaba se invertendo e as investigações não estão preocupadas em achar ‘o culpado’ e sim ‘um culpado'”, analisou o defensor público.
Apesar do magistrado ter determinando o relaxamento das prisões no mesmo dia (20 de junho), não foi possível lançar a decisão no PJe na hora pelo fato do sistema estar indisponível. Com isso, os acusados só foram libertados na segunda-feira (22 de junho) à tarde.
Por conta da suspensão dos atendimentos presenciais para evitar a disseminação do novo coronavírus, todo o suporte jurídico da Defensoria Pública foi feito de forma de remota, pelo WhatsApp.