A juíza Maria Erotides Kneip Macedo, presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Várzea Grande, acaba de pronunciar João Arcanjo Ribeiro, dando-o como incurso nas sanções do artigo cento e vinte um (121) parágrafo segundo (§2º) incisos um (i) e quatro(iv); artigo duzentos e onze (211) por três vezes todos do Código Penal, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri.
A magistrada também manteve a prisão provisória do acusado, agora por força da decisão de pronúncia. Veja abaixo a íntegra da decisão:
AUTOS n° 43/04 – Ação Penal Pública
Autor: Ministério Público do Estado de Mato Grosso
Acusado: JOÃO ARCANJO RIBEIRO, apelidado “COMENDADOR ARCANJO”.
VÍTIMAS: LEANDRO GOMES DOS SANTOS
CELSO BORGES
MAURO CELSO VENTURA DE MORAES
Ref.: Inquérito Policial 257/01- DHPP e n.º 187/01 – 1ª Criminal
S/E/N/T/E/N/Ç/A
O nobre representante do Ministério Público que oficia perante o juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande, Doutor Mauro Benedito Pouso Curvo, juntamente com os Promotores do GAECO – Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado, Doutor Mauro Zaque de Jesus e Doutora Elisamara Sigles Vodonós, ofereceram denúncia contra JOÃO ARCANJO RIBEIRO, conhecido como “COMENDADOR ARCANJO”, HÉRCULES DE ARAÚJO AGOSTINHO, CÉLIO ALVES DE SOUZA e JOÃO LEITE, devidamente qualificados, atribuindo-lhes a prática dos crimes de homicídio qualificado pela torpeza do motivo e utilização de recurso que tornou impossível a defesa das vítimas Leandro Gomes dos Santos; Celso Borges e Mauro Celso Ventura de Moraes, bem como ocultação de seus cadáveres e formação de quadrilha qualificada.
Os fatos aconteceram na noite de 15 de maio do ano de 2.001, por volta de 21 horas, em matagal distante aproximadamente três quilômetros do bairro São Mateus, nesta cidade e comarca de Várzea Grande-MT.
Narra a denúncia que, alguns dias antes, o acusado Célio procurou o acusado Hércules, oferecendo-lhe a empreitada para matar adolescentes que residiam nas proximidades da Avenida dos Trabalhadores, na cidade de Cuiabá. Segundo Célio, a empreitada havia sido encomendada pelo denunciado João Arcanjo, proprietário de banca de “jogo do bicho”, localizada nas imediações da Avenida dos Trabalhadores, de onde os referidos adolescentes teriam furtado, aproximadamente, quinhentos reais.
Os ilustres denunciantes narram, ainda, que o acusado João Arcanjo determinou ao Sargento Jesus, já falecido, que providenciasse a morte dos jovens, contratando os serviços pelo preço de quinze mil reais. O ex-Sargento, então, passou a empreitada para Célio que, por sua vez, a repassou a Hércules.
No início da noite referida, os acusados Célio e Hércules se dirigiram a banca de jogo assaltada e conversaram com a responsável, e “essa determinou a seu filho que apontasse” as vítimas, pensando que seriam presas. Os jovens foram colocados no interior do veículo Fiat Uno, prata, de propriedade do acusado Hércules. Quando estavam próximo da ponte Mário Andreazza, pararam o veículo e Célio desceu para telefonar. Momentos depois, ali chegou o último acusado, João Leite, que adentrou o veículo e seguiu com os demais para o local as vítimas foram executadas, mediante disparos de arma de fogo, desferidos pelos três acusados.
Após isso, os acusados Célio, Hércules e João Leite ainda teriam “providenciado cova rasa” onde enterraram as vítimas, objetivando ocultar seus cadáveres.
Ao acusado João Arcanjo Ribeiro é imputado o mando do crime, pois teria contratado aos demais denunciados a execução pela quantia de R$ 15.000,00 reais, que não teriam sido pagos integralmente posto que uma das vítimas não guardava relação com o furto motivador da ordem.
