O Grupo de Pesquisa em Sexualidade, Educação e Cultura da UNESP Bauru (GEPESEC) vem por meio desta colocar sua posição de repúdio frente à decisão da Seção Judiciária da Justiça Federal do DF, que acatou parcialmente uma liminar de ação popular contra a Resolução nº 001/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Entende-se que a indicação de reinterpretação desta diretriz, relacionada à atuação d@s profissionais psicólog@s sobre orientação sexual, abre portas para a violação dos direitos humanos e para o retrocesso na compreensão das sexualidades não heterossexuais como patologias.
Em primeiro lugar, destaca-se o recuo histórico embutido na discussão suscitada após a decisão judicial. A homossexualidade deixou de ser catalogada como patologia no Código Internacional de Doenças em 1973, e retirada deste campo pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990, após o reconhecimento de estudos científicos na área e de apelos dos profissionais e da sociedade. Esses marcos representam uma concepção de civilização que preza pela diversidade, fundamento do princípio da inclusão, amplamente apoiado pelos países signatários dos Direitos Humanos.
No contexto dessas discussões históricas e científicas sobre a homossexualidade, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) elaborou a Resolução de nº 001, de 1999, normatizando a atuação do profissional relacionada ao assunto. Ela indica que “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”. Sendo assim, ao impedir atuações voltadas à correção ou reorientação sexual, promoveu avanços significativos no reconhecimento das identidades homoafetivas e no combate ao preconceito nos últimos 18 anos. Mais do que isso, a resolução norteia o trabalho de psicólog@s a partir de estudos científicos consolidados e cumpre com os princípios éticos profissionais ao não alimentar a crença de “cura” – o que seria uma fraude e envolveria promessas enganosas.
A decisão liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, mesmo mantendo a integralidade do texto da Resolução nº 001/1999, abre caminho para a interpretação de que psicólog@s possam atuar e intervir para reorientação sexual, retroagindo aos avanços até hoje conquistados no combate a LGBTfobia. Indicar que homossexuais possam ser alvo de intervenções para supostas reorientações sexuais, propicia o entendimento das orientações sexuais não heterossexuais como passíveis de reorganização, ou seja, de que estariam de alguma forma “fora da ordem” e deveriam ser corrigidas.
Nesse sentido, destaca-se que compreender a homossexualidade como curável reforça um padrão heteronormativo que invisibiliza ou discrimina quem por ventura assume-se diferente, além de incitar ódios irracionais, como os que produzem a violência e o assassinato de membros da comunidade LGBT todos os dias. Os dados de marginalização e privação de direitos evidenciam a realidade vivenciada por essas pessoas e reafirmados pelas concepções sociais de homossexualidade enquanto desvio: o Brasil desponta hoje como campeão mundial em crimes cometidos contra a comunidade LGBT, com uma ocorrência a cada 25 horas.
Relacionando a decisão judicial ao contexto social no qual ela se insere, observa-se que alguns setores da sociedade civil, historicamente homofóbicos, procuram disseminar ideias relativas à “cura” por meio da reorientação sexual, na intenção de satisfazer modelos de vínculos amorosos considerados “normais”. Infelizmente, há também psicólog@s que permitem que suas crenças religiosas e pessoais se sobreponham ao saber científico, contribuindo para as desigualdades de direitos e o constrangimento dos progressos sociais. É de suma importância, portanto, que seja reafirmada a necessidade de cisão entre os interesses, crenças e necessidades individuais dos profissionais e as decisões que influenciam na qualidade de vida, saúde e bem-estar da população.
Os sofrimentos relativos à orientação sexual guardam raízes na sociedade culturalmente patriarcal e homofóbica em que estamos inseridos. Nessa conjuntura, é papel d@s psicólog@s compreender e acompanhar sujeitos em seus processos de aceitação e desenvolvimento de reflexões, habilidades e repertórios de combate ao preconceito social. Desta forma, evidencia-se a defesa da Resolução nº 001/1999 e de sua interpretação coerente, avultando o trecho referente à função do profissional: “Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações”.
Por fim, itera-se que a homossexualidade em si não causa sofrimento, mas o preconceito sim, na medida em que ainda há pessoas e instituições pregando correção ou cura daquilo que sabemos não se tratar de uma doença. O Grupo de Estudos e Pesquisa em Sexualidade, Educação e Cultura (GEPESEC), com seus membros estudantes, docentes e pesquisadores, vêm a público divulgar repúdio a essa decisão, entendendo ser um equívoco e um retrocesso a toda luta diária empreendida em favor do respeito e equidade de direitos em uma sociedade inclusiva.
Bauru, 24 de setembro de 2017
Grupo de Estudos e Pesquisa em Sexualidade, Educação e Cultura – GEPESEC