A Defensoria Pública de Mato Grosso entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com pedido de liminar, no Tribunal de Justiça, contra a prefeitura de Cáceres. A medida pede que o Município suspenda a cobrança de taxas do cidadão para emissão de boletos, guias, certidões ou qualquer outro documento de arrecadação, pois o recolhimento na forma de encargo, sem prestação de serviço, viola artigos da Constituição Federal e Estadual.
Além do pedido liminar de suspensão de dois artigos, parágrafos e incisos da Lei Complementar nº 148 de 26 de dezembro de 2019, que institui o código tributário municipal e estabelece a cobrança, na ADI, o defensor público-geral, Clodoaldo Queiroz e o defensor público que atua em Cáceres, Saulo Castrillon, pedem a inconstitucionalidade da regra e de cinco itens da Tabela de Taxas de Serviços do Município, estabelecidas na lei.
A Lei 148, em seu artigo 225 define que a taxa de serviços tem como fato gerador a execução de serviços administrativos de pesquisa e desenvolvimento de qualquer outra atividade para fornecimento e emissão de guias, certidões, pareceres, atestados ou qualquer outro documento fornecido pela Administração Municipal.
A definição, no entanto, é contestada na ADI, onde fica registrado que a lei municipal viola os artigos 5º e 145º, inciso II, da Constituição Federal (CF). Esse último, foi usado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) num recursos especial, em 2014, para firmar jurisprudência no sentido de que a cobrança da taxa de expediente para emissão de documentos tributários é inconstitucional, por não obedecer a critérios legais.
“A emissão de guia de recolhimento de tributos é de interesse exclusivo da Administração, sendo mero instrumento de arrecadação, não envolvendo a prestação de um serviço público ao contribuinte. Ratifica-se, no caso, a jurisprudência da Corte consolidada no sentido de ser inconstitucional a cobrança de taxas por emissão ou remessa de carnês e guias de recolhimento de tributos”, diz trecho do voto do relator ministro Dias Toffoli, um dos usado para fundamentar a ADI.
Constituição de Mato Grosso – A constituição estadual também assegura que todos, independente da cobrança de qualquer valor, têm o direito de petição e de obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa de direitos e para o esclarecimento de situação de interesse pessoal e coletivo, em seu artigo 10º, inciso VI, diz trecho da ação.
“A Constituição Estadual cria uma imunidade tributária, impedindo de modo definitivo, qualquer cobrança fundamentada no fornecimento, pelo Poder Público, de certidões dessa natureza. Além disso, a previsão dessa cobrança afronta o artigo 149, inciso II, vez que não envolve prestação de um serviço público ao contribuinte, sendo apenas, uma ferramenta de arrecadação tributária em prol da Fazenda Pública”, reforça o defensor público-geral.
Quanto à solidificação do entendimento, Castrillon lembra que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso também já declarou, em inúmeros julgamentos, a inconstitucionalidade de leis similares de Mato Grosso e dos municípios de Cuiabá e Sorriso, que adotavam a mesma prática.
“A emissão de guia, tratada erroneamente como emolumentos, em verdade são consideradas taxas. A cobrança desta taxa é um expediente utilizado de forma velada para transferir o custo administrativo, de responsabilidade única do Poder Público, ao particular, em nítido desvirtuamento da materialidade proposta”, afirma despacho do ministro Roberto Barroso, usada no ADI julgada procedente contra o município de Cuiabá.
Origem – Castrillon, que atua na comarca de Cáceres, informa que identificou a ilegalidade na cobrança ao trabalhar na Vara de Fazenda Pública com executivos fiscais, nos quais o cidadão é defendido pela Defensoria Pública, após ser citado por edital. Ele informa que a lei tributária foi reformada no ano passado, mas que há 20 anos a cobrança é feita dessa forma em Cáceres, sem contestação.
“Trabalho com centenas de executivos fiscais nos quais o cidadão executado não sabe que há um processo de cobrança contra ele. E analisando as certidões de dívida ativa, constatei o registro dessas taxas e decidi verificar a legalidade para a cobrança delas, e não encontrei qualquer respaldo. Por esse motivo, pedi o apoio do defensor público-geral para questioná-las”.
Castrillon explica ainda que existem discussões que até permitem a cobrança do custo do valor do documento, em centavos, para casos similares, mas não da forma como ocorreu nas ações vencidas no TJ e como ocorre em Cáceres. “Aqui no município temos centenas de guias e certidões cobrando o valor de R$ 10,54 de taxa de serviços administrativos, o que soa como algo absurdo. A prefeitura cobra impostos e taxas do contribuinte e além disso, cobra também pelo serviço de cobrar, é algo que ilegal, além de absurdo “, disse.