A denúncia foi recebida na forma posta em juízo (p. 311-313), ocasião em que foi decretada a prisão preventiva de todos os acusados. Não foi possível a citação do acusado João Arcanjo, havendo notícia de sua prisão no Uruguai, sendo o processo contra este desmembrado (p. 345). O processo principal seguiu contra os demais acusados, sendo que o acusado Célio ainda está foragido (estando o feito contra este suspenso), o acusado João Leite foi absolvido no julgamento pelo Júri Popular (sentença de p. 643-645) e o acusado Hércules de Araújo Agostinho foi condenado ao cumprimento da pena privativa da liberdade de 21 (vinte e um) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 19 (dezenove) dias-multa (sentença de p. 616-620)
O acusado João Arcanjo foi recambiado para a comarca de Cuiabá, quando, então, pode ser citado e interrogado (p. 713-715), apresentando defesa prévia (p. 717-723). No decorrer da nova instrução criminal, foram novamente ouvidas duas testemunhas arroladas na denúncia (p. 743 e 759) e cinco testemunhas arroladas pela defesa, dentre elas os co-réus João Leite e Hércules (p. 762-768 e 789-790). O Ministério Público requereu a juntada aos autos das declarações prestadas pelo co-réu Hércules perante o GAECO (p. 797-799).
O Ministério Público requereu, ainda, a juntada das declarações de Idilza Costa Hoichman, Deisiane Alves Câmara, Cláudio Rodrigues Martins e Edileuza da Silva Oliveira, prestadas o GAECO (p. 840-842, 846-847, 848-850 e 851-853), e pleiteou fossem as mesmas ouvidas como testemunhas do juízo (p. 859). Assim, foram ouvidas em juízo as testemunhas Idilza, Cláudio e Edileuza (p. 887-888, 889-892 e 897-898).
A defesa do acusado, através do ilustre defensor Doutor Zaid Arbid, requereu o desentranhamento das declarações prestadas perante o GAECO por entender se tratar de prova ilícita, ingressando ainda com Correição Parcial perante o Tribunal de Justiça. A Correição Parcial não foi conhecida pelo Tribunal de Justiça (p.920-922), sendo o requerimento da douta defesa negado (p. 925), determinando-se que as declarações colhidas fossem mantidas no conjunto probatório dos autos, definitivamente (p. 925).
Em alegações finais, o Promotor de Justiça, Doutor Amarildo César Fachone, entende presentes os requisitos de materialidade e indícios de autoria, requerendo a pronúncia do acusado a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri (Razões p. 929-941).
Na mesma fase processual, a ilustrada defesa do acusado, combativamente exercida pelo Doutor Zaid Arbid, requereu:
I – A inépcia da denúncia, que não delimitou a conduta do acusado, sendo “ampla, vaga e com superficial referência aos fatos”, implicando em “vício de origem por ofensa aos princípios da lealdade processual, do contraditório no processo penal e da defesa plena”, culminando, consequentemente, na anulação do presente procedimento penal;
II – Que os depoimentos de p. 840-853 foram juntados aos autos “com injuridicidade, mandando a Constituição às favas”, alegando que não haveria motivo para a “produção antecipada da prova” por falta de base legal no caso, revestindo-se em “perversidade processual sob o rótulo de verdade substancial, utilizada pela acusação como passaporte para fazer ingressar nos autos uma prova formalmente ilícita e em suplementação da sua deficiência probatória, tudo com a condescendência do juízo, que, pela contramão da legalidade, escreveu como sendo suas as testemunhas a inquirir”, requerendo a anulação do processo a partir de então, em respeito ao princípio da razoabilidade.
Fundamentando tal requerimento, cita a decisão da Correição Parcial interposta e denegada, protestando contra a mesma e trazendo notícia de recurso voluntário interposto no Conselho da Magistratura (p. 998-1014), que aguarda julgamento[1].
