domingo, 24/11/2024
InícioPolíciaFacções comandam o maior presídio do país. E com aval da Justiça

Facções comandam o maior presídio do país. E com aval da Justiça

Na maior penitenci&aacuteria do pa&iacutes, a superlota&ccedil&atildeo &eacute o menor dos problemas. Encravado no cora&ccedil&atildeo da capital ga&uacutecha, a oito quil&ocircmetros da sede do governo estadual, o Pres&iacutedio Central de Porto Alegre, recentemente rebatizado de Cadeia P&uacuteblica, abriga mais de 4.600 detentos em um espa&ccedilo onde n&atildeo deveria haver mais de 1.900. As celas ficam permanentemente abertas. N&atildeo h&aacute chaves. Nem grades. Os presos circulam livremente pela galerias e, noite e dia, ditam as regras. O descontrole das autoridades &eacute tamanho que o pr&oacuteprio juiz encarregado de fiscalizar o pres&iacutedio, Sidiney Jos&eacute Brzuska, admite: quem manda por l&aacute s&atildeo as fac&ccedil&otildees criminosas.

&nbsp
&nbsp

At&eacute mesmo itens b&aacutesicos, como produtos de limpeza e as roupas usadas pelos detentos, s&atildeo fornecidos pelos criminosos que comandam as tr&ecircs maiores fac&ccedil&otildees em atua&ccedil&atildeo no estado. Diz o magistrado: O Estado &eacute dependente das fac&ccedil&otildees, s&atildeo elas que asseguram a integridade da pessoa presa. Dentro de uma galeria tem 500 presos e nenhum policial, e quem garante que voc&ecirc n&atildeo vai morrer ali dentro &eacute quem controla o lugar. Portanto, a vida est&aacute na m&atildeo da fac&ccedil&atildeo, n&atildeo do Estado. Se o Estado quer reassumir o controle do pres&iacutedio, a primeira coisa &eacute garantir a integridade f&iacutesica do preso.

O juiz afirma que atualmente o governo estadual, respons&aacutevel pela unidade, fornece apenas energia el&eacutetrica, &aacutegua e alimenta&ccedil&atildeo b&aacutesica para os presos. Todo o resto quem providencia s&atildeo as fac&ccedil&otildees criminosas, o que, observa o magistrado, s&oacute faz aumentar o poderio dos criminosos dentro do pres&iacutedio. A fac&ccedil&atildeo se torna credora do sujeito em cima de comida, rem&eacutedio, material de higiene, roupa, cal&ccedilado. Quem fornece &eacute a fac&ccedil&atildeo ou a fam&iacutelia. O Estado n&atildeo d&aacute, afirma.

O testemunho do juiz tem a for&ccedila de quem, literalmente, conhece o estabelecimento por dentro: desde 2012 ele tem um gabinete no interior do pres&iacutedio. A presen&ccedila frequente do juiz, por&eacutem, n&atildeo &eacute capaz de diminuir a for&ccedila das fac&ccedil&otildees na unidade. Ali&aacutes, em mais um exemplo do absurdo em que se transformou o sistema prisional brasileiro, para instalar a vara especial de execu&ccedil&otildees dentro da cadeia a Justi&ccedila ga&uacutecha teve que fazer um acordo verbal com as fac&ccedil&otildees.

Oficialmente, a seguran&ccedila do pres&iacutedio cabe &agrave Brigada Militar, como &eacute chamada a Pol&iacutecia Militar do Rio Grande do Sul. Mas s&oacute oficialmente. Na pr&aacutetica, como diz o juiz, s&atildeo os pr&oacuteprios presos que estabelecem as regras e, a partir de um pacto de boa conviv&ecircncia, garantem a paz na unidade.

O caos no pres&iacutedio j&aacute foi descrito, em processos da Organiza&ccedil&atildeo dos Estados Americanos (OEA), como um sistema de autogest&atildeo ou administra&ccedil&atildeo compartilhada, em que o Estado e os presos dividem as responsabilidades sobre o funcionamento da unidade. Em 2013, a Comiss&atildeo Interamericana de Direitos Humanos exortou o Brasil a adotar provid&ecircncias diante da gravidade da situa&ccedil&atildeo na unidade. A comiss&atildeo recomendava que o governo deixasse por conta dos pr&oacuteprios presos fun&ccedil&otildees disciplinares e o controle de seguran&ccedila dentro do pres&iacutedio. N&atildeo adiantou.

