Com a reeleição praticamente garantida, o presidente da Bolívia, Evo Morales, vê nas cadeiras do Congresso o maior prêmio em disputa nas eleições deste domingo. Uma maioria no Senado, atualmente controlado pela oposição, derruba o bloqueio dos autonomistas contra as políticas nacionalistas e controversos temas indígenas que ficaram de fora neste primeiro ano da nova Constituição.
Neste domingo, os bolivianos poderão escolher, além do presidente e vice-presidente, 130 deputados e 36 senadores para a Assembleia Plurinacional Legislativa, que irá substituir o Congresso. As pesquisas de intenção de voto mostram o governista MAS (Movimento ao Socialismo) com maioria simples no Senado –o que, com alianças, garantiria os dois terços necessários para evitar qualquer bloqueio.
Se ele conseguir a maioria qualificada, e provavelmente conseguirá, terá luz verde para fazer as reformas políticas que não conseguiu no seu primeiro mandato”, afirma o boliviano Aldo Duran Gil, autor de teses sobre a política boliviana e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Capitalismo na América Latina da Universidade Federal de Uberlândia.
No primeiro mandato, Morales enfrentou uma oposição dura –liderada pelo rico Departamento (Estado) de Santa Cruz– que fazia campanha pela autonomia departamental e que aproveitou a maioria no Senado para arrastar a votação da nova Constituição e obrigar Morales a ceder em vários pontos e deixar outros em aberto –como acordos bilaterais e temas de autonomia de povoados indígenas.
Com a conquista da autonomia nos principais Departamentos (Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija), a oposição não encontrou outro tema de agenda nacional e apresentou-se às eleições com sete candidatos, nenhuma figura forte e visivelmente esvaziada.
Neoliberal
A última pesquisa antes da votação mostra o presidente Morales com 52,6% das intenções de voto, uma vantagem de mais de 30 pontos percentuais sobre o opositor Manfred Reyes Villa, que aparece com 21,1%. Caso esses números se confirmem, não haverá segundo turno.
Reyes Villa era governador de Cochabamba até ser revogado no referendo de 2008. Ele focou sua campanha no combate ao que rotula de “totalitarismo” de Morales e a defesa das “vítimas da desmantelamento do Estado de direito” um discurso neoliberal que enfrenta rejeição entre os eleitores.
“Este discurso ligado ao neoliberalismo enfrenta grande rejeição na Bolívia por razões históricas. A população rejeita este discurso de privatização e abertura da economia que levou a altos índices de pobreza e desemprego em governos anteriores”, afirma Clayton Mendonça Cunha Filho, pesquisador do Observatório Político sul-Americano.
O desgaste da oposição é resultado ainda da imagem negativa após campanha violenta em 2008, que culminou no dia 11 de setembro em um confronto armado entre autonomistas e governistas em Pando e a morte de 11 pessoas, a maioria camponeses pró-Morales. O então governador do Departamento, o opositor Leopoldo Fernández, foi preso como líder do massacre e hoje faz campanha de dentro da prisão, como companheiro de chapa de Reyes Villa.
Diante da derrota iminente, a meta dos opositores é tentar barrar o avanço governista em seus redutos –na chamada meia-lua, no leste do país– e se fortalecer para as eleições de governadores marcadas para abril próximo.
Populismo
O amplo favoritismo do presidente, contudo, não se explica somente pela fraca oposição. Político habilidoso, Morales fez uma campanha extremamente populista de defesa das nacionalizações, geração de emprego e renda.
“O discurso anti-imperialista atrai as massas na Bolívia, um país que passou anos sendo explorado por seus recursos naturais. Morales soube aproveitar isso e investiu em uma campanha de promessas desenvolvimentistas […] com programas como o Bolsa Família brasileiro, focados em idosos, crianças e grávidas”, afirma Gil.
A popularidade do presidente é resultado também do estratégico uso da proximidade de Morales com a população indígena –um setor amplamente excluído da política, mas que representa boa parte dos eleitores bolivianos. Estimativas indicam que até 60% da população boliviana é indígena contra apenas 15% da população branca, embora estimativas em um país mestiço sejam complicadas.
Morales, contudo, não é o primeiro político boliviano a jogar com a carta étnica. “Desde os anos 30 temos políticos que começaram a “se disfarçar” de índios, vestindo-se de ponchos em seus comícios. […] Na década de 70, chegou a era dos políticos que rejeitavam estes disfarces e se apresentavam como “índios de nascimento”, afirma Verushka Alvizuri, historiadora de etnicidade da Associação de Estudos Bolivianos, com sede nos Estados Unidos.
“Em um país como a Bolívia, com um histórico de exploração, é importante o fato de um candidato indígena vencer as eleições. Mas a grande questão agora é saber se Morales conseguirá implementar esta nova Constituição e usar suas promessas reformistas para transformar a Bolívia de um país pobre que vive apenas da extração de recursos naturais para um país industrializado”, questiona Gil.
No último governo, a Bolívia passou a depender ainda mais da exportação de commodities e cerca de 80% da economia depende da exportação de gás e minérios. A promessa da chapa governista é de industrialização intensiva.
F.Online