III – Por fim, entende insuficientes os indícios de autoria trazidos aos autos, requerendo a impronúncia, argumentando que:
a) o representante do Ministério Público não provou a participação do acusado, sendo que “a prova produzida em juízo, por mais que queira emprestar dúvida, não vai além da precariedade, com meras conjecturas, desautorizando a edição da sentença de pronúncia”;
b) A delação do co-réu Hércules foi “odioso produto de escambo”, afirmando que os Promotores do GAECO (Dr. Mauro Zaque de Jesus) “em consórcio de metas” com o Procurador da República José Pedro Taques, ajustaram com referido co-réu “benefício na sua pena total e na sua permanência no presídio em Cuiabá” para “incriminar João Arcanjo Ribeiro”, sendo por isso “inoponível ao acusado”.
c) Que foi produzida prova negativa no sentido de que na época dos fatos sequer havia banca de jogo do bicho na região e que “nunca houve notícia de roubo a bancas de jogo do bicho” (cita p. 789-790).
O acusado registra procedimentos por crime contra a vida, contra a administração pública, por particular contra a administração em geral, contra a paz pública, contra o Sistema Financeiro, e falsidade documental (p. 362, 378-380).
Relatados. Decido.
Pretende-se atribuir a JOÃO ARCANJO RIBEIRO, conhecido como “COMENDADOR ARCANJO”, devidamente qualificado, o mando da prática dos crimes de homicídio qualificado pela torpeza do motivo e utilização de recurso que tornou impossível a defesa das vítimas Leandro Gomes dos Santos; Celso Borges e Mauro Celso Ventura de Moraes, bem como ocultação de seus cadáveres e formação de quadrilha qualificada.
I – PRELIMINARMENTE: DA INÉPCIA DA INICIAL
A defesa do acusado João Arcanjo, por ocasião da apresentação das alegações finais, requereu o reconhecimento da inépcia da denúncia, que não teria delimitado a conduta do acusado, sendo “ampla, vaga e com superficial referência aos fatos”, implicando em “vício de origem por ofensa aos princípios da lealdade processual, do contraditório no processo penal e da defesa plena”, requerendo, consequentemente, a anulação do presente procedimento penal desde a mesma.
Analisando atentamente a peça vestibular, percebo que quanto ao acusado, os subscritores fizeram ali consignar:
“… Nessa ocasião o denunciado Célio explicou ao denunciado Hércules que tal determinação (de cometer os crimes) havia sido endereçada pelo denunciado João Arcanjo Ribeiro, isto porque os mencionados adolescentes haviam furtado aproximadamente R$ 500,00 (quinhentos reais) de uma banca do famigerado “jogo do bicho” localizada nas imediações da citada Av. dos Trabalhadores em Cuiabá e de propriedade de João Arcanjo.
Com efeito, o denunciado João Arcanjo Ribeiro não poderia aceitar que suas bancas de jogo fossem alvos de assaltantes pois certamente isso prejudicaria o bom andamento de seus “negócios” e, mais, para dar exemplo resolveu determinar a seus pistoleiros de aluguel (os demais denunciados) que executassem os três adolescentes responsáveis pelo assalto.
Assim, o denunciado João Arcanjo Ribeiro determinou à pessoa do Sargento Jesus (já falecido e então um dos braços armados do denunciado João Arcanjo) que providenciasse a morte dos mencionados rapazes, sendo certo que Sargento Jesus repassou a empreita para o denunciado Célio Alves que, por sua vez, e como era de costume, chamou o denunciado Hércules para acompanha-lo no crime em tela.
Desta forma, o denunciado João Arcanjo Ribeiro contratou os demais denunciados para executarem o triplo homicídio pela quantia de R$ 15.000,00 (Quinze Mil Reais), quantia essa que não foi quitada integralmente, conforme a seguir será esclarecido. (…)
Algum tempo após os denunciados ficaram sabendo que um dos meninos assassinados (o que foi apontado pelos dois primeiros) não tivera qualquer participação no assalto a banca de jogo do primeiro denunciado João Arcanjo, e teria sido assassinado por engano. Tal fato foi alegado pelo denunciado João Arcanjo para pagar somente parte do valor combinado, ou seja, os demais denunciados não receberam integralmente o valor acertado porque uma das vítimas havia morrido por engano…” (sublinhei)
Assim sendo, a denúncia é clara em dizer qual é a conduta imputada ao acusado (qual seja, de prometer recompensa em dinheiro aos demais acusados para cometerem os crimes), não havendo que se falar em inépcia da inicial, nem em ofensa ao contraditório nem à ampla defesa.
