O desarranjo macroeconômico que leva a assinatura de Dilma Rousseff (PT) terá de sercorrigido pela própria presidente nos próximos quatro anos. A adoção de políticas heterodoxas em seu primeiro mandato provocou inúmeras distorções, sobretudo no funcionamento do tripé, composto pelo regime de metas de inflação, a política fiscal e pelo câmbio flutuante. O estímulo ao consumo, em detrimento da oferta, compõe o cerne da estratégia da presidente, que parece não se comover com o atual cenário de recessão técnica, com a baixa taxa de investimento, de 16,5 % do Produto Interno Bruto (PIB), ou com o preocupante patamar da dívida bruta, em 61,7% do PIB. Isso para citar apenas alguns exemplos. Para tentar reverter este cenário e orientar Dilma a não cometer os mesmos deslizes de seu primeiro mandato, o site de VEJA conversou com especialistas e preparou um tutorial para ajudar a presidente a fazer a "lição de casa".
A tarefa "número um", segundo os economistas, é resgatar a credibilidade fiscal. "Nada é mais importante do que perseguir um resultado crível e ver o governo, efetivamente, comprometido em cumpri-lo", afirmou Alexandre Espírito Santo, economista da Simplific Pavarini Investimentos. "Dar maior transparência à política fiscal, acabar com a contabilidade criativa e deixar de apelar para receitas extraordinárias devem ser compromissos prioritários", aponta Rafael Bistafa, da Rosenberg Associados. Nesse sentido, 2015 deve ser, sem escapatória, um ano de ajustes. Esse foi o sinal dado pelo ministro da Fazenda demissionário, Guido Mantega, no começo do mês, ao falar em reduzir despesas com seguro-desemprego, abono-salarial, auxílio-doença, pensão por morte e subsídios voltados a crédito. As agências de classificação de risco estão olhando com lupa para a política fiscal, uma das mais criticadas da atual gestão, e o Brasil deve cuidar bem dessa área se quiser manter seu grau de investimento.
Outra lacuna deixada por Dilma no primeiro mandato é a elaboração de um plano estratégico de crescimento de longo prazo. "Após organizar e alinhar as áreas fiscal e monetária, será preciso fazer um projeto de crescimento que se sustente no trinômio: investimento, produtividade e competividade", defende Jorge Arbache, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB). A falta desta estratégia, segundo os especialistas, ajuda a explicar vício do atual governo em apostar em "improvisações" e medidas curto-prazistas, como as várias desonerações tributárias voltadas a setores específicos.
A lista de exigências não para por aí. Domar de vez a inflação, atualmente em 6,59% em 12 meses, liberar o espírito animal dos investidores, avançar em acordos comerciais bilaterais com Europa e Estados Unidos, simplificar o sistema tributária, intervir menos e deixar o câmbio "respirar" foram outros pontos citados.
No entanto, um dos principais entraves para dar cabo a essas mudanças é a própria postura da presidente, que tem enorme dificuldade em reconhecer erros. O mercado de trabalho é uma de suas áreas favoritas. No começo do mês, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, braço-direito da presidente, sinalizou que o ajuste econômico não deve acontecer como o esperado. A jornalistas, ele defendeu cortes de gastos públicos, mas não de forma drástica, e reforçou o foco na manutenção do emprego e da renda da população. Mas a menina dos olhos do governo pode não se sustentar no ano que vem. Um importante sinalizador disso é o fechamento de mais de 30 mil vagas formais de trabalho em outubro, o primeiro resultado negativo para o mês desde o início da série histórica, em 1999, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgado pelo Ministério do Trabalho. Antes que o governo não tenha nem o mercado de trabalho para se orgulhar, seria razoável ler algumas das recomendações de economistas organizadas na lista a seguir.
Mais importante do que estabelecer uma meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) é apresentar, de forma antecipada, crível e transparente, o caminho para cumpri-la. Definitivamente este não é o forte do atual governo, que, ano após ano, lança mão de manobras fiscais para alcançar o resultado. Em 2013, por exemplo, em vez de superávit de 1,59% do PIB, o governo teria registrado déficit de 0,9% do PIB, segundo relatório divulgado na semana passada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O saldo positivo, de mais de 77 bilhões de reais, foi possível, mais uma vez, graças a receitas extraordinárias com programas de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis), outorga de concessões (4G, por exemplo), e dividendos de bancos públicos e empresas estatais. "O problema é a mentalidade do atual do governo, que não enxerga que o gasto tem custo. Parece que é tudo de graça: se há problemas na saúde, ele inaugura mais hospitais; se há críticas na educação, ele aumenta o salário de professores; se há problemas em infraestrutura, ele oferece recursos subsidiados. O governo precisa entender que os recursos vêm de algum lugar e que é preciso direcioná-los de forma mais eficiente", disse Celso Toledo, economista da consultoria LCA. No entanto, não bastasse o latente estado de deterioração, a área fiscal foi objeto de mais uma manobra na semana passada. O governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei para alterar para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e facilitar o cumprimento da meta de superávit primário, atualmente de 1,9% do PIB, ou 99 bilhões de reais, no caso do setor público consolidado. Nada mais justo para quem acumula um déficit de mais de 15 bilhões de reais no acumulado de janeiro a setembro – o primeiro da série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 2002. "Foi um retrocesso, porque cria uma incerteza, abre um precedente para o ano que vem e, com isso, a meta passar a ser enviesada, um número que ninguém mais acredita", disse Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global. A situação fiscal do país tem sido alvo de sucessivas críticas por parte agências de classificação de risco, como Fitch Ratings e Standard & Poor's.
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