Esses devem ser os pontos centrais na formação eclesial, em sua relação com a ecologia Integral
Por: Juacy da Silva*
No dia 24 de Maio de 2025, portanto, daqui a seis meses, contando a partir do início de nosso III Encontro da Articulação das Pastorais da Ecologia Integral, que será realizado, no formato virtual/online entre 25 de Novembro e 01 de Dezembro próximos (2024), estaremos “comemorando” ou “celebrando” uma década da publicação, pelo Papa Francisco, da Encíclica Laudato Si e também pouco mais de um ano da publicação da Exortação Apostólica Laudate Deum, endereçada principalmente, mas não exclusivamente, aos participantes da COP28, em 04 de Outubro de 2023. Esta Exortação também é direcionada aos cristãos católicos e evangélicos, os quais tem uma responsabilidade maior no cuidado com as Obras da Criação.
Neste “meio tempo“, também aconteceu o Sínodo dos Bispos da Pan Amazônia, um processo de reflexão de forma Sinodal, tendo como tema central “Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”, tendo em vista a realidade amazônica e a necessidade de a Igreja estar mais presente como instrumento de defesa e um melhor cuidado deste imenso e importante bioma que abrange nove países, sendo que em torno de 60% da mesma faz parte do Brasil, dai a importância deste Sínodo para a Igreja Católica no Brasil.
Isto aconteceu em 15 de outubro de 2017, quando o Papa Francisco convocou a Assembleia Sinodal para a Pan-amazônia indicando como finalidade principal “encontrar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, sobretudo dos indígenas, muitas vezes esquecidos e sem a perspectiva de um futuro sereno, também por causa da crise da floresta Amazônica, pulmão de importância fundamental para o nosso planeta”.
O Sínodo foi realizado através de reuniões e reflexões locais, regionais, nacionais e, finalmente, em caráter de Pan Amazônia, esta última parte que teve lugar em Roma. Conforme notícia divulgada pela Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos anunciada em 25 de fevereiro de 2019, o Papa Francisco convocou a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos da Amazônia que será realizada em Roma entre os dias 6 a 27 de outubro de 2019.
Dois importantes documentos surgiram como fruto daquele Sínodo, que, a meu ver deveriam ter dado “um grande empurrão”, no caminhar da Igreja em relação `a Ecologia Integral em geral, mas também e, principalmente, sua atuação nesta parte do território brasileiro que é a Amazônia Legal, o que ainda está um tanto de acontecer e produzir resultados mais efetivos.
O primeiro, considerado o documento final do Sínodo AMAZÔNIA:NOVOS CAMINHOS PARA A IGREJA E PARA UMA ECOLOGIA INTEGRAL, aprovado pelos Bispos que participaram do Sinodo e publicado pelo Vaticano em 26 de Outubro de 20219. O Segundo, foi a Exortação Apostólica Pós–Sinodal, intitulada Querida Amazônia, pelo Papa Francisco em 02 de Fevereiro de 2020.
Apesar do esforço, até mesmo uma certa insistência do Papa Francisco quanto a importância de melhor cuidarmos da Casa Comum, defendermos uma Ecologia Integral e considerar que a Encíclica Laudato Si passa a incorporar a Doutrina Social da Igreja, parece que as palavras e as exortações apostólicas do mesmo não tem chegado a todas as Igrejas Locais.
Mesmo que a CNBB, ao longo das últimas duas ou três décadas tenha selecionado determinados aspectos do meio ambiente como Temas da Campanha da Fraternidade, como Água, terra, povos tradicionais, saneamento básico, qualidade e defesa da vida e, inclusive uma sobre a Amazônia e outra sobre os Biomas Brasileiros, parece que tudo acaba quando da coleta especial no final das citadas Campanhas da Fraternidade, não produzem formas de atuação permanente em relação a ecologia integral, com raras exceções.
Diante da importância e da gravidade do aceleramento do processo de degradação ambiental, a Campanha da Fraternidade em 2025 terá como Tema central Fraternidade e Ecologia Integral, o que deverá ser um grande momento para aprofundarmos as reflexões em torno deste tema e realidade.
Imaginamos, para que a próxima Campanha da Fraternidade não acabe como as demais e possa produzir alguns frutos concretos, duradouros e até permanentes que sejam lançadas as sementes para a estruturação de Pastorais da Ecologia Integral no Brasil inteiro, principalmente nas Regiões Centro Oeste e da Amazônia legal, Regiões onde estão os três biomas que tem sofrido maiores danos ultimamente: Amazônia, Cerrado e Pantanal, onde essas pastorais praticamente não existem ou quando existem são apenas exceções diante do número de Arquidioceses, Dioceses, Paróquias e Comunidades nessas regiões.
Sabemos que a Pastoral da Ecologia Integral não é “mais uma pastoral“, como alguns falam ou imaginam, quando esta pastoral, na verdade é de conjunto, integradora e não pode ser mais “um peso” para as estruturas da Igreja, quando na verdade ;podem e devem ser instrumentos para que a Igreja atue de forma continuada e permanente na dimensão sociotransformadora, principalmente diante do agravamento da crise climática.
Em minha opinião, como cristãos e católicos, estamos fazendo muito pouco em relação a velocidade e gravidade da crise climática e demais dimensões da degradação e destruição dos biomas e ecossistemas.