Embora a denúncia se apresente de forma concisa, não chega a ser deficiente, ao ponto de não ser compreendida a acusação nela formulada. O acusado ficou sabendo do conteúdo da incriminação, não sendo impedindo de articular sua defesa e, contrariamente, ela pode ser exercida e muito bem exercida.
Diante disso, REJEITO a preliminar de inépcia da inicial.
Ii – DA NULIDADE PELA JUNTADA DE DEPOIMENTOS
A douta defesa do acusado alegou ainda que os depoimentos de p. 840-853 foram juntados aos autos “com injuridicidade, mandando a Constituição às favas”, alegando que não haveria motivo para a “produção antecipada da prova” por falta de base legal no caso, revestindo-se em “perversidade processual sob o rótulo de verdade substancial, utilizada pela acusação como passaporte para fazer ingressar nos autos uma prova formalmente ilícita e em suplementação da sua deficiência probatória, tudo com a condescendência do juízo, que, pela contramão da legalidade, escreveu como sendo suas as testemunhas a inquirir”, requerendo a anulação do processo a partir de então, em respeito ao princípio da razoabilidade.
A alegada nulidade já foi objeto de apreciação em Correição Parcial interposta pela defesa do acusado, sendo que, apesar do pedido não ter sido conhecido, o douto desembargador subscritor ainda grafou que “… o Ato Processual atacado não pode e não deve ser reputado como tumultuário de fórmulas processuais, pois vige no processo penal o princípio do livre convencimento motivado, e o juiz, não adstrito a critérios de valoração, determinará moto-própria ou por mandamento legal a realização das provas que reputar indispensáveis à busca da verdade real”.
Com a decisão da Correição Parcial, a alegada nulidade foi avaliada por este juízo (p. 925), sendo determinado fossem mantidos os depoimentos no conjunto probatório dos autos definitivamente.
As declarações, conforme determinação deste próprio juízo, foram admitidas no processo e delas será feita avaliação em confronto com as demais provas produzidas, em obediência ao artigo 157 do Código de Processo Penal e em busca pela verdade real dos fatos.
Desta forma, já tendo o pedido sido objeto de apreciação e, novamente, entendendo que não há qualquer nulidade a ser sanada, REJEITO também a alegação de nulidade da juntada dos documentos de p. 840-853, passando a analisar os requisitos do artigo 408 do Código de Processo Penal.
Iii – MATERIALIDADE
A materialidade dos crimes contra a vida se encontra robustamente demonstrada no laudo pericial de achada dos cadáveres (p. 85-101), onde os peritos concluem que:
“Diante dos exames efetuadas no local analisado e transcrito no presente trabalho pericial, bem como da perfuração constatada na região occiptal da cabeça de um dos cadáveres, dos estojos encontrados a cerca de três metros da cova, os Peritos, concluem que se trata de um TRIPLO HOMICÍDIO COM A INTENÇÃO SEGUIDA DE OCULTAÇÃO DE CADÁVERES.”
Ainda para atestar a materialidade, foram efetuados exames periciais nos cadáveres, que posteriormente foram identificados como das vítimas dos presentes autos, sendo que as lesões provocadas por projéteis de arma de fogo foram constatadas nos três corpos periciados (p. 43-47, 48-52 e 54-57).
