A cheia do rio Paraguai e seus afluentes já está mais de quatro metros acima de seu nível na divisa dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e as projeções dos pesquisadores do centro de pesquisas da Embrapa Pantanal, em Corumbá (MS), indicam que a inundação deste ano pode ser a maior dos últimos 12 anos. A reportagem do Terra atravessou, pelo rio, quase 700 quilômetros que separam Cáceres (MT) e Corumbá, percorrendo alguns dos trechos mais longínquos da maior planície inundável do mundo.
Vida aquática
As grandes cheias deixam a paisagem homogênea e parecem diluir a diversidade do ecossistema, mas isso é apenas aparente. Dentro d”água, a vida explode neste período, quando brotam e crescem as mais de 1,8 mil plantas aquáticas do Pantanal. São elas as responsáveis pela restauração e rejuvenescimento da natureza dos 140 mil km² da planície pantaneira. Essas plantas, chamadas de macrófitas pelos estudiosos, são como um alicerce do sistema complexo onde convivem 260 espécies de peixes, 300 de aves e mais de 50 mamíferos.
“As macrófitas são fundamentais para o ecossistema porque estão na base da cadeia alimentar”, explica a pesquisadora Solange Ikeda, da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat). Durante a cheia, a natureza oferece algumas caprichos: a menor planta aquática já catalogada pela ciência, a Wolffia, quase invisível a olho nu, cresce junto com a maior de todas elas, a vitória-régia.
Quando a água começar a baixar, o Pantanal estará renovado e o Paraguai e seus afluentes, superpovoados de animais e plantas responsáveis pela fecundidade e a diversidade do ecossistema.
Jacaré-do-papo-amarelo
O jacaré-do-papo-amarelo, um dos maiores predadores da região, deixou as barrancas do rio Paraguai, agora inundadas, para se refugiar em baías fora do leito principal do rio até que o ciclo da cheia se complete, dando início à lenta redução do nível das águas. A baía do Canafisto, a 250 quilômetros ao norte de Corumbá, é um dos esconderijos dos jacarés durante a cheia. Gigantescos (às vezes com mais de dois metros de comprimento), estes animais ficam às margens escondidos entre camalotes e costumam depositar seus ovos em uma planta, conhecida cientificamente como Oxycarum.
Rios nômades
As cheias do Pantanal estão diretamente ligadas à combinação do relevo praticamente plano com as chuvas de verão. De acordo com o pesquisador Aguinaldo Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, a declividade média da planície não supera os 5 centímetros a cada quilômetro, o que torna o escoamento da água bastante lento. A enchente no Pantanal desloca-se lentamente de norte a sul, acompanhando o curso do rio Paraguai. Na região de Cáceres, as inundações ocorrem no período mais chuvoso, entre janeiro e março; em Corumbá, o pico da cheia é esperado entre abril e julho e, em Porto Murtinho, limite sul da planície em MS, as enchentes chegarão apenas a partir de agosto, quando todo o restante do Pantanal já está vivendo a estiagem sazonal.
Aguinaldo Silva, que está no programa de doutorado da Unesp, estuda o comportamento do rio Paraguai. O cientista afirma que, com base em imagens de satélite e fotografias, é possível concluir que o curso do rio vive um lento processo de mutação. “Os rios do Pantanal são nômades e a paisagem é mutante, fazendo com que os ecossistemas adaptem-se continuamente às mudanças”, diz o pesquisador.