Cansada da dupla queda-de-braço travada nos últimos anos – com as grandes redes de varejo, que exigem descontos, e com os atacadistas e distribuidores, que impõem a própria política comercial aos pontos-de-venda – a indústria muda a estratégia e estabelece relação direta com o “varejinho”, jargão usado pelas empresas para classificar bares, padarias, lojas de conveniência, bancas de jornal, mercadinhos, depósitos e farmácias.
Os canais de “pequeno varejo” e “superpequeno” (estabelecimentos com até quatro caixas registradoras) representaram 53% das vendas em 2006. Em 2003 a fatia era de 49%, segundo a Nielsen. O peso dos médios e grandes supermercados e dos hipermercados, por sua vez, caiu de 30% para 26% no mesmo período.
Com isso, grandes fornecedores de diferentes setores, do alimentício ao de materiais de construção, passando pelo farmacêutico, vêm traçando estratégias de venda direta a esses pequenos lojistas. As táticas variam.
A fabricante de massas e biscoitos Adria, do grupo M. Dias Branco, tem motoboys trabalhando como vendedores. A Garoto, empresa da Nestlé que produz chocolates, contrata “brokers”, com suas respectivas equipes de vendas, para entregar os produtos e fazer o merchandising nas lojas.
Há quem tenha funcionários próprios para visitar e fechar vendas ao varejo de pequeno porte, usando os antigos distribuidores como operadores logísticos, como faz o laboratório Boehringer. A Votorantim Cimentos substituiu distribuidores pelo próprio time de vendas e criou centros de distribuição em regiões estratégicas.
“É cada vez maior o interesse da indústria de bens de consumo pela venda direta ao pequeno varejo”, diz o professor Paulo Fleury, diretor do Centro de Estudos em Logística do Instituto Coppead, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com essa iniciativa, explica, o fornecedor elimina intermediários, conquista maior margem de lucro em comparação aos que vendem a grandes redes de varejo e ainda levanta barreiras à expansão dos concorrentes – especialmente quando se trata de marcas menos conhecidas e mais baratas. Isso não significa, é claro, que a indústria esteja assumindo toda a distribuição. “Ela calcula quais pontos vale a pena atingir por conta própria”, diz.
O laboratório Boehringer, por exemplo, tem um mapa bem desenhado. “O Brasil tem 55 mil farmácias, mas nosso foco está em 10 mil delas, que respondem por 75% das vendas”, diz Fernando Martins, diretor de marketing e vendas de produtos sem prescrição médica (os OTC). Entre estas 10 mil, diz, as pequenas redes e as farmácias independentes são a maioria – 7 mil pontos – e representam quase um terço do faturamento da categoria OTC, que deve ser de R$ 187 milhões neste ano. “A estratégia de venda direta gerou crescimento de 15% só nos primeiros seis meses do ano”, diz Martins. Essa modalidade representava 12% do faturamento do laboratório há um ano e hoje responde por 21% ( o restante está nas mãos dos distribuidores). “Nossa meta é que ele atinja 35% até o final do ano”, afirma.
A perda de importância dos distribuidores como canal de vendas foi provocada pela entrada dos genéricos. “Esses fabricantes chegaram oferecendo ao distribuidor um grande desconto sobre os seus produtos, o que levou toda a rede de distribuição a exigir dos laboratórios grandes descontos também”, diz Martins. A cobrança por um preço menor se repetiu na relação das farmácias com os distribuidores. “Uma grande guerra por descontos foi instalada, e a venda – tanto da indústria para o distribuidor, quanto deste para a farmácia – passou a depender de quem apresentava o menor preço.”
A saída encontrada pela Boehringer foi criar equipes próprias de venda. “No pequeno varejo, transformamos parte dos distribuidores em operadores logísticos, que fazem a entrega e recebem comissão de 6% sobre a venda”, diz Martins. Uma vez que o preço dos remédios é tabelado, a Boehringer também instituiu um desconto padrão: 8% para o grupo de 3 mil lojas e 2% para as outras 7 mil lojas de menor porte. Para ambas, oferece apoio para campanhas de merchandising no ponto-de-venda. “No varejinho, o trabalho é mais focado. Nossa equipe ajuda o dono do estabelecimento a fazer as contas e a perceber que, se ele vender um produto com a nossa marca, terá uma margem de ganho maior do que se oferecesse ao consumidor um genérico”, diz Martins.
Fazer a conta de trás para frente, calculando a margem do pequeno varejo sobre o preço de venda do produto, também foi a estratégia usada pela Garoto. “Eu defino com qual preço meu produto chegará ao consumidor final, já compondo a margem do dono do varejinho, que varia entre 20% e 30%, além da minha própria margem”, diz Fausto Costa, diretor geral da Garoto. A empresa já se dedicava a explorar este canal de vendas antes de ser comprada pela Nestlé, em 2002. “De lá para cá nós incrementamos o número de pontos-de-venda da Garoto, de 120 mil para 150 mil”, diz Costa, ressaltando que as 30 mil novas lojas estão quase todas no pequeno varejo.
Para atender estes estabelecimentos, a empresa montou uma rede nacional de “brokers”: intermediários que trabalham como uma extensão da equipe de vendas. “Eles vendem só um display de produtos, e não caixas inteiras, como fazemos para as grandes redes”, afirma o executivo. Na Garoto, o “broker” fica responsável pela distribuição, entrega e merchandising do produto no ponto-de-venda. Segundo Costa, não há uma tabela de preços diferenciada para o pequeno varejo.
Apesar de pertencer ao ramo alimentício, a Adria, fabricante de massas e biscoitos, tem uma estratégia diferente: cobra 20% a mais sobre o produto vendido ao varejo de pequeno porte. Essa margem lhe garante cobrir os custos com a equipe de 60 vendedores-motoqueiros terceirizados. Estes visitam, toda semana, cerca de 15 mil pontos-de-venda. A encomenda chega à lojinha no dia seguinte, por meio da frota própria de veículos da Adria ou de terceiros.
Na Votorantim Cimentos, a única etapa terceirizada no atendimento ao pequeno varejo são os caminhões que entregam os produtos aos depósitos de materiais de construção. “Nós reforçamos a equipe de vendas em 50% desde 2002, e hoje temos 300 funcionários atuando nesse canal”, diz Marcelo Chamma, diretor comercial da empresa. A etapa da entrega do material, procedente de uma das 25 fábricas da empresa no país, é finalizada por meio de centros de distribuição próprios, que atualmente somam 62. Mas este número pode aumentar. “A cada seis meses avaliamos nossa presença em cada uma das regiões, que estão em constante mudança por conta das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal”, afirma.
Desde que a empresa intensificou o canal de venda direta, há cinco anos, o número de clientes no pequeno varejo dobrou: hoje são 24 mil depósitos, além de seis mil construtoras. O tempo médio de atendimento é de quatro horas, mas pode chegar a apenas duas. Segundo Chamma, há sete anos, os distribuidores representavam 40% das vendas; hoje, são responsáveis por 15%. “Os distribuidores não costumam dispensar a mesma energia que uma equipe própria de vendas, que é preparada não só para oferecer todo o nosso portfólio, como esclarecer o pequeno varejista sobre o uso correto dos produtos”, diz Chamma. “Com pessoal próprio, podemos saber exatamente o que os clientes querem”.
Fonte: Valor Econômico / Daniele Madureira