Foram ainda apreendidos os projéteis de arma de fogo encontrados no local do crime, descritos com sendo “Duas (02) cápsulas (estojos) de munição calibre. 380 AUTO+P CBC, sendo os estojos de cor prata, estando as espoletas, estas de cor dourada, percutidas. Tais cápsulas foram recolhidas no local do encontro de cadáver, conforme BO-DHPP de n.º 240/01.” (p. 37)
IV – AUTORIA
O acusado Hércules confessou a execução do crime, tanto quando ouvido na sede do GAECO quanto posteriormente quando interrogado em juízo, afirmando que agiu juntamente com os co-réus João Leite e Célio, sendo que CÉLIO teria recebido o serviço do Sargento Jesus, a mando do acusado João Arcanjo. Perante o GAECO afirmou:
“… que o depoente e Célio Alves, há aproximadamente um ano antes de serem presos, cometeram um triplo homicídio tendo como vítimas três rapazes que foram localizados no bairro São Mateus em Várzea Grande; que Célio procurou o depoente e disse-lhe que tinha um “negócio” para fazer, querendo dizer que se tratava de morte e, assim, explicou que as vítimas eram três rapazes que haviam assaltado uma banca do jogo do bicho localizada na Av. dos Trabalhadores, em Cuiabá/MT; que esclarece o depoente que fora o Sargento Jesus quem recebera a “empreita” para matar os rapazes, sendo que Jesus repassou o serviço para Célio que, por sua vez, convidou o depoente para o cometimento do crime; que Célio explicou ao depoente que os três rapazes deveriam morrer em virtude do assalto praticado contra a banca do jogo do bicho (colibri), bem como disse ao depoente que João Arcanjo Ribeiro era o mandante do crime, pois a banca assaltada pertencia ao mesmo, como todas as bancas do bicho neste Estado (…) que no dia do crime, por volta das 19:00 ou 20:00 horas, o depoente acompanhado por Célio foram até a mencionada banca de jogo, ocasião em que conversaram com uma mulher, proprietária da banca, cujo nome não se recorda, e o filho desta mulher levou ambos até uma esquina próxima; que ao chegaram na esquina, o filho da citada mulher apontou dois rapazes que ali se encontravam, dizendo serem dois dos assaltantes da banca e, assim, Célio e o depoente abordaram estes dois rapazes; que ao conversarem com os rapazes e, perguntando acerca do terceiro rapaz, os dois meninos apontaram um terceiro que vinha chegando nas proximidades, dizendo: “olha ele ali”; que o depoente e Célio algemaram dois dos rapazes, deixando um terceiro sem algemas e colocou-os no banco de trás do veículo que pertencia ao depoente, um UNO, cor prata; que após estavam nas proximidades da ponte Mário Andreazza quando pararam e Célio efetuou uma ligação para o Sargento Jesus, fazendo essa ligação de um orelhão ali existente, não sabendo o teor da conversa entre Jesus e Célio; que passados alguns minutos chegou ao local a pessoa de João Leite que conversou com Célio e adentrou ao carro do depoente seguindo juntamente com esses (…) que após, seguiram em direção ao bairro São Mateus, em Várzea Grande e, quando lá chegaram entraram no mato e estacionaram o veículo; que o depoente retirou o rapaz que se encontrava sem algemas do carro e o amarrou com um pedaço de corda, sendo que este rapaz se soltou e saiu correndo no escuro; que o depoente saiu correndo atrás e atirando em sua direção, em seguida o mencionado rapaz caiu, sendo que o depoente aproximou-se e desferiu mais dois tiros nas costas do rapaz, isto para que não restasse dúvidas se ainda estivesse vivo; que quando o depoente retornou junto aos demais, João Leite, Célio e dos dois outros rapazes que estavam algemados, já percebeu que Célio e João Leite haviam mandado os dois rapazes deitar no solo, ainda algemados, sendo que havia somente uma algema e esta prendia uma mão de cada rapaz; que logo após os dois rapazes deitarem, João Leite e Célio começaram a disparar, efetuando vários disparos, sendo que o próprio depoente chegou a dizer para pararem, pois estavam fazendo muito barulho; que João Leite disse que a ordem de Jesus era para enterrar os corpos, o que foi feito; que após terem enterrado os corpos o depoente, João Leite e Célio foram embora; que o valor combinado