Ao entrar em seu gabinete na sede do Banco do Brasil em São Paulo, na manhã da última sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, recebeu de seus assessores uma excelente notícia: a produção industrial cresceu 0,7% em março, depois de ter caído 2,4% em fevereiro. De posse do precioso dado, Mantega deu início à entrevista exclusiva ao Brasil Econômico, na qual se mostrou bem humorado e com o otimismo de sempre.
Há sete anos no comando da Fazenda, o ministro fez uma aposta firme na economia brasileira, apesar das incentezas que rondam o cenário mundial. Garante que o País vai crescer com a inflação sob controle. Revela que está mergulhado em livros sobre a Segunda Guerra Mundial e explica que "enfrentar a crise internacional é quase uma guerra".
A maioria dos analistas anda preocupada com a inflação, que tem ficado acima do centro da meta e, em certo momento, até ultrapassou o limite máximo. Todos falam do conflito do crescimento da economia do país versus a inflação. Como o senhor está vendo esta questão?
Guido Mantega – A inflação no Brasil está sob controle há vários anos, não é só este ano. E ela tem um comportamento sazonal. Todo mundo já deveria saber que no final do ano ela sobe, no início ela salta e depois começa a cair. Ela tem sofrido choques de ofertas por conta da seca nos Estados Unidos, no ano passado, e a seca no Brasil também, o que eleva os preços dos alimentos. Tirando esta parte dos alimentos, ela tem um comportamento normal. Os alimentos têm uma peculiaridade, pois dependem dos fatores climáticos e dos regimes de chuvas. Este ano vamos ter uma safra recorde. Estamos com a agricultura bombando. Tudo isso significa aumento de oferta de produtos agrícolas. Além disso, tem os produtos que não são commodities, como tomate e farinha de mandioca, que foram alguns dos vilões este ano, mas que são passageiros e já estão caindo. A inflação está descendente. Jamais deixaremos que a inflação ultrapasse a meta traçada. Já faz seis anos que ficamos dentro das metas. No período anterior, em alguns momentos, ultrapassavam a meta. Nós não ultrapassamos em nenhum momento e não deixaremos. Tanto que o Banco Central subiu os juros no último Copom. Isso mostra que o governo não mede esforços para manter a inflação controlada. Se tiver que subir os juros, sobe, se tiver que tomar outra medida, toma… O importante é que, como o principal vilão foram os alimentos, temos uma saída, visto que o Brasil é um grande produtor.
O senhor acha que até o fim do ano a inflação chega mais perto do centro da meta? Há essa possibilidade? Pois há alguns anos está acima…
Há alguns anos que estamos tendo choques de ofertas. Tivemos em 2010, 2011 e 2012. Teve seca na China, Índia e teve ano que faltou açúcar, arroz. Isso nos impacta. Não é que falta aqui dentro, pois produzimos cada vez mais. Se pegar os últimos quatro anos, nossa safra só aumentou. O Brasil é campeão neste quesito. Sendo o problema alimento, ele tem solução. Isso mostra que não é uma inflação estrutural, é uma inflação conjuntural. As soluções estão sendo tomadas.
A partir dos efeitos sobre alimentos, por conta da oferta, houve impacto também sobre serviços. Diante do noticiário sobre aumento de preços, muitos subiram o preço. Existiu o problema da especulação inflacionária?
Serviços têm outra dinâmica. Nós temos hoje uma situação atípica. Temos pleno emprego praticamente, com níveis mínimos de desemprego, e falta mão de obra em alguns setores. O que é um bom sinal. Coitados dos países onde a questão é o oposto. Os países europeus não têm emprego para os seus trabalhadores. Então, nós temos uma situação muito boa, mas que tem um ônus, em alguns setores, a escassez de mão de obra. É um preço que você paga porque a população tem renda, portanto ela tem capacidade para demandar mais serviços, desde cabeleireiros a restaurantes. Mas isso pressiona o preço dos serviços, pois ele não tem forte concorrência. Se começar a aumentar o preço do produto manufaturado, ele sofre a concorrência do produto importado. Em serviços não tem. Se tirar alimentos e tiver só inflação de serviços, estaríamos no centro da meta. Volto a repetir, há três anos temos choque de ofertas de commodities. Os preços subiram muito nestes últimos anos. Não é que falte commodities no Brasil, pelo contrário, é que quem define o preço é o mercado internacional.
