quinta-feira, 21/11/2024
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Exame de Ordem está na mira do Supremo

De um lado a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De outro estudantes e bacharéis em Direito contrários ao Exame de Ordem, obrigatório para obter o registro necessário para exercer a advocacia. Ainda este ano, o Supremo Tribunal Federal julgará a constitucionalidade do processo seletivo e ouvirá os dois posicionamentos, num debate jurídico que pode mudar os rumos da carreira e colocar no mercado de trabalho anualmente cerca de 90 mil advogados.

Nos próximos dias, o iG apresenta série de reportagens que levanta os principais pontos do debate sobre o Exame de Ordem, as críticas, a defesa da OAB, como outros países regulam a advocacia e a opinião de professores, estudantes e bacharéis em Direito. Os que defendem o exame afirmam que é necessário garantir a qualidade dos advogados em meio a tantas faculdades de direito. Mas há críticas quanto ao processo e legitimidade legal.

Criado em 1994, o Exame de Ordem é uma prova da OAB aplicada em todo o País a estudantes do último ano e bacharéis em Direito que queiram trabalhar como advogados. A aprovação é obrigatória para quem quiser representar clientes. Porém, poucos passam – os índices de aprovação das últimas três edições oscilaram entre 14,83% e 9,7%. Na última prova, segundo dados preliminares obtidos pelo iG com exclusividade, dos 121 mil inscritos, 18 mil passaram.

Com tantos reprovados, a prova não para de colecionar críticos e inimigos. Estudantes não se conformam em passar por cinco anos de estudo e ao final do curso não poderem exercer a profissão de advogados e serem selecionados de acordo com a sua competência pelo mercado de trabalho, como ocorre com a maioria das profissões. Representando esses excluídos da advocacia, pipocam projetos de lei no Congresso e decisões na Justiça questionando a legitimidade do exame.

O principal argumento usado é quanto à constitucionalidade da seleção e o fato dela não ser regulada por uma lei federal. Políticos, como o deputado federal Eduardo Cunha, e juristas, como o Subprocurador da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros, citam o artigo 5º da Constituição Federal que garante a liberdade do exercício da profissão para exigir o fim do exame.

O recurso extraordinário que chegou ao Supremo e pode extinguir o exame foi movido pelo consultor imobiliário João Volante, de Porto Alegre. Funcionário público aposentado, Volante se formou em Direito em 2006, aos 56 anos, e prestou o Exame de Ordem no ano seguinte. Fez a primeira fase, foi aprovado para a segunda, mas diz que não compareceu por não concordar com a obrigatoriedade da prova. “O Exame de Ordem é inconstitucional, não foi criado por uma lei federal e sim por um estatuto. Cada edição é decretada por um provimento, uma resolução interna da OAB”, critica.

Para o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, o exame é constitucional, pois não impede o bacharel em Direito de trabalhar em outras áreas da carreira, apenas de advogar, e tem sua exigência garantida no Estatuto da Advocacia e da Ordem, uma lei federal. Se a prova fosse extinta pelo Supremo, Ophir acredita que aconteceria um “estelionato educacional”. “Seria um alvará de funcionamento irrestrito para as faculdades que não têm compromisso com a qualidade de ensino”, diz.

Ophir defende que a baixa quantidade de aprovados no exame é, principalmente, reflexo da má qualidade das faculdades de Direito e também da falta de empenho dos alunos. “O exame é preparado para que um estudante que tem compromisso com os estudos e frequente uma faculdade boa passe sem precisar fazer cursinho.” Na visão dele, o Exame de Ordem seria um filtro para que advogados despreparados não colocassem em risco a defesa de cidadãos e estivessem à altura dos promotores e juízes, selecionados por concursos públicos disputados.

Aprovação estável
Mesmo as faculdades mais bem avaliadas e conceituadas não conseguem altos percentuais de aprovação no Exame de Ordem. A Universidade de São Paulo (USP) aprovou na última edição 63,76% de seus estudantes e graduados, o terceiro maior índice e o melhor do Estado. Na avaliação do diretor da Faculdade de Direito da instituição, Antonio Magalhães Gomes Filho, este resultado não significa que os outros 36,24% não estavam preparados para advogar. “Como qualquer prova, depende de vários fatores. Às vezes o aluno não estudou para aquela prova, não se interessou. Não temos uma forma de medir o que aconteceu (para que o estudante fosse reprovado)”, analisa.

Para os críticos ao exame, a OAB coloca a culpa no estudante para fazer uma reserva de mercado e evitar que novos advogados conquistem os clientes de profissionais antigos a um preço mais baixo. Reynaldo Arantes, presidente nacional do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito (MNDB) que luta pela extinção do exame, acredita que a OAB manipula o número de aprovados. “Não há nenhuma fiscalização ou transparência no processo. Os estudantes, os cursinhos, as faculdades, todos estão se preparando melhor, mas os percentuais de aprovados continuam os mesmos”, aponta.

O advogado e professor de cursinho preparatório Alexandre Mazza diz que a correção da segunda fase (perguntas dissertativas) varia de acordo com o número de aprovados na primeira etapa: “Eles ponderam no grau de correção em função do percentual de aprovados. O que não é uma coisa justa de se fazer. A pessoa deve ser avaliada de acordo com o nível dos candidatos que estavam concorrendo com ela”.

Para a OAB as acusações não têm fundamento. “Sendo que a Ordem se mantém das anuidades pagas pelos advogados (que variam de R$ 600 a R$ 800), para nós seria muito cômodo ter um milhão e meio de advogados, porque teríamos mais verba. A importância de uma classe não se mede pela quantidade, mas sim pela qualidade de seus profissionais”, retruca.

Exame caro
Outra reclamação recorrente é quanto à taxa de inscrição para prestar o Exame de Ordem, de R$ 200. O valor é superior à taxa cobrada nos grandes vestibulares e em concursos públicos para magistratura e Ministério Público – para a seleção de juízes do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (SP), por exemplo, a taxa de inscrição cobrada foi de R$ 100.

Estima-se que o Exame de Ordem arrecade com as inscrições em torno de R$ 70 milhões anualmente, considerando as três edições. As isenções de pagamento da taxa são concedidas apenas a candidatos de baixa renda e inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Na última edição, 1.627 conseguiram o benefício, 1,3% dos inscritos.

A OAB responde que o dinheiro arrecadado com as taxas de inscrição cobre somente os custos operacionais e logísticos do exame, que acontece em mais de 160 cidades e em todos os Estados brasileiros. A Ordem tem gastos com estrutura física, transporte das provas, segurança, pessoal, profissionais correção e atendimento às demandas estaduais que surgem a cada edição do exame.

Marina Morena Costa, iG São Paulo

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