Reforma dos impostos sobre consumo determinava que proposta sobre IR fosse apresentava em março
Tal reforma foi aprovada no final do ano passado, mas ainda depende de regulamentações em discussão no Congresso. Com essas pendências em aberto e sem clima político para análise de uma nova reforma, a discussão sobre o imposto de renda acabou engavetada.
A reforma do imposto de renda é considerada essencial por tributaristas e movimentos populares para reduzir a desigualdade tributária no país, finalmente taxando mais quem ganha mais e cobrando menos dos mais pobres. Para ela, porém, será preciso esperar.
“Não há data definida para a divulgação [da proposta] e para o envio ao Congresso Nacional”, declarou a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, ao ser questionada pelo Brasil de Fato sobre o assunto. “A proposta de reforma de tributação da renda segue sendo elaborada pelo Ministério da Fazenda.”
Atrasos
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), havia dito em janeiro de 2023 – nos primeiros dias do novo governo Lula – que esperava que a reforma dos impostos sobre o consumo fosse aprovada no primeiro semestre daquele ano. Isso abriria espaço para a aprovação da reforma sobre a renda no segundo semestre.
Isso não aconteceu. O texto principal da primeira reforma tramitou até dezembro. Já sua regulamentação segue em aberto. Está longe, portanto, de um ser um assunto encerrado.
Haddad já disse também que é preciso respeitar o tempo do Congresso e não “despejar” projeto atrás de projeto sobre ele. Isso indica que o governo pretende concluir a reforma sobre consumo primeiro para depois propor uma reforma sobre a renda.
O próprio ministério, entretanto, admite que sequer tem uma proposta fechada sobre o assunto. Especialistas que acompanham a discussão do tema dizem que o governo, na verdade, tende a fatiar a reforma em projetos pontuais já considerando que não teria tempo nem capital político para aprovar uma mudança mais abrangente até 2026.
“O governo tem avaliado que, se encaminhar [a reforma], vai ser derrotado. Por isso, tem resistido”, disse Marcelo Lettieri, auditor da Receita Federal e diretor do Instituto Justiça Fiscal (IJF) ao BdF. “Ele já fez alguns testes, encaminhando mudanças na taxação das offshores e dos fundos exclusivos. As forças contrárias começaram a dizer que a carga tributária está muito elevada e deve haver corte de gastos. Acho que dificilmente o governo vai encaminhar algo em ano eleições municipais.”
Estratégia
Lettiere, aliás, disse que o governo errou em priorizar a aprovação da reforma sobre o consumo. Tal proposta não mexeu na carga tributária. Foi idealizada justamente para ter um efeito neutro. Não ataca, portanto, os principais problemas do sistema tributário nacional como a reforma do imposto de renda pode fazer.
O próprio governo sabe disso. Grazielle David, pesquisadora e apresentadora do podcast É da Sua Conta, da Tax Justice Network, disse que movimentos populares o alertaram sobre essa questão. Chegaram a um acordo de apoiar a reforma sobre o consumo para que logo na sequência fosse apresentada a reforma da renda.
“Tanto é que no próprio texto da Emenda Constitucional 132, que foi essa da reforma tributária sobre o consumo, tem uma previsão de apresentação num prazo de 90 dias de uma proposta de reforma do imposto de renda”, acrescentou ela. “Esse prazo já venceu há três meses e o governo ainda não fez essa apresentação completa.”
Para Grazielle, a gestão precisa se posicionar. “O governo tem que honrar esse compromisso assumido e isso tem que ser feito o mais breve possível, nem que seja com a programação de quais medidas serão realizadas, em qual prazo”, cobrou.
Importância
Dão Real Pereira dos Santos, auditor, membro do coletivo Auditores Fiscais pela Democracia e presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF), avalia que a reforma do imposto de renda pode contribuir para a solução de muitas questões no Brasil.
Além de reduzir a desigualdade, pode estimular a economia nacional, reduzindo o peso dos impostos sobre a população mais pobre, que é a que mais consome proporcionalmente. O crescimento da economia automaticamente aumentaria a arrecadação do governo, reduzindo a crescente pressão por corte de gastos.
“As pessoas hoje gastam menos porque pagam mais impostos, porque tem menos dinheiro”, explicou. “Ao não fazer a reforma, estamos deprimindo a atividade econômica.”
Por fim, dos Santos ainda ressaltou que a reforma também pode gerar mais arrecadação porque pode instituir a cobrança de impostos sobre itens que hoje não são tributados. Lucros de empresas distribuídos por meio de dividendos, por exemplo, que hoje são isentos, devem passar a ser rendimentos tributáveis com a nova reforma.
O auditor ressaltou que uma mudança como essa desagrada os ricos do país. Por isso, a pressão popular será decisiva para que a reforma realmente saia do papel. “Sem mobilização da sociedade, dificilmente um projeto de tributação das rendas dos mais ricos vai prosperar”, disse.
Edição: Nicolau Soares-BrasildeFato