Pacto

Para trabalhar de dentro do pres&iacutedio, apesar da presen&ccedila dos militares, Brzuska fez rodadas de conversa e imp&ocircs condi&ccedil&otildees aos presos: n&atildeo poderia haver desaven&ccedilas, assassinatos ou desrespeito a ele, aos policiais e funcion&aacuterios. A partir do acordo, diminu&iacuteram os tumultos internos. Passou a vigorar no pres&iacutedio a regra de que a cela &eacute a extens&atildeo do lar dos presos. Brigas externas de fac&ccedil&otildees ficariam restritas &agraves ruas. Em contrapartida, os presos teriam ali um representante do Judici&aacuterio para facilitar a an&aacutelise de seus processos.

Minha &uacutenica exig&ecircncia para atender no pres&iacutedio era eu tinha que reproduzir l&aacute dentro o mesmo n&iacutevel de seguran&ccedila e conforto que eu tenho na minha sala no f&oacuterum. Significa n&atildeo ter ningu&eacutem dando soco no outro, xingando os policiais, fumando maconha ou dando facada na minha frente, explica o juiz.

Embora reconhe&ccedila o dom&iacutenio das fac&ccedil&otildees, Brzuska nega que o Estado tenha se curvado ao poder do crime organizado. E defende o m&eacutetodo de di&aacutelogo com os detentos para estabelecer as regras civilizat&oacuterias num espa&ccedilo que j&aacute havia sido perdido para os bandidos. Quem parou de dar facada e de se rebelar? Eles &eacute que est&atildeo se curvando. N&atildeo pedimos favor a nenhum preso. Qual seria a melhor forma de se relacionar com as pessoas se n&atildeo com o di&aacutelogo? &Eacute mais importante conversar do que impor. Quando as pessoas e os presos ajudam a construir algo, a tend&ecircncia de dar certo &eacute maior, eles se sentem integrantes e passam a se esfor&ccedilar para que d&ecirc certo.

Brzuska atende os presos uma vez por semana dentro do pres&iacutedio. Ouve pedidos de remo&ccedil&atildeo, questionamentos sobre progress&atildeo de pena e pedidos de acesso a medicamentos. No atendimento &agraves fam&iacutelias, faz-se inclusive reconhecimento de paternidade. Uma vez por m&ecircs, em dias de visita uma equipe de servidores recebe as fam&iacutelias, orienta sobre os processos e prazos. A sala &eacute espartana, no terceiro andar do pr&eacutedio da administra&ccedil&atildeo do pres&iacutedio, decorada por quadros da deusa T&ecircmis, s&iacutembolo da Justi&ccedila, e por grafites feitos pelos pr&oacuteprios detentos.

O juiz conhece em detalhes o passado, a fam&iacutelia, os processos e o comportamento dos presos. Faz um trabalho que resume em tr&ecircs palavras: proximidade, di&aacutelogo e aten&ccedil&atildeo. O acompanhamento pessoal dos presos e das fam&iacutelias, dentro da unidade, o di&aacutelogo muito pr&oacuteximo, permite a redu&ccedil&atildeo dos &iacutendices de viol&ecircncia e de morte, afirma. Ele recebe parentes dos detentos e representantes das alas e fac&ccedil&otildees para conversar &ndash sem algemas. Entra sozinho nas galerias &ndash algo que a pol&iacutecia n&atildeo faz &ndash e diz que nunca sofreu amea&ccedilas. Se eu botar o p&eacute na galeria, ningu&eacutem pode dar um pio porque eu cumpro o meu trabalho.

Luiz Silveira/Ag&ecircncia CNJ

No ano passado, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justi&ccedila (CNJ), ministra C&aacutermen L&uacutecia, fez uma inspe&ccedil&atildeo no pres&iacutedio. Foi a rela&ccedil&atildeo de Brzuska com os presos que garantiu a tranquilidade da visita. A ministra ficou entre 1.800 detentos. Eu disse a ela: &lsquoesse &eacute o maior sinal de respeito que a senhora vai ter dentro de uma pres&iacutedio&rsquo, conta Brzurska.