Coube ao Papa Francisco quando da elaboração e publicação da Exortação Laudate Deum, em 04 de Outubro de 2023, escrever textualmente que; “Já se passaram oito anos desde a publicação da Carta Encíclica Laudato Si, quando quis partilhar com todos vós, irmãs e irmãos do nosso maltratado planeta, a minha profunda preocupação pelo cuidado com a nossa Casa Comum. Com o passar do tempo, entretanto, dou-me conta de que não estamos reagindo de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe está desmoronando e, talvez, se aproximando de um ponto de ruptura“.
Com certeza se esta situação tem sido confirmada dia após dia por diversos estudos científicos e exortações de milhares ou dezenas de milhares de cientistas quanto ao agravamento da crise climática, que a cada ano será mais séria e produzirá impactos mais drásticos, impondo sofrimento, perdas materiais e perdas humanos, diante da insensibilidade, omissão (que para a Igreja é considerado um PECADO, e no caso da omissão diante da destruição da Casa Comum, UM PECADO ECOLÓGICO) e até mesmo conivência por parte de governantes, do mundo empresarial, com raras exceções, das lideranças da sociedade civil organizada ou desorganizada e, creio eu também, em boa parte pelos cristãos, tanto católicos quanto evangélicos e adeptos de outras religiões também.
Como Igreja ou Igrejas, enfim, como cristãs e cristãos precisamos reconhecer a dimensão da ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICA, e também a dimensão escatológica da Criação, no contexto do Evangelho da Criação, e também que além desse reconhecimento, precisamos, como cidadãs e cidadãos exercermos nossa cidadania e enfrentarmos os desafios ecológicos, seja através de ações sociotransformadoras, quanto da mobilização profética, únicas formas de rompermos com as causas que nos tem conduzido a esta grave crise climática.
Para tanto, é fundamental a CONVERSÃO ECOLÓGICA, que abre caminho para a mudança de hábitos e estilos de vida consumista, de desperdício, de destruição de “recursos” naturais finitos e não renováveis, transformando os atuais paradigmas de uma ECONOMIA DA MORTE, para novos paradigmas que nos conduzam para uma ECONOMIA DA VIDA, como tanto tem enfatizado o Papa Francisco quanto propõe, na Economia de Francisco e Clara, o rompimento com esses paradigmas embasados na busca irracional do lucro, na destruição da biodiversidade, no aumento da produção de lixo, poluição das águas, dos solos e do ar, gerando cada vez mais aquecimento global, via maiores quantidades de gases de efeito estufa que são lançados na atmosfera.
Este é também um processo educacional, na verdade revolucionário, única forma de mudarmos hábitos, estilos de vida e paradigmas que não respeitam o direito e os limites da natureza, nem os consumidores e nem os trabalhadores e trabalhadoras.
Esta preocupação e, ao mesmo tempo, a indicação de novos rumos que o Papa Francisco nos exorta ao mencionar na Laudato Si, no Item 2 – Educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente, parágrafos 209 até o 215, quando enfatiza a importância de um Pacto Global pela Educação e neste contexto enfatiza o papel da Educação Ambiental, que deve, creio eu, fazer parte das ações de todas as pastorais e também na formação eclesial em geral (sacerdotes em seminários diocesanos e de ordens religiosas); bem como das ordens religiosas feminais, das escolas católicas em todos os níveis e, claro, também de leigas e leigas que atuam em pastorais, movimentos e organismos da Igreja).
Vale a pena transcrever, nesta oportunidade, o parágrafo 210 da Encíclica Laudato Si, sobre a Educação Ambiental, que costumo denominar de Educação Ecológica Libertadora.
Vejamos, “A Educação Ambiental tem ampliado os seus objetivos. Se, no começo estava muito centrada na informação científica, na conscientização e na prevenção dos riscos ambientais , agora tende a incluir uma crítica dos mitos da modernidade, baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e tende, também, a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos e o Espiritual, com Deus. A Educação Ambiental deveria predispor-nos a dar este salto para o Mistério, do qual, uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo. Além disso, há educadores capazes de reordenar os itinerários pedagógicos de uma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na solidariedade , na responsabilidade e no cuidado (com a Casa Comum) apoiado na compaixão“.
Uma educação ecológica libertadora deve ter em mente que “o grito da terra é também o grito. o clamor dos pobres” e que “não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas sim, uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza” in Laudato Si, 139.
É neste contexto, tendo em vista essas premissas que devemos analisar como está ocorrendo a formação eclesial e de que forma esta formação tem contribuído ou pode contribuir mais ainda para um compromisso maior e mais concreto em relação ao cuidado com a Casa Comum.
Se como cristãos católicos acreditamos que a Igreja deve ser Sinodal (longe do clericalismo que, conforme o Papa Francisco, “O clericalismo, que não é só dos clérigos, é um comportamento que diz respeito a todos nós: o clericalismo é uma perversão da Igreja”), Samaritana (que faz opção preferencial pelos pobres e caminha ao lado deles) e também profética, fica claro que precisamos abraçar as causas socioambientais e lutarmos por um melhor cuidado com a Casa Comum.
Esses devem ser os pontos centrais na formação eclesial, em sua relação com a ecologia Integral.
*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia e ambientalista.