O governo de Mato Grosso tem 60 dias para cumprir um acordo feito pela gestão anterior com o Ministério Público Federal (MPF) para reiniciar as obras do Hospital Central. A decisão foi tomada no dia 12 de dezembro de 2019 pelo juiz federal Rodrigo Gasiglia de Souza, substituto da 3ª Vara Federal Cível de Mato Grosso.
Anunciada pela primeira vez em 1984, no governo Júlio Campos, a obra da unidade de saúde é hoje uma dos maiores gargalos na história política de Mato Grosso. Sem nunca ter sido concluído, o hospital passou por 7 gestões e ninguém conseguiu terminar a obra. O governo Mauro Mendes, que também herdou o problema, promete que terminará o hospital em 24 meses, a contar do lançamento da licitação, previsto para a segunda quinzena de janeiro.
Um dos pontos conflitantes na ação do MPF era a exigência que o novo governo previsse os recursos necessários para a construção do hospital no Plano Plurianual (PPA – 2020-2023), peça orçamentária que programa investimentos, receita e despesa de um governo ao longo dos três últimos anos de gestão.
A determinação de que os gastos deveriam estar previstos no PPA constava do próprio acordo assinado entre o ex-governador Pedro Taques e o MPF em novembro de 2015. Na prática, o órgão ministerial pediu apenas o cumprimento do termo. Entretanto, segundo o magistrado que analisou o caso, o Poder Judiciário não poderia interferir em atribuições do Poder Legislativo ou do Poder Executivo. “O acolhimento do pedido nos exatos termos em que fora formulado significaria dizer que uma única pessoa, juiz federal, substitui os votos de todos os parlamentares na aprovação de uma previsão orçamentária, o que se revela impossível dentro da ordem constitucional vigente. E mais, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, a aprovação de uma dotação orçamentária deve levar em conta diversos fatos técnicos, despesas, impacto nas finanças públicas, que não se incluem no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário’, afirmou o juiz.
Fato é que no PPA aprovado e publicado no Diário Oficial no dia 27 de dezembro, o governo não previu despesas com a construção da obra, apesar de ter anunciado o projeto de finalização, inclusive com previsão de publicação do edital de licitação. O PPA contém apenas a previsão da construção do Hospital Júlio Muller, que foi orçado em R$ 53,6 milhões no PPA. Mesmo sem determinar a exigência de previsão da obra no PPA, o juiz federal entendeu que, ainda assim, o governo deve iniciar de imediato o cumprimento do acordo.
“Entendo que não há violação ao Princípio da Separação dos Poderes em se determinar apenas medidas voltadas à satisfação do acordo homologado judicialmente, o que se difere de determinação de cunho mandamental, diretamente direcionada ao Poder Legislativo, para que haja inclusão no PPA 2020/2023”, diz trecho da sentença de Rodrigo Gasiglia de Souza.
Antes desta sentença, a atual gestão da Secretaria de Estado de Saúde informou à Justiça Federal que não conseguiria cumprir integralmente com o acordo por conta dos prazos previstos e não cumpridos no governo Taques. Esta dificuldade incluía a maioria dos prazos, que se encerraram em 2017, além da conclusão da Maternidade Infantil da Cidade da Saúde, prevista para ser finalizada em dezembro de 2020.
“Tal termo é de impossível cumprimento, haja vista que o Estado de Mato Grosso não possui recursos para construção, os projetos arquitetônico ainda não foram concluídos e, consequentemente, sequer foi esboçado processo licitatório”, diz trecho de um memorando enviado à Justiça ainda em 2019. O quadro desenhado no documento parece ter mudado logo depois, com o anúncio pelo governo da retomada da unidade.
Retomada da obra
Em novembro de 2019, o secretário de Saúde, Gilberto Figueiredo, lançou o projeto da obra prometendo investir R$ 139 milhões com a criação de 290 novos leitos. Dinheiro que, segundo Figueiredo, virá do combate à corrupção no Estado feito pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT).
Com o lançamento do projeto, o governo se antecipou à decisão judicial. A sentença é resultado final de uma ação movida pelo ex-procurador de Justiça Pedro Taques, em 2003, na qual ele cobrou o pagamento de R$ 14 milhões a Júlio Campos pelo atraso e por desvios de recursos nas obras. Campos chegou a ser condenado em primeira instância para realizar o pagamento.
O próprio Taques, porém, não concluiu a unidade. O ex-governador prometeu a construção da chamada ‘Cidade da Saúde’. O empreendimento foi incluído no acordo com o MPF, mas o tucano conseguiu terminar apenas a obra do Centro de Reabilitação Dom Aquino (Cridac).
Ousadia
Se a política (e as promessas) que circularam em torno da obra inacabada do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) dá calafrios ao eleitor mato-grossense a história recente do Hospital Central não deve provocar sensação diferente. Pensada para resolver o problema dos leitos hospitalares no Estado a unidade de saúde acabou se tornando um verdadeiro elefante branco – mesmo sem ter sido concluído.
Em 1982, durante a campanha, a ideia do hospital nasceu como promessa do candidato que partia na frente nas pesquisas, Júlio Campos. Na época, Campos prometeu que faria uma unidade de saúde com 1 mil leitos para a população. Mais tarde, ao assumir o governo, reduziu a previsão para 500 leitos. É o que conta o ex-secretário de Saúde Gabriel Novis Neves.
“Na campanha de 82 o Júlio Campos prometeu fazer um hospital de clínicas em Cuiabá e eu disse ‘abaixa’ e aí ficou para 500”, conta. “Eu havia planejado fazer o hospital das clínicas quando era reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), mas estava na época da crise do petróleo e o governo federal não quis tocar a obra e eu fiquei com o projeto e disse ao Júlio que daria ao estado’, relembra o ex-secretário.
O autor do projeto, João Carlos Bross, é o mesmo que já havia planejado outras edificações na UFMT. Com a doação do projeto as obras se iniciaram, mas nunca foram concluídas. Nas administrações seguintes foram realizadas uma série de alterações, mas que nunca levaram a finalização do prédio.
“Eu passei o projeto para o Júlio, mas logo depois eu saí da Secretaria”, conta Novis. “É uma pena que nunca tenha sido concluído”, lamenta. A construção inacabada passou pelos governos de Carlos Bezerra, Jayme Campos, Dante de Oliveira, Blairo Maggi, Silval Barbosa e Pedro Taques.
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