Na reunião do Copom, dois diretores do Banco Central argumentaram exatamente isso, que, em função do que pode ocorrer no mercado internacional, talvez não haja necessidade de voltar a elevar juros, pois teria o impacto externo nos preços do Brasil. Essa visão deles está correta? Essa visão de que o cenário internacional pode ser um ponto positivo no combate à inflação?
A tendência é a queda no preço das commodities por causa do cenário internacional. Duas semanas atrás tivemos uma queda forte das commodities, inclusive do petróleo. O petróleo, que ficou muito tempo estacionado acima de 100 dólares o barril, caiu para abaixo de 100. Isso mostra a queda de demanda internacional, que a economia mundial está em crise; aliás é bom que não esqueçamos disso. Pois alguns analistas esquecem quando falam do Brasil. A crise afeta a economia internacional, e neste caso abaixou o preço das commodities do petróleo. Para a inflação ela é favorável. De fato, o cenário é de queda do preço das commodities, o que vai ajudar a derrubar o preço dos alimentos. Não vou julgar a opinião dos membros do Copom, se estão certas ou erradas, acho até bom que eles as deixem claras…
É que a ata deu grande destaque a essa análise deles, dizendo que houve um consenso. Mas alguns acharam que devia aumentar já e outros não. Mas houve consenso sobre o impacto do cenário internacional sobre a inflação…
Não tenho nada a declarar, os comentários eles já fizeram.
De qualquer forma, o senhor não acha necessária uma nova rodada de juros. Tecnicamente?
Não disse isso absolutamente. Quem tem que achar se tem ou não é o Banco Central. Ele vai examinar e vai chegar à conclusão, se precisa ou não. O problema da inflação é sua generalização, a difusão. Se você tem uma inflação localizada no setor de alimentos, ela vai recuar, tanto que já caiu. Não se fala mais de tomate. Porque o tomate caiu. Teve a coitada da mandioca, que agora está em baixa. Aí ninguém fala mais.
O senhor estava falando sobre esta questão externa. Ela tem também um preço, tem esse benefício da inflação, mas tem o lado da balança comercial, de nossas contas externas. Saiu o último resultado (déficit de US$ 994 milhões em abril). Como o senhor vê esta balança comercial?
Este resultado comercial expressa três coisas. Em primeiro lugar que o Brasil está crescendo um pouco mais que outros países, normal que tenhamos um crescimento maior da importação do que da exportação. No ano passado não foi assim. Como crescemos menos, então caiu mais a importação do que a exportação. Este ano, a tendência é que a importação cresça um pouco mais do que a exportação, por duas razões: a economia mundial não está bem e o comércio internacional está fraco, ao mesmo tempo que estamos acelerando um pouco o nosso crescimento. A tendência é crescer mais as importações do que as exportações, mesmo assim o saldo comercial será positivo. Pode ser que ele seja menor.
As principais desonerações são para a indústria, que é a área que mais sofre com a crise mundial. Nós estamos fazendo milagres no Brasil, já que a nossa indústria continua crescendo apesar do retrocesso em outros países.
O que mais prejudicou a balança comercial em abril?
Temos também o reflexo da queda dos preços das commodities. O principal item de exportação nosso, por mais incrível que pareça, é o petróleo e derivados. Nós exportamos menos e o preço caiu. Então em valor teve uma queda. Teve um problema também que a Petrobras tem que fazer paradas técnicas, o que interfere na produção, e ela teve uma concentração de paradas no fim do ano passado e no início deste ano. E isso não se repete. É uma combinação de fatores, isso não deve continuar. Em período de safras, nós exportamos mais e corrigimos isso na balança. Teve este resultado, mas ela pode se recuperar ao longo do ano.
Neste cenário, como fica a questão do crescimento? É possível que se confirme essa taxa de 3% a 3,5% ou ela corre algum risco?
O crescimento da economia mundial é modesto, porém foi pior no ano passado. O Brasil pode ter taxa de crescimento maior do que a economia mundial, pelo menos mais do que os países avançados. Este ano se espera uma situação um pouco melhor que no ano passado. O cenário internacional não é o mais favorável, porém não impedirá um crescimento maior da economia brasileira, que já ocorre.
O senhor tem uma previsão?