O juiz reputa ao pacto que ajudou a construir a redu&ccedil&atildeo dos &iacutendices de viol&ecircncia e de mortes dentro do pres&iacutedio. Ao longo dos anos, a cadeia foi recuperando a tranquilidade. As rebeli&otildees tamb&eacutem rarearam. Segundo ele, os presos perceberam que eventuais convuls&otildees atrapalhariam os neg&oacutecios das fac&ccedil&otildees. A l&oacutegica aqui &eacute n&atildeo trazer a morte para dentro do sistema, porque &eacute ruim para os neg&oacutecios. Se o preso controla uma galeria e morre algu&eacutem ali, &eacute sinal de que ele n&atildeo manda nada. Ent&atildeo ele n&atildeo deixa acontecer.

Os neg&oacutecios a que o magistrado se refere com curiosa tranquilidade s&atildeo muitos. Dentro do pres&iacutedio funciona livremente um mercado informal de produtos diversos &ndash de material de higiene a lanches. Tudo controlado pelas fac&ccedil&otildees. Drogas, celulares e armas tamb&eacutem s&atildeo comercializadas. Criam-se d&iacutevidas, que s&atildeo pagas nas ruas. Do jeito que est&aacute, o Central &eacute bom para o crime, porque eles (os presos) lucram, e bom para o Estado que n&atildeo gasta dinheiro, j&aacute que os presos pagam tudo sozinhos.

Hist&oacuterico

O antigo Pres&iacutedio Central, um colosso marrom com centenas de len&ccedil&oacuteis coloridos pendurados nas janelas, tem aspecto ainda pior por dentro. As paredes carcomidas, manchadas por infiltra&ccedil&otildees em tom amarelado, com tijolos, ferro e concreto armado aparentes exibem o grau de deteriora&ccedil&atildeo do edif&iacutecio, constru&iacutedo em 1959. Pavilh&otildees em ru&iacutenas foram parcialmente demolidos. Esgoto corre pelos cantos do p&aacutetio. H&aacute ratos e baratas pelos cantos.

A paz moment&acircnea dentro da cadeia destoa da realidade da capital ga&uacutecha. Porto Alegre vive uma escalada da criminalidade. Entre janeiro e junho de 2016, o n&uacutemero de assassinatos aumentou 17% na cidade em compara&ccedil&atildeo com o mesmo per&iacuteodo de 2015. Os 351 homic&iacutedios ocorridos no primeiro semestre do ano passado tamb&eacutem superam os registrados ao longo de todo o ano de 2006 (283). A correla&ccedil&atildeo entre as fac&ccedil&otildees que dividem o controle do pres&iacutedio e a viol&ecircncia do lado de fora &eacute direta. Se dentro da unidade os grupos mant&ecircm o pacto de paz, o acordo n&atildeo se estende &agraves periferias da cidade, onde elas disputam o mercado das drogas.

No ano passado, houve mais de uma dezena de decapita&ccedil&otildees e esquartejamentos nas ruas de Porto Alegre, principalmente em bairros pobres da capital. Essas organiza&ccedil&otildees criminosas t&ecircm produzido um alto n&uacutemero de execu&ccedil&otildees. O pano de fundo s&atildeo as drogas. Eles matam para impor baixas de um lado e de outro. Essas decapita&ccedil&otildees e esquartejamentos s&atildeo situa&ccedil&otildees novas, sinais de extrema crueldade para intimidar e mandar recado, diz o delegado Paulo Rog&eacuterio Grillo, diretor do Departamento Estadual de Homic&iacutedios e Prote&ccedil&atildeo &agrave Pessoa (DHPP). As execu&ccedil&otildees s&atildeo t&atildeo brutais quanto as dos massacres de detentos em Manaus e Roraima. A diferen&ccedila &eacute que, no caso ga&uacutecho, enquanto as fac&ccedil&otildees se toleram dentro da pris&atildeo com a b&ecircn&ccedil&atildeo da Justi&ccedila, a guerra se d&aacute do lado de fora.

&nbsp

&nbsp

Veja.Com

Clique AQUI, entre na comunidade de WhatsApp do Altnotícias e receba notícias em tempo real. Siga-nos nas nossas redes sociais!
Parmenas Alt
Parmenas Alt
A estrada é longa e o tempo é curto. Não deixe de fazer nada que queira, mas tenha responsabilidade e maturidade para arcar com as consequências destas ações.
RELATED ARTICLES

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Please enter your comment!
Digite seu nome aqui

- Publicidade -

Mais Visitadas

Comentários Recentes