Pelo menos 80 famílias carentes dependem da intervenção do Comitê de Acompanhamento de Conflitos Fundiários do Governo de Mato Grosso para evitar o despejo de uma área de dois hectares, conhecida como “Vila Esperança”, no bairro Ribeirão do Lipa, região oeste de Cuiabá.
O primeiro secretário da União Cuiabana das Associações de Moradores de Bairro (UCAMB), Jonail da Costa Silva, e o presidente da Federação Mato-grossense das Associações de Moradores de Bairro (FEMAB), Walter Arruda, apresentaram ao secretário-chefe da Casa Militar, coronel PM Orestes Oliveira, um pedido para que o caso seja analisado e acompanhado pelo Comitê Fundiário.
Acompanhados pela Comissão de Assentamento de Moradores, eles apresentaram a real
situação das famílias. O problema está no fato de que, por determinação judicial, todos estão obrigados a desocupar a área até o próximo dia 14 de julho, podendo, inclusive, haver despejo com uso da força policial, caso a determinação não seja cumprida espontaneamente. A decisão foi proferida pela juíza da 5ª Vara Cível de Cuiabá, Edleuza Zorgetti Monteiro da Silva.
“Todos os moradores já foram notificados e estamos desesperados”, disse a moradora Régia Aparecida da Conceição, da Comissão de Assentamento. Na área há um ano e meio, Regis tem um filho e está grávida de oito meses. “Com muito suor e trabalhando de sol a sol, como servente, meu marido está quase terminando a nossa casa. Não é justo perder tudo agora. Precisamos de uma casa, de um lar para criar nossos filhos”, argumenta ela.
Régis é apenas a ponta desse iceberg, já que praticamente todas as famílias que ocupam a área recebem, em média, menos de um salário mínimo. Jonail Costa, que já foi presidente da Associação de Moradores do Ribeirão do Lipa e do Conseg da região, convive com essa realidade no dia-a-dia e afirma que as famílias precisam ser ouvidas. “O que essas pessoas querem é uma chance de que alguém olhe por elas”, declarou, lembrando que a decisão judicial pela reintegração de posse da terra foi deliberada sem qualquer audiência com os moradores ou mesmo parecer do Ministério Público do Estado (MPE).
De acordo as lideranças, que engajaram na luta a favor das famílias, a Fundação Padre Cícero, que se diz proprietária da área, obteve ganho de causa por pelo menos três inverdades gritantes.
“O médico Dagmar Martins Medeiros, presidente da Fundação, alega que estão na área apenas cinco famílias, quando, na verdade, são no mínimo 80. Ele afirma também que, no local, estaria funcionando a Fundação Hospital Padre Cícero, quando, verdadeiramente, a obra física sequer foi concluída e, hoje, está tomada pelo mato e não possui nem mesmo cobertura, e alega ainda existir gabinetes médicos e odontológicos atendendo à comunidade, quando, comprovadamente, nunca atendeu sequer um paciente”.
Em 2007, a Fundação Padre Cícero, suposta proprietária da área, perdeu uma ação de reintegração impetrada na Justiça. Quase um ano depois, o presidente Dagmar Martins Medeiros, entrou com uma nova “ação reivindicatória”, que foi acatada pela juíza, sem ouvir os moradores ou colher provas, já que as famílias e líderes denunciam que a Fundação só existe de direito, mas não de fato.
“No interior da casa, onde deveriam funcionar os ambulatórios médico e odontológico, já cresceu até uma árvore de uns sete metros. Não tem reboque, janelas ou portas. Como alguém pode alegar que pessoas já foram até operadas ali?”, questiona o presidente da FEMAB, Walter Arruda.
O chefe da Casa Militar, coronel Oliveira, disse que, até o momento, o Comitê de Assuntos Fundiários não foi informado oficialmente sobre a ação de despejo da área, mas que vai antecipar alguns levantamentos no âmbito social. “Assim que o Comitê for oficializado da decisão, nós vamos deliberar os procedimentos necessários e vamos atuar para que as soluções sejam adequadas tanto ao interesse do proprietário, quanto das famílias de forma pacífica”.
Os moradores também já tentaram entrar com pedido de efeito suspensivo da decisão da 5ª Vara Cível, no Tribunal de Justiça do Estado, mas, para isso, têm que pagar R$ 300. “As famílias estão fazendo vaquinha para juntar esse valor, mas estão correndo contra o tempo, já que o prazo para a desocupação é até 14 de julho”, declarou Jonail.
O coordenador do Assentamento de Moradores, Vicente Francisco de Figueiredo Filho, explicou ainda que “antes da ocupação, a área estava abandonada, sendo utilizada para uso de drogas e depósito de lixo e de objetos roubados”. As denúncias dos moradores contra a Fundação vão ainda mais longe.
De acordo com eles, a Fundação Padre Cícero recebeu centenas de cestas básicas oriundas do Programa Natal das Crianças, da Setecs. Os nomes dos moradores do Ribeirão do Lipa, que teriam sido beneficiados, são reais, porém todos desmentem o recebimento de qualquer beneficio.
Para as advogadas Cleuzeni Muniz e Beatriz Pinto Viana, responsáveis pela defesa dos ocupantes da área, a juíza Edleuza Monteiro da Silva deveria, ao menos, ouvir, em depoimento, os moradores e a Prefeitura de Cuiabá, além da manifestação do Ministério Público.
Ronaldo Pacheco