pelas três mortes foi de R$ 15.000,00 (Quinze mil Reais), sendo que o acerto seria que Arcanjo passaria o dinheiro para Jesus, este para Célio que daria a parte do depoente, que consistia em R$ 5.000,00 (Cinco Mil Reais); que esclarece o depoente que não receberam o valor combinado, não se recordando quanto receberam, pois posteriormente Jesus disse para Célio o seguinte: “Olha, o homem não pagou todo o valor porque um dos meninos não era para morrer”, ou seja, que teriam matado um dos meninos enganado (…) que o depoente esclarece que dos meninos que morreram naquele dia, dois confessaram ter assaltado a banca do jogo do bicho, sendo que o terceiro negava participação no assalto, porém, o filho do dono da banca havia apontado todos os três meninos, razão pela qual foram executados…” (interrogatório do acusado Hércules no GAECO – p. 218/219)
Em Juízo, o acusado Hércules confirmou a versão apresentada anteriormente, retificando-a quanto aos disparos efetuados contra a primeira vítima, negando que tivesse atirado contra ela após essa estar caída e, ainda, negando a participação de João Leite no crime:
“… em relação ao depoimento na fase policial, tem a dizer que afirmou que o João Leite também participou porque estava com raiva dele. “A culpa maior de todas essas mortes” é do João, porque ele começou a fazer intrigas (…) Célio disse inicialmente que quem pegou esse “o negócio” para matar os rapazes foi o Jesus, sendo que o Jesus passou o serviço para o Célio. Depois da morte dos rapazes, o Célio disse para o interrogando que quem tinha mandado matar foi o João Arcanjo por causa de um assalto em uma banca do jogo do bicho (…) Esclarece que o interrogando não procurava saber quem é que estava pagando pelo serviço, até para não falar que ele estava sabendo demais.” (interrogatório do acusado Hércules em Juízo – p. 346-349)
Ouvido em juízo, o acusado JOÃO ARCANJO nega veementemente o mando do crime, afirmando que “não tinha ouvido falar desse crime antes da denúncia; que quando leu a denúncia no dia de ontem, achou um absurdo os crimes e a acusação”(p. 713-715).
As testemunhas JAIRO OVÍDIO FERREIRA (p. 743), GUARACY AVENTURA DE MORAES (p. 759) e ADALTO ALVES (p. 762) não prestaram maiores esclarecimentos quanto à acusação contra o acusado João Arcanjo.
O co-réu HÉRCULES, quando ouvido em Plenário de Julgamento e posteriormente quando ouvido ao ser arrolado pela defesa do acusado João Arcanjo, modificou a versão anteriormente apresentada. Agora o acusado passou a negar a autoria e a afirmar que somente delatou o acusado João Arcanjo em virtude de um acordo feito com o Promotor de Justiça Mauro Zaque, uma dos autores da denúncia. Ouvido agora como testemunha da defesa do acusado João Arcanjo, o co-réu HÉRCULES afirmou:
“… que o declarante era levado por diversas vezes à delegacia do GCCO tão logo foi preso; que às vezes ficava lá por diversas horas, às vezes era ouvido outras vezes não era ouvido; … que com referência aos fatos do processo, o interrogando tem a dizer que esse crime foi “imposto ao Arcanjo porque o Promotor Mauro Zaque disse ao declarante que quanto mais crimes fossem atribuídos ao Arcanjo, melhor seria o resultado para o declarante”; que com referência ao acusado Arcanjo e esses fatos, o declarante nada sabe; que com referência a esse crime, o que o declarante falou não é verdade; que não foi o interrogando que seqüestrou as vítimas; que na época o declarante tinha, de fato, um Fiat uno cinza; que tão logo as vítimas desapareceram, a impresna divulgou que as testemunhas tinham visto nas proximidades do seqüestro um Uno prata; que o declarante imaginou que esse carro poderia se passar, se confundir com o carro de sua propriedade; que não havia nenhuma ordem para o interrogando executar as vítimas; que não conhecia as vítimas; … que o que o declarante contou nas suas declarações foi exatamente aquilo que ouviu na televisão e na imprensa; que com referência à banca de jogo do bicho, foi a estratégia usada par que as pessoas pensassem realmente que tinha sido o acusado João Arcanjo quem mandou matar as vítimas…”(Declarações de p. 766-768).
