Por decisão liminar, trechos do Código Tributário da Prefeitura de Cáceres, que há 20 anos permitem a cobrança, estão suspensos
A prefeitura de Cáceres, 219 km de Cuiabá, está proibida de cobrar taxas dos cidadãos para emissão de boletos, guias, certidões, quando tais documentos forem para defesa de direitos ou esclarecimento de situações de interesses pessoais. A Defensoria Pública de Mato Grosso (DPMT) conseguiu suspender, com liminar da Justiça, artigos e itens inconstitucionais do Código Tributário do município, utilizados há mais de 20 anos.
A decisão foi garantida, por unanimidade, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça no processo 1016295-20.2020.8.11.0000, sob a relatoria do desembargador Rui Ramos. A medida foi tomada após o defensor público geral, Clodoaldo Queiroz, e o defensor público que atua em Cáceres, Saulo Castrillon, protocolarem uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), questionando a ilegalidade.
Na ADI, a Defensoria Pública sustenta que a cobrança viola o direito de petição descrito no artigo 5º, XXXIV, “b”, da Constituição Federal. E lembra que a exigência de recolhimento de taxa para emissão de certidão em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, é atividade incluída em regra imunizante de natureza objetiva e política.
Castrillon explica que na liminar foi pedida a suspensão de dois artigos, parágrafos e incisos da Lei Complementar nº 148 de 26 de dezembro de 2019, e que, cinco itens da Tabela de Taxas de Serviços do Município, estabelecidas na lei, fossem declaradas inconstitucionais.
“Diante de tais considerações, a suspensão da eficácia em sede liminar se mostra prudente. Ante o exposto, reconhecendo a inconstitucionalidade dos artigos 162, § 1º, inciso VI e 225 da Lei Complementar nº 148/2019 do Município de Cáceres-MT, e dos itens 1, 2, 3 e 5 da Tabela XV do respectivo diploma normativo, concedo a ordem vindicada liminarmente pelo requerente”, diz trecho do voto do desembargador, seguido pelos colegas.
Código Tributário – A Lei 148, em seu artigo 225 define que a taxa de serviços tem como fato gerador a execução de serviços administrativos de pesquisa e desenvolvimento de qualquer outra atividade para fornecimento e emissão de guias, certidões, pareceres, atestados ou qualquer outro documento fornecido pela Administração Municipal.
A definição, no entanto, é contestada na ação, com base nos artigos 5º e 145º, inciso II, da Constituição Federal. Esse último, foi usado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em recurso especial, de 2014, para firmar jurisprudência no sentido de que a cobrança da taxa de expediente para emissão de documentos tributários é inconstitucional, por não obedecer a critérios legais.
“A emissão de guia de recolhimento de tributos é de interesse exclusivo da Administração, sendo mero instrumento de arrecadação, não envolvendo a prestação de um serviço público ao contribuinte. Ratifica-se, no caso, a jurisprudência da Corte consolidada no sentido de ser inconstitucional a cobrança de taxas por emissão ou remessa de carnês e guias de recolhimento de tributos”, diz trecho do voto do relator ministro Dias Toffoli, um dos usado para fundamentar a ADI.
Constituição de Mato Grosso – A constituição estadual também assegura que todos, independente da cobrança de qualquer valor, têm o direito de petição e de obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa de direitos e para o esclarecimento de situação de interesse pessoal e coletivo, em seu artigo 10º, inciso VI, diz trecho da ação.
“A Constituição Estadual cria uma imunidade tributária, impedindo de modo definitivo, qualquer cobrança fundamentada no fornecimento, pelo Poder Público, de certidões dessa natureza. Além disso, a previsão dessa cobrança afronta o artigo 149, inciso II, vez que não envolve prestação de um serviço público ao contribuinte, sendo apenas, uma ferramenta de arrecadação tributária em prol da Fazenda Pública”, reforça Castrillon.
Quanto à solidificação do entendimento, Castrillon lembra que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso também já declarou, em inúmeros julgamentos, a inconstitucionalidade de leis similares de Mato Grosso e dos municípios de Cuiabá e Sorriso, que adotavam a mesma prática.
“A emissão de guia, tratada erroneamente como emolumentos, em verdade são consideradas taxas. A cobrança desta taxa é um expediente utilizado de forma velada para transferir o custo administrativo, de responsabilidade única do Poder Público, ao particular, em nítido desvirtuamento da materialidade proposta”, afirma despacho do ministro Roberto Barroso, usada no ADI julgada procedente contra o município de Cuiabá.
Origem – Castrillon, que atua na comarca de Cáceres, informa que identificou a ilegalidade na cobrança ao trabalhar na Vara de Fazenda Pública com executivos fiscais, nos quais o cidadão é defendido pela Defensoria Pública, após ser citado por edital. Ele informa que a lei tributária foi reformada no ano passado, mas que há 20 anos a cobrança é feita dessa forma em Cáceres, sem contestação.
“Trabalho com centenas de executivos fiscais nos quais o cidadão executado não sabe que há um processo de cobrança contra ele. E analisando as certidões de dívida ativa, constatei o registro dessas taxas e decidi verificar a legalidade para a cobrança delas, e não encontrei qualquer respaldo. Por esse motivo, pedi o apoio do defensor público-geral para questioná-las”.
Castrillon explica ainda que existem discussões que até permitem a cobrança do custo do valor do documento, em centavos, para casos similares, mas não da forma como ocorreu nas ações vencidas no TJ e como ocorre em Cáceres. “Aqui no município temos centenas de guias e certidões cobrando o valor de R$ 10,54 de taxa de serviços administrativos, o que soa como algo absurdo. A prefeitura cobra impostos e taxas do contribuinte e além disso, cobra também pelo serviço de cobrar, é algo que ilegal, além de absurdo “, disse.