A maioria dos índios brasileiros vive longe das aldeias. Na cidade, eles sofrem com a pobreza e acabam deslocados e sem identidade, com a perda das tradições
Depois de 1516 anos da chegada dos europeus no continente americano, em 12 de outubro de 1492, os povos indígenas ainda sofrem com o descaso. Segundo dados do Banco Mundial, de 2007, 80% dos índios latino-americanos vivem na extrema pobreza. No Brasil, a precariedade nas aldeias empurra os indígenas para áreas urbanas – 441 mil dos 551 mil índios vivem em cidades e apenas 231 mil têm ocupação, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2007.
Para o coordenador do Projeto Índios na Cidade, Marcos Julio Aguiar, faltam políticas públicas para esse grupo. Segundo ele, as dificuldades para obter a identidade indígena, emitida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), agravam o problema, pois, sem ela, os índios não podem se beneficiar dos
serviços públicos destinados a eles, como o atendimento de saúde da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
“Eles (a Funai) diziam que saindo da aldeia a gente não tinha mais direito a nada. Como se tivéssemos deixado nossa identidade para trás”, lembra Rejane Silva, de 35 anos, índia nascida em Tacaratu (PE), onde fica a aldeia dos pankararu, e moradora de São Paulo desde os 14. “Se na aldeia
a gente tinha direitos, por que não temos mais na cidade? A cidade cresce em torno da aldeia. As melhores terras são invadidas. O indígena é obrigado a sair para sobreviver”, diz Rejane, que até o fim do ano fará parte do restrito grupo de índios formados em Direito no País.
Para a Funai, “índios urbanos” são uma questão recente que ainda precisa ser absorvida. “O atual presidente da Funai, Márcio Meira, foi o primeiro a reconhecer publicamente que os índios fora das aldeias não deixam de ser índios. É um grande avanço. Agora, é preciso que eles usem o poder de voto para eleger pessoas que lutem por eles”, declarou a assessoria de imprensa da Fundação.
Entre os mais de 60 mil
pankararus na Grande São Paulo, cerca de 700 moram na precária favela do Real Parque. Devido à
organização da comunidade, estão entre os que conseguem com mais facilidade o acesso à identidade indígena. Dimas Nascimento, presidente da organização não-governamental (ONG) criada ali para defender a etnia, lembra que o preconceito atrapalha para conseguir emprego. “O índio só se apresenta como tal depois dos 3 meses de experiência”, relata.
Nas cidades, além de enfrentar precariedade dos serviços oferecidos à polulação, os índios têm as particularidades de cada cultura ignoradas. “A mulher guarani usa a placenta para um ritual pós-parto. Como os hospitais não têm conhecimento disso, ela prefere ter o bebê em casa, às vezes sem segurança”, conta Aguiar. Ele também aponta problemas na educação. “O que escolas ensinam sobre a cultura indígena? Praticamente nada. Um povo que não tem história não tem como lutar por direitos”, conclui.
F.U/Gisele Brito