A testemunha AWANIO MOREIRA DA SILVA narrou que era supervisor da empresa Colibri na época dos fatos da denúncia, afirmando que não teve qualquer notícia de furto ou roubo a bancas. Declarou ainda que não se recordava da existência de banca de jogo do bicho no bairro Sol Nascente ou no residencial Santa Inês (p. 789). Em sentido parecido, a testemunha ADALTO ALVES afirmou que quando alugou a lanchonete Milk-Shake da testemunha Cláudio, ali próximo não havia banca de jogo do bicho (p. 762-763).
Diversamente, a testemunha IDILZA COSTA HOICHMAN afirmou que tinha uma banca de jogo do bicho localizada no Residencial São Carlos, trazendo ainda notícia do roubo de dois motoqueiros que recolhiam as apostas (um no bairro Planalto e outro na banca da Edileuza). Declarou:
“… que a declarante trabalhava das sete horas da manhã até as doze horas e quarenta e cinco minutos e depois de catorze horas até as dezoito e quarenta e cinco horas na banca de jogo-do-bicho da Colibri, localizada no Residencial São Carlos, bem na entrada do lado direito de quem entra; que trabalhou ali quinze anos, tendo parado no dia da Arca-de-Noé e assim mesmo trabalho mais dois dias porque não estava sabendo (sic); … que não é verdade que a banca de jogo-do-bicho da declarante tenha sido assaltada… que quem foi roubado foi o motoqueiro, o Getúlio “foi o Getúlio que foi roubado na porta da casa da Edileuza”; que a Edileuza também fazia jogo-do-bicho só que na casa dela, no Sol Nascente; que a declarante pode informar que, antes do Getúlio ser roubado, primeiro roubaram o motoqueiro que recolhia o jogo-do-bicho do Planalto; que a declarante sabe desse roubo porque o motoqueiro chegou na sua banca pedindo para a declarante para telefonar na farmácia par4a a sub-sede do CPA, avisando do roubo; que três dias depois, o Getúlio foi assalto na frente da casa da Edileuza, no horário do meio-dia; que a declarante não sabe quem foi que roubo o Getúlio; … que a única coisa que a declarante sabe com referência à esses crimes foi que o cabo Hércules chegou na minha banca de jogo, na boca da noite, junto com outro policial; … que se identificaram como policiais e perguntaram para o meu menino … quem eram dois garotos; … que meu filho saiu de perto de mim, foi até na beira do muro e mostrou para eles quem eram os guris que eles estavam procurando; que meu filho mostrou para os policiais o PT e o outro que eu não lembro o nome dele; … que depois disso esses meninos nunca mais voltaram para o bairro…”(Declarações de p. 889-892).
O roubo ao motoqueiro ocorrido em frente à sua casa foi confirmado pela testemunha EDILEUZA DA SILVA OLIVEIRA, que em juízo afirmou:
“… que a banca de jogo-do-bicho da declarante nunca foi roubada; que o Getúlio, que recolhia o dinheiro das apostas e que era o motoqueiro, foi roubado na frente da porta da minha casa “antes da morte do cabeludinho”; que não me lembro quanto tempo antes…”(declarações de p. 897-898).
