sábado, 21/12/2024
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Hábitos e rumores prejudicam sexo seguro na África

Em um bar sem nome onde o chão é de terra batida, durante um almoço de carneiro assado, bananas e cerveja Bell, um grupo de orientadores do problema da aids se reuniu para debater uma questão: Por que é tão difícil praticar o sexo seguro em Bwindi, Uganda?

A crise da aids parece perdida perante um novo índice de contaminação. Para cada 100 africanos que recebem tratamento, 250 outros são contaminados. Mundialmente, 7,4 mil pessoas são contaminadas diariamente.

Nos anos 1980, a Uganda ficou famosa por reduzir seu índice de contaminação de 18% para 6%. Muitos aqui ainda se lembram dos tambores na rádio e os slogans “Pratique o ABC” e “não pule a cerca”. Mas os índices de contaminação voltaram a subir.

O sexo casual está aumentando, mostram as pesquisas. O uso da camisinha, que nunca foi muito alto, despencou. Mesmo entre pessoas que sabem estar contaminadas, apenas 30% usam a camisinha consistentemente.

Os doadores muitas vezes culpam a si mesmos. Por exemplo, o fornecimento anual de camisinhas na África ainda é de apenas quatro por homem adulto. Mas os orientadores daqui – sendo que todos foram contaminados – culpam a si mesmos e a seus vizinhos.

A Pesquisa de Saúde e População de 2006 com 11 mil ugandenses descobriu que 99% sabem o que é a aids, mas apenas um terço “tem conhecimento amplo” da doença – ou seja, poderia responder corretamente se ela se espalha por mosquitos, alimentos ou bruxaria; se pode ser evitada com o uso de camisinhas; e se uma pessoa aparentemente saudável pode ter o vírus.

Muitos africanos, segundo os pesquisadores, têm mais de um relacionamento duradouro, mas com prática sexual inconstante. Alguns são abertos, como na poligamia; muitos são clandestinos, com antigos amantes, chefes ou mesmo um tio abusivo dos quais não é possível se livrar.

Em tais redes, a contaminação se espalha rapidamente. Além disso, os homens aqui, como em muitos lugares, reclamam da camisinha. A chegada de remédios contra a aids fez com que muitos retomassem velhos hábitos. “Quando você está doente, cansado, torna-se impotente”, disse George Bitti, de 58 anos. “Mas quando toma remédios por algum tempo fica forte de novo e controla o seu corpo. E passa a querer sexo de novo.”

Mas, mesmo antes da chegada dos remédios, forças socioculturais já se posicionavam contra o sexo seguro.

A camisinha impede a gravidez e “eu provo minha masculinidade tendo filhos”, disse Bitti, pai de 14 filhos. “É assim que uma menina prova que é mulher. Na África, você não pode pedir que as pessoas não tenham filhos. Elas até diriam, “Prefiro ter aids e deixar filhos quando eu morrer. Pelo menos terei criado uma árvore [genealógica]”.”

Prostitutas também têm pouco incentivo. Elas geralmente recebem US$ 5 por relação sexual, mas de US$ 10 a US$ 20 a mais por sexo sem camisinha. (Prostitutas de outros países africanos reclamam que alguns clientes mordem a camisinha para fazer buracos que permitam o contato entre a pele por acreditar que sexo só existe quando há o toque.)

Os padrões trabalhistas também contribuem. Homens consideram cozinhar e lavar roupa como trabalho feminino, portanto, quando trabalham longe de casa, como muitos fazem, geralmente pagam mulheres locais pelo serviço e dormem com elas.

Além disso, grande parte do sexo aqui praticado é o que os cientistas sociais chamam de “transacional”. Jovens mulheres, com exceção apenas daquelas de famílias muito ricas, vivem sob constante pressão para trocar sexo por mensalidades escolares, notas, alimentos para seus irmãos ou mesmo pela passagem de ônibus.

“Se uma mulher me pede 2 mil xelins para a farmácia, respondo: “Deite-se e me dê sua mercadoria””, disse Topher Kamara, de 46 anos, sobre o valor equivalente a um dólar.

Outros descrevem a história de uma menina que se vendeu para comprar absorventes para que seus colegas de classe não zombassem dela.

O antigo rumor de que transar com uma virgem curava a aids se dissipou (bem como o rumor de que a cura está no sexo com pigmeus). Mas muitos homens ainda pagam adolescentes porque temem “serem contaminados novamente” e “porque as mulheres mais velhas os pressionam para que eles as façam chegar ao orgasmo, enquanto as mais novas os deixam se satisfazer e ir embora”, disse Kamara.

Quase não existe educação sexual no país. Por lei, os conselheiros podem falar sobre a camisinha nas salas de aula, mas não podem mostrá-la. A distribuição também é proibida. Como resultado, os rumores tomam conta. Muitas garotas acreditam que a camisinha pode “se perder” causando infecções.

O mais estranho, segundo Kamara, é a mistura de crença e fatalismo de propostas que ouvem com frequência após suas palestras, quando explicam que são portadores do vírus da aids. “As pessoas dizem: ‘Ah, eu não me preocupo. Transe comigo e todos teremos HIV juntos”.”

Por DONALD G. McNEIL Jr.

U.Seg

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Parmenas Alt
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