Segundo os especialistas o FGTS poderá ser partilhado quando for resgatado próximo ao divórcio de casamentos em regime de comunhão de bens (parcial ou universal).
No caso mais recente, julgado em junho passado, a quarta turma do STJ decidiu que os valores da adesão ao Plano de Demissão Voluntária (PDV) e do FGTS recebidos por uma mulher deveriam ser partilhados com seu ex-marido. Os ministros consideraram os valores uma “indenização trabalhista” e, como a verba foi adquirida durante um casamento em regime de comunhão universal de bens, a partilha deveria ser realizada.
O caso teve a relatoria do ministro Aldir Passarinho, do STJ. A reportagem procurou conversar com o magistrado, mas foi informada que ele não concede entrevistas para a imprensa.
Patrimônio conjunto
“Podemos sim ter essa decisão como uma jurisprudência [quando diversas decisões servem como orientações para os tribunais]. É um precedente de partilha, que deve ser aplicado a casos similares. Não significa que todos os casos em que houver separação acontecerá a partilha obrigatória do FGTS”, explica Franco Brugioni, advogado especialista em direito da família, do escritório Moreau Advogados.
Brugioni destaca o fato da adesão ao PDV e do resgate do FGTS ter acontecido um mês antes do divórcio do casal, concretizado em novembro de 1996, segundo informações do STJ. “Se o dinheiro tivesse sido resgatado há mais tempo, eles teriam usufruído em conjunto. A verba se transformaria em um patrimônio do casal”, ressalta. Neste caso, então, o valor não entraria na partilha.
Partilha
O professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Álvaro Villaça Azevedo concorda que a decisão gera jurisprudência, porque, segundo ele, o tribunal decidiu pela divisão do FGTS com base em decisões anteriores.
Mas o professor discorda do entendimento do STJ. “O FGTS não é indenização trabalhista, é uma verba equivalente a uma previdência privada, e por isso é individualíssima”, argumenta.
Segundo Azevedo, valores que dizem respeito à previdência são pessoais, e por isso não se comunicam entre o casal, ou seja, não formam um patrimônio conjunto, que deve ser dividido na separação. “O STJ interpretou de maneira diferente e entendeu o FGTS como uma indenização trabalhista. Essas, sim, fazem parte da partilha de bens”, explica.
Vitória
Karine Gausmann, advogada do ex-marido que venceu a causa no STJ (os nomes do casal permanecem em sigilo, pois o caso está sob segredo de Justiça), afirma que seu cliente tinha como patrimônio apenas um imóvel construído por ele. “O juiz excluiu as verbas recebidas pela mulher e manteve a partilha da casa. Se o fruto do trabalho dele, que era a propriedade, estava sendo partilhado, por que o fruto do trabalho dela não poderia ser dividido?”, questiona Karine. A argumentação foi aceita pelo tribunal.
O advogado da outra parte, Clodomiro Silveira, prefere não se manifestar sobre a sentença, pois afirma que desconhece o “teor do voto” dos ministros do STJ. “Posso adiantar que vou entrar com recurso, mas estou esperando a publicação do acórdão”, diz.
Anteriormente, Karine tinha perdido a causa tanto na Comarca, vara de primeira instância, e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os juízes afastaram da partilha os valores relativos ao FGTS e ao PDV, por considerar que as verbas do trabalho de cada cônjuge são separadas. “O entendimento do STF foi que os valores eram ‘fruto’ e não ‘verba’ do trabalho. O salário, por exemplo, é uma verba que não pode ser partilhada”, afirma Brugioni.
Karine explica que o caso irá voltar para a Comarca de sua região, no interior do Rio Grande do Sul, para que seja cumprida a sentença. Como faz 13 anos que o caso tramita na Justiça, os valores precisam ser recalculados e atualizados, segundo a advogada.
União estável
Em dezembro de 2006, outra decisão do STJ causou polêmica. A terceira turma do tribunal entendeu que o dinheiro do FGTS, resgatado por um homem no momento de sua aposentadoria e depositado em uma poupança, deveria ser dividido com a ex-mulher. Os dois mantiveram uma união estável (casamento não-oficial) por oito anos, que segundo o Código Civil brasileiro, segue as diretrizes da comunhão parcial de bens.
Neste caso, o resgate do FGTS ocorreu cinco anos antes do divórcio, porém, por estar depositado em uma conta poupança, o STJ entendeu que deveria ser considerado como patrimônio do casal. Na sentença relatada pela ministra Nancy Andrighi há uma ressalva quanto ao período em que o casal teria usufruído em conjunto da verba: “Se esta [união estável] se iniciou em 1993, e o saque ocorreu em 1996, há um pequeno período de três anos de convivência comum a ser considerado para eventual partilha”.
Segundo mostra o documento, o tribunal entende que as verbas trabalhistas devem ser partilhadas entre o casal, desde que “nascidas e pleiteadas” durante o casamento em regime de comunhão de bens.
Na Poupança
“O dinheiro estava aplicado em poupança, por isso era patrimônio do casal”, analisa Brugioni. De acordo com o advogado, a sentença relatada pela ministra Nancy abre precedente também para casos de união estável. “Mas é preciso analisar caso a caso, para ver se há semelhanças com essas decisões e se a pessoa tem realmente direito de receber parte deste valor. Não significa que todo mundo que se separar tem direito a receber o FGTS resgatado pelo cônjuge”, assevera.
Azevedo, da USP, acredita que o fato de, neste caso, haver a união estável e não o casamento formal não faz diferença na hora da divisão do valor. “A união estável é a mesma coisa que o casamento com união parcial de bens”, argumenta.
Segundo a assessoria de imprensa do STJ, as decisões abrem “um precedente importante”, principalmente pelo fato de terem sido unânimes e ocorrido nas duas turmas que julgam casos de direito de família – a terceira e a quarta.
No entanto, a questão ainda não foi sumulada (oficializada em um documento), e não obriga juízes de instâncias menores a seguirem o padrão adotado pelo STJ. Isso apenas indica uma tendência de que o STJ julgue esse tipo de caso da mesma forma. “Existe uma tendência de que as decisões aconteçam neste sentido, mas ainda pode haver julgamentos em contrário”, acredita Azevedo.
UltSeg