Está empossado o primeiro negro a chegar à presidência dos Estados Unidos da América (EUA). Barack Obama assume o comando da maior potência mundial em um momento complicado, de grave crise financeira, e em que não só os eleitores dele como o resto do mundo anseiam por mudança – a principal bandeira da campanha dele.
Com o fim do governo de George W. Bush, manchado pelas guerras, pelo descaso com o meio ambiente e, por fim, desmoralizado pela monstruosa crise econômica que deixou milhões de norte-americanos sem casa, comida, emprego e perspectiva para o futuro, Obama tem sobre os ombros o peso de “salvar o mundo”.
No Brasil, a torcida também foi majoritariamente para ele, mas, na prática, as projeções não são tão animadoras, segundo os especialistas ouvidos pela Folha Universal. Para o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília, o partido Democrata tem, historicamente, protegido mais os trabalhadores dos EUA, impondo taxações mais altas a produtos estrangeiros. Isso significa que produtos fabricados aqui ficam mais caros ao chegar lá, gerando uma queda na exportação e, consequentemente, a diminuição da produção e, possivelmente, dos empregos. A situação já é complexa por causa da crise: em novembro, segundo o IBGE, o setor industrial brasileiro sofreu a maior queda no nível de produção desde maio de 1995: 21 dos 27 ramos industriais pesquisados registraram baixa da produção de outubro para novembro, bem como quase dois terços dos 755 produtos incluídos no levantamento. Consequências da diminuição da importação norte-americana gerada pela crise iniciada em setembro. Alguns representantes de trabalhadores no Brasil estimam que até 3 milhões de empregos estão em risco.
A saída para tal situação é, na opinião do economista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina Nildo Ouriques: “Não esperar nada dos Estados Unidos”. Ele acredita que é hora de o Brasil desenvolver tecnologias próprias, autonomia científica e cultural, e não apenas concentrar esforços na exportação de matérias-primas, pelas quais se paga menos. Ouriques vê com pessimismo a posse do novo presidente. “Obama chegou baseado no lema do ‘change’ (mudança, em inglês), mas a crise que ajudou a elegê-lo já o enquadrou. Tanto que todo o escalão de secretários e assessores é gente vinculada às altas finanças e a outros governos”, lamenta.
Ricardo Meirelles, diretor da Avenida Brasil, empresa especializada no mercado de baixa renda, acredita que ainda não é possível prever todos os impactos do governo Obama para o brasileiro, mas concorda que com o mercado norteamericano mais fechado pode-se esperar menos espaço para os produtos do Brasil. Apesar disso, ele acredita que outros mercados poderão se abrir. “O secretário de comércio da nova equipe já afirmou ser favorável ao modelo brasileiro de biocombustíveis, o que pode gerar mais emprego nas áreas produ-
toras”, avalia.
Apesar do novo presidente dar ênfase à energia renovável e elogiar o biodiesel brasileiro, parcerias e possíveis importações ainda não foram confirmadas. Para a senadora e ex-ministra do Meio-Ambiente Marina Silva, pior não dá para ficar: “Os Estados Unidos sempre tentaram ignorar os processos multilaterais buscando saídas internas que eram muito mais de aparência. Mais do que as parcerias pontuais como a do etanol brasileiro, os Estados Unidos têm que se esforçar para transferir tecnologia e recursos novos para que os países em desenvolvimento mudem o modelo de energia e não repitam o que aconteceu com eles e com a Europa, que tiveram modelos absolutamente insustentáveis”, enfatiza. Ela acredita que o grande desafio que Obama deverá enfrentar é o de conciliar a crise econômica com a ambiental. “Ele sofrerá pressões, contradições e tensões. Espero que não tome atitudes que, em longo prazo, prejudiquem ainda mais a questão ambiental”.
Quanto à imigração, será que o novo presidente, filho de um queniano e que conheceu o terceiro mundo de perto será mais permissivo? “Possivelmente sim. Mas a mudança não virá por causa de Obama, e sim por causa das atividades dos imigrantes e as organizações deles”, acredita o historiador canadense especializado em história norte-americana Sean Purdy.
F.U
Andrea Dip e Gisele Brito