O motivo que levou à criação do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) foi a constatação de que os grandes problemas de desvios de recursos públicos, corrupção envolvendo fraudes na atuação dos gestores, eram decorrentes de vícios que haviam se dado, antes, no processo eleitoral.
É bem fácil de ver que o candidato pede apoio financeiro a empresas para custear a sua campanha eleitoral, e em troca da doação feita, aquelas serão fornecedoras do ente público tão logo seja declarado o vencedor da eleição. E é lógico de se esperar que no sistema capitalista não exista a figura do “financiador samaritano”, se ele aplica recursos financeiros no candidato é porque deseja gordos contratos públicos. É um simples e esfomeado investidor, não um apaixonado por política ou por boas práticas de gestão. Nessas contratações, geralmente por meio de processos viciados, é que são “quitados” os débitos que restaram da campanha eleitoral, de modo que as caríssimas peças de propaganda (incluindo os horrorosos cavaletes e as “novelinhas” com choro na tevê) são pagas indiretamente por toda a sociedade.
Com essas premissas podemos concluir que o “ovo da serpente” de toda a corrupção é a especialíssima Corrupção Eleitoral. E institucionalmente quem deve combate-la é a Justiça Eleitoral, ramo do Poder Judiciário que ganhou importância, mas ainda está em débito com a sociedade. A demora para decidir, somada à incapacidade de punir as infrações eleitorais, levam a uma insegurança jurídica, quebra de confiança e políticos acusados de corrupção exercem o mandato integralmente, seus inúmeros processos nunca são julgados.
Nesta campanha de 2014 o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso lançou mão de um aplicativo chamado “Pardal”, na verdade um software que permite o envio de denúncias de infrações eleitorais a uma plataforma eletrônica. A ideia é boa, o cidadão pode fotografar ou gravar em formato de áudio, e enviar pelo smartphone diretamente a quem tem atribuição de punir. Segundo notícias do próprio TRE centenas de denúncias foram registradas durante o processo eleitoral por meio do sistema Pardal, prova de que o cidadão flagrou ilicitudes.
Mas uma pergunta ainda não teve resposta: quantos infratores foram ou serão punidos?
Ora, a eleição de 2014 foi atípica, graças a Copa do Mundo e a um grupo de candidatos ficha-suja que insistiram em desafiar a paciência do eleitor (apresentando candidaturas juridicamente inviáveis). Isso afastou o bom debate eleitoral, e para se ter uma ideia da apatia geral, um contingente de 900 mil eleitores, mais robusto que os 830 mil que depositaram voto no governador eleito, deixaram de comparecer às urnas em Mato Grosso.
Deixar de votar também é uma forma de protesto. Para o cargo de senador a abstenção, somada aos votos brancos e nulos chegou a 46%, o que gera um déficit de representação a rondar os eleitos.
Neste cenário podemos afirmar que o volume de infrações eleitorais foi igual ou superior às eleições anteriores. Só houve menos flagrantes, ainda que o Pardal estivesse ativo. Na eleição de 2010 o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) preventivamente entregou um “mapa” da corrupção que ocorreria na cidade de Campo Verde. O Ministério Público Eleitoral e a Polícia Federal flagraram, investigaram, mas a Justiça Eleitoral não puniu os crimes. Na eleição anterior (2006) o “mapa da compra de voto” era de Santo Antonio do Leverger.
Um dado importante. O candidato eleito não pode ser diplomado se as contas não tiverem sido apreciadas e aprovadas. Graças a um “acordo de cavalheiros” em 2010 houve diplomação sem a votação e aprovação das contas. Ali nasceu o chamado “cheque guarda-chuva” de 1 milhão, 5 milhões de reais. Os emitentes de tais cártulas (para saques em “dinheiro vivo”) seriam depois, no curso do mandato, “abraçados” pela Operação Ararath, entre outras.
Isto quer dizer que o filtro da Justiça Eleitoral falhou em 2010 e isso obrigou a sociedade a conviver com gestores corruptos, que fizeram dos mandatos a extensão de seus negócios, impuseram a toda a sociedade as obras milionárias de “mobilidade urbana” cujos prejuízos serão pagos pelas gerações futuras. Os idealizadores do milionário projeto do VLT (ao custo de 1,5 bilhão), só para citar um exemplo de política pública absolutamente equivocada, não seriam eleitos e empossados se a fiscalização da Justiça Eleitoral fosse efetiva.
Agora em 2014 o cenário não é muito diferente.
Os abusos de poder político, o uso da máquina pública, a contratação irregular de cabos eleitorais, compra de votos, corrupção de lideranças, utilização de “caixa dois”, foram práticas comuns e usadas sem cerimônia por diversos candidatos, eleitos e não eleitos.
O MCCE apresentou ao Ministério Público Eleitoral alguns contratos assinados por candidatos evidenciando despesas “por fora” e inclusive listagem com “lideranças” cooptadas, neologismo para a captação ilícita de sufrágio (compra de voto). Cópias de cheques, indicação de fontes ilícitas de recursos financeiros, benefícios recebidos de fontes vedadas etc. Tudo isso ocorreu nessas eleições.
Resta saber agora se a Justiça Eleitoral vai agir. Há um candidato cuja lista de apontamentos de irregularidades chega a 40 páginas, e ficamos aqui curiosos em saber se o mesmo terá o “benefício” de aprovação das contas de sua campanha. Se passar por este filtro da “Justiça” logo, logo será alcançado pelos noticiários policiais, será mais um “metendo a mão” em recursos públicos. E utilizando o foro privilegiado para não ser preso.
O “passer domesticus” (Pardal) da Justiça Eleitoral vai cair no descrédito?
A sociedade não merece isso.
Antonio Cavalcante e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) em Cuiabá/MT.