Não se pode olvidar que consta dos autos, ainda, a versão dos fatos apresentada por Deiseane Alves Câmara, namorada da vítima Leandro, que atribuiu os crimes a Cláudio, proprietário da Lanchonete Milk Shake, de quem teriam furtado um cartucho de vídeo de jogos de um fliperama …
“…. que, as vítimas foram rendidas, algemadas e retiradas do local por dois homens que apresentaram-se como sendo policiais e usando um Fiat-Uno cinza 04 (quatro) portas; que, tem conhecimento que seu namorado teve problemas com a polícia quando era adolescente e que atualmente trabalhava na empresa prestadora de serviços denominada CONSTRUMAX; que, de acordo com as informações colhidas pela declarante os supostos policiais estariam a serviço de um indivíduo de nome CLÁUDIO proprietário de uma lanchonete local denominada MILK SHAKE; que, o motivo seria um furto de um cartucho de vídeo de jogos de um fliperama, também de propriedade de Cláudio, sendo que os mesmos estava atribuindo a autoria do furto a várias pessoas freqüentadoras do local, dentre elas seu namorado…” (declarações de Deisiane Alves Câmara em sede policial – p. 176-177).
Diante da prova colhida, constam dos autos pelo menos três versões para os fatos: duas trazidas pelo co-réu Hércules: (1) que num primeiro momento assumiu a autoria e imputou o mando do crime ao acusado João Arcanjo em virtude de assaltos a banca de jogo do bicho; e (2) num segundo momento negou completamente os fatos, sendo estes também negados pelo acusado João Arcanjo; e uma trazida pela testemunha Deiseane quando depôs na delegacia, de que (3) o mandante do crime seria a testemunha Cláudio, em virtude do furto de um cartucho de fliperama.
Optar por uma dessas versões implicaria em apreciação de mérito, o que é vedado ao juízo singular nos crimes dolosos contra a vida. Havendo materialidade comprovada e indícios de autoria, e os há, impõe-se a pronúncia para que o Júri Popular, juiz natural da causa, possa apreciar aprofundadamente os fatos.
Neste momento processual verifica-se apenas o juízo de admissibilidade da acusação, resolvendo-se qualquer dúvida pro societate. Nesse sentido, é entendimento jurisprudencial que:
“Por ser a pronúncia mero juízo de admissibilidade da acusação, não é necessária prova incontroversa do crime para que o réu seja pronunciado. As dúvidas quanto à certeza do crime e da autoria deverão ser dirimidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri” (STF – RT 730/463)
As qualificadoras (da torpeza do motivo e do modo de execução) colocadas com a denúncia são compatíveis com a prova colhida nos autos, de forma que também devem ser submetidas à apreciação do júri popular.
Diante de tais considerações, em juízo provisório de admissibilidade da culpa, hei por bem PRONUNCIAR a JOÃO ARCANJO RIBEIRO, conhecido como “Comendador Arcanjo”, brasileiro, casado, empresário, nascido aos 30/03/1951 em Jeroaquara-GO, filho de Josefa Arcanjo Ribeiro, residente na rua 43, esquina com rua 07, bairro Boa Esperança, em Cuiabá, DANDO-O COMO INCURSOS NAS SANÇÕES DO ARTIGO CENTO E VINTE UM (121) PARÁGRAFO SEGUNDO (§2º) INCISOS UM (I) E QUATRO(IV); ARTIGO DUZENTOS E ONZE (211) POR TRÊ VEZES todos DO CÓDIGO PENAL, A FIM DE QUE SEJA SUBMETIDO A JULGAMENTO PELO TRIBUNAL POPULAR DO JÚRI DESTA COMARCA.
O acusado permaneceu preso durante toda a instrução. Esteve foragido da justiça até que foi encontrado no Uruguai, mostrando-se a manutenção da prisão como necessária à garantia da aplicação da lei. Além disso, os seus antecedentes autorizam a manutenção da prisão como forma de garantia da ordem pública, especialmente por responder a outros processos por homicídio na Comarca de Cuiabá.
Por essas razões, mantenho a prisão provisória do acusado, agora por força da prolação da decisão de pronúncia, nos termos do art. 408 §1º do CPP. Recomende-se na prisão em que se encontra.
Havendo preclusão “pro judicatio” seja aberta vista ao nobre representante do Ministério Público, para fins do artigo 416 do diploma processual penal.
Publique-se. Registre-se.
Intime-se. Cumpra-se.
Várzea Grande-MT, 16 de abril de 2007.