A 6ª turma de desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, localizado em Brasília, decidiu, por unanimidade, considerar como "ilegítima" a cobrança de mensalidades nos cursos de pós-graduação em nível de especialização e MBA (da sigla em inglês, Master Business Administration) realizados em universidades públicas.
+ Entenda as diferenças entre Pós e MBA
"A cobrança de taxa de matrícula ou mensalidade em qualquer curso ministrado em estabelecimento oficial de ensino público viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal [normativo que prevê a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais]", afirma documento que resume o voto dos desembargadores.
Veja também:
Após 5 anos, STF vai julgar,em definitivo, ação sobre cobrança de pós pelas públicas
A decisão do TRF foi motivada por uma ação de uma estudante da Universidade Federal de Goiás (UFG), insatisfeita com o fato de ter de pagar mensalidades em uma pós de Direito ofertada pela instituição. Assim, em 2012, ela ingressou com um mandado de segurança que garantisse a sua permanência no curso e ao mesmo tempo a isentasse do pagamento das taxas.
Somente após dois anos o caso foi apreciado pelo TRF, órgão superior de segunda instância. No entanto, já na análise do mérito da ação na primeira instância, a estudante conseguiu alcançar o seu objetivo.
O juiz federal Urbano Leal Berquó Neto cita em sua sentença que "o fato de a Constituição não impor [às universidades] a oferta do curso de especialização não afasta sua característica de ensino público. Mesmo que ele não se enquadre como de prestação obrigatória pelo Estado [uma das principais alegações defendidas pelas universidades na defesa pela cobrança] , todo ele, quando prestado em estabelecimento oficial, há de ser gracioso [gratuito]".
Posição das universidades
Hoje, ainda são poucos os candidatos que entram na justiça contra o pagamento das mensalidades. Geralmente as instituições invocam que tais cursos não são considerados como "cursos regulares" e "não estão vinculados à pro-reitorias de ensino ou pesquisa", como os cursos de graduação e de mestrado, por exemplo.
Além disso, um discurso recorrente das universidades é afirmar aos alunos que a cobrança é legal e institucionalizada, tendo em vista a existência de uma regulamentação interna aprovada pela reitoria e por outros órgãos colegiados da instituição.
As universidades ainda alegam que, sem a cobrança, faltarão recursos para financiar a existência dos cursos "lato sensu" – como são formalmente conhecidas as especializações e os MBA´s. Quanto a essa justificativa, o especialista Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) é enfático.
"Se é preciso mais recursos, que seja feito um planejamento para criação de mecanismos de financiamento para os cursos de especialização. É preciso aproveitar a implementação do Plano Nacional de Educação [que prevê mais verbas para a área, além de metas de melhoria do ensino da pré-escola ao ensino de pós-graduação] para incluir essa discussão no debate", diz Alavarse.
Leia mais:
Maior desafio do PNE será destinar 10% do PIB para a educação
'Foram 7 anos de luta; vencemos', diz líder da aprovação do PNE
Conheça as 20 metas do Plano Nacional de Educação
Jurisprudência
Mesmo a estudante sendo a única parte favorecida com a sentença, a decisão judicial abre possibilidade para que outros estudantes de instituições públicas acionem a Justiça e com a jurisprudência criada nesta ação possam também ser autorizados a cursar a pós-graduação lato sensu de forma 100% gratuita e com a devida garantia de obter o certificado de conclusão ao fim do curso.
Hoje, instituições como a prestigiada Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) oferecem dezenas de cursos do tipo lato sensu em cada uma de suas faculdades: da Administração à Biologia. Eles podem chegar a custar mais de R$ 15 mil. Geralmente, os recursos pagos pelos estudantes são rateados entre a universidade, o departamento que oferta o curso e os professores que integram o corpo docente, que já recebem salários regulares do governo.
Veja também:
Sem regulação, cursos de pós e MBA têm 90 dias para se 'formalizarem' no MEC
Justiça autoriza aluno de universidade pública a acumular bolsa do Prouni
Justiça derruba exigência do Enem de candidato ao Ciência sem Fronteiras
Muitos estudantes veem no certificado emitido pelas instituições uma forma de ascensão profissional. Além disso, os cursos lato sensu são vistos como uma maneira mais fácil de candidatos entrarem em instituições de prestígio. Isso porque, as seleções para cursos de pós são mais simplificadas que o acesso a cursos de graduação – via vestibulares concorridos -, e também mais simples que a aprovação nos programas de mestrado e doutorado, que possuem mais exigências como apresentação prévia de projeto de pesquisa.
Outro lado
Consultada pela reportagem, a Universidade Federal de Goiás informou que o caso da estudante que motivou a sentença do TRF é um "caso que é tratado de forma isolada". A instituição já recorreu da decisão nos tribunais superiores [como o Superior Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal Federal].
Já o Ministério da Educação (MEC) informa que as "universidades federais ofertam seus cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu [com são conhecidos os cursos de mestrado e doutorado] de forma completamente gratuita. Qualquer oferta de pós-graduação lato sensu que não siga essa orientação deve ser discutida nos colegiados superiores das Instituições e atender a legislação em vigor".
O problema é que, atualmente, ainda não há um entendimento pacífico sobre o tema. A questão encontra-se em análise no Supremo Tribunal Federal. Assim, no vácuo de uma norma geral, as instituições públicas continuam cobrando pelos cursos.
Notícias no canal iG Educação
Siga o iG Educação pelo Twitter