A previsão é que teremos um crescimento melhor do que no ano passado. Melhor contar com aquilo que já temos, ou seja, dados concretos. Por exemplo, saiu a produção industrial de março e do primeiro trimestre. Nós crescemos 0,8% em relação ao quarto trimestre. Estamos na margem e acelerando nosso crescimento. É gradual, não é explosivo. A boa notícia é que os investimentos estão crescendo a uma taxa elevada. Então aquele que é um dos principais objetivos da nossa política econômica, que é aumentar os investimentos, está sendo verificado em 2013. No trimestre cresceu 9% os bens de capital, o que é muito expressivo.
Mas o senhor mantém a aposta de 3% de crescimento este ano ou a esta altura seria arriscado?
Eu olho para as previsões do mercado e de vários analistas. No ano passado, todos os analistas se equivocaram na previsão de crescimento, ninguém acertou. Este ano, os analistas estão falando em 3% e 3,5%. Nós trabalhamos no governo com 3,5% no orçamento. Então pode ser algo entre 3% e 3,5%. É algo por aí, mas previsões são revistas a cada semana. Não quero ficar com ônus de uma previsão que não posso revisar a cada semana, mas estamos com indicadores econômicos demonstrando que caminhamos para um crescimento desta magnitude. Esta é a trajetória da economia brasileira, um crescimento moderado e que vai ampliar durante o ano.
Um dos fatores que tem incentivado a economia é a política do governo de desoneração, mas isso tem causado um efeito em relação à arrecadação do governo. Realmente há este descompasso? É um fator que já preocupa?
Nós cumpriremos à risca as metas fiscais do governo, como sempre fizemos. Sou ministro da Fazenda há sete anos e sempre cumpri à risca as metas. Isso vai acontecer mais uma vez. Temos uma meta (de superávit) que é a mesma de 3,1% dos últimos anos e ela está mantida. Nos momentos em que a economia requer mais estímulos, podemos abater desta meta. Podemos desonerar os investimentos, porque eles são bons para a economia. Isso significa que a arrecadação será maior em seguida, porque a economia vai ganhar vigor, pois está sendo estimulada. Nós estamos de fato fazendo um programa de redução de impostos que nunca foi feito na economia brasileira, que no passado só subia impostos. As principais desonerações são para a indústria, que é a área que mais sofre com a crise mundial. Nós estamos fazendo milagres no Brasil, já que a nossa indústria continua crescendo apesar do retrocesso em outros países. Temos também um financiamento inédito de 3% ao ano. É claro que com esse volume de desoneração afeta o volume de arrecadação. As empresas estão recuperando a margem de rentabilidade, então isso afeta um pouco o resultado, mas dentro dos parâmetros estabelecidos. Tudo isso mantendo sempre o objetivo central da política fiscal que é reduzir a dívida.
E qual a previsão para a dívida?
A dívida pública brasileira vem caindo ao longo do tempo e continuará caindo. É um dos poucos países do mundo cuja dívida líquida vem caindo. Ano passado fechamos em 35,5% , no ano anterior era 36% e antes era 37%. Este ano a nossa dívida vai fechar com 34% e uns quebrados. Mesmo que a arrecadação não seja uma maravilha, ela será menor por uma boa razão. Quando você desonera a economia, está plantando algo que vai ganhar na frente.
Em relação à desoneração da folha, isenção de energia elétrica e outros incentivos. O que mais é preciso ser feito?
Nós fizemos mudanças estruturais e conjunturais. As estruturais são, por exemplo, na política monetária. O Brasil saiu daqueles juros elevadíssimos, que são custo financeiro. Éramos um dos países com os maiores custos financeiros…
A receita dos bancos caiu 6%…
Mas o lucro não caiu. A receita caiu porque eles quiseram…
Não é bom ter caído a receita dos bancos, pois eles tinham receitas fabulosas?
Nosso problema não é o lucro, pelo contrário, eu quero que os bancos e as indústrias tenham lucros cada vez maiores para pagar o imposto de renda. Porque, quando tem lucros menores, eles pagam menos imposto de renda. Nós estamos aqui para criar condições de lucratividade, mas lucratividade em bancos tem de ser de uma maneira eficaz para a sociedade, o que significa dar mais crédito com taxas menores. Nós não somos contra os lucros, mas dando possibilidade para o setor produtivo ter seu lucro e investir.
Retomando sobre os incentivos que podem ser feitos…
Os custos básicos estão sendo reduzidos na economia brasileira, que é para dar competitividade à produção do país. O mundo também reduz custos, pois o cenário de crise internacional leva todo mundo a reduzir custo, sendo que lá fora o custo que mais reduz é mão de obra. Nós aqui não queremos reduzir salários e não vamos. Mas estamos reduzindo os tributos sobre as folhas de pagamentos.
O senhor esteve em uma reunião com empresários na Fiesp recentemente e alguns setores ainda sentem dificuldades para crescer. Que setores são estes e o que pode ser feito?
O custo de mão de obra pela situação peculiar da economia brasileira. Uma coisa é você ter 12% de desemprego na União Europeia e está sobrando mão de obra. Nesta condição, o salário vai para baixo. Aqui o salário vai para cima; digo isso com satisfação. Temos que fazer com que a produtividade cresça mais que o aumento de salário. Nós estamos compensando isso com a desoneração da folha de pagamento, de modo que o custo não suba. O setor de construção demanda muita mão de obra e tem havido uma forte formalização, o que é um aumento de custo. Uma das reclamações que ouvi foi isso, o custo da mão de obra.
A desoneração da folha resolve?
A desoneração contrabalança. É um custo alto que é o INSS patronal, que vai pagar zero. É uma desoneração que está entrando em vigor. Nós tomamos uma série de medidas, mas que não têm um efeito imediato. O grosso do impacto da desoneração da folha será este ano.Só agora os empresários estão se beneficiando desta desoneração.
O senhor acha que a economia vai ser de novo um fator positivo para a reeleição da presidente Dilma em 2014? A oposição já escolheu a economia como grande tema. Ela vai ter este peso?
Não sei se economia vai ser ou não vai ser; procuro não misturar economia com a política. A cada quatro anos tem eleição no país, se você deixar a economia ao sabor da política, a cada quatro anos a economia pararia. E não é isso que acontece. Nós conseguimos isolar a economia da política, de modo que não tem mais o ciclo político. Seja quem for, vai manter a política de solidez fiscal, vai manter o combate à inflação e acredito que vai manter também o incentivo ao crescimento econômico. Claro que sei que um bom cenário econômico ajuda o governo. Nas próximas décadas, a economia brasileira está fadada a ter um crescimento de 4%. É claro que pode ter uma sazonalidade, pois você poder ter uma crise mundial, mas vimos que mesmo em uma crise podemos ter um desempenho bom.
Aproveitando a questão política, dirigentes do PT de São Paulo falam muito sobre o seu nome para ser candidato ao governo do Estado. Tem pretensão?
Eu não sou candidato ao governo de São Paulo. Os companheiros do PT não me procuraram para falar deste assunto. Eu tenho muito trabalho na área econômica e tenho uma missão a cumprir até 2014, que é entregar esta economia crescendo em um patamar elevado, em torno dos 4%, e com dinamismo para, pelo menos, os próximos 10 anos. Estou completamente centrado.
O senhor decidiu entregar definitivamente o cargo em 2014?
2014 é o limite mesmo, porque ninguém pode fazer plano além de 2014. É muita pretensão.
Para encerrar, uma curiosidade. O que o ministro está lendo atualmente?
Estou lendo um livro que é sobre o Roosevelt (ex-presidente dos EUA) na guerra, o nome do livro é ‘No Ordinary Time’, da Doris Goodwin. Ela é a mesma que escreveu o livro do Lincoln, que foi para o cinema. Também estou lendo ‘Paris 1919’, sobre o Tratado de Versalles, o pós Segunda Guerra Mundial. Para refrescar a cabeça leio ‘Guerra e Paz’. Agora para esquentar a cabeça leio ‘Currency Wars’. Eu também estou relendo a autobiografia do Churchill durante a Segunda Guerra.
Pelo visto, o senhor gosta muito de livros sobre guerra?
Eu gosto muito de livro de guerra porque tem muita ação econômica da época. Eu gosto porque é política com economia. Enfrentar a crise mundial não deixa de ser quase uma guerra. A economia americana só se recuperou da grande depressão durante a guerra, porque é neste período que você mais pratica a economia keynesiana. Quando a economia fica parada, o Estado tem que ir lá e dar estímulo.