Recomendada no ano passado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para todas as pessoas em situação de "maior exposição" a contrair o vírus HIV, mas ainda adotada por poucos países, a profilaxia pré-exposição (PrEP) ainda não foi implantada no Brasil. Apenas Estados Unidos, França, África do Sul e Israel anunciaram que farão uso do método para prevenção do HIV. No entanto, especialistas apontam que esta é uma importante estratégia de prevenção ao vírus e que o Brasil deveria utilizá-la como política pública.
O tema foi discutido na tarde de hoje (25) na Conferência Direitos Humanos e Combate à Discriminação na Perspectiva da Vida com HIV/AIDS: Avanços e Retrocessos, organizada pela Defensoria Pública de São Paulo.
“Vemos hoje um esgotamento das políticas atuais para prevenção ao HIV. Em um estudo feito pelo Ministério da Saúde, 45% da população brasileira admitiu que não usa camisinha, mesmo tendo a informação de que ela é eficaz na prevenção de HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis. Então, vemos que não é suficiente ter só a camisinha. Essa opção é importante e deve continuar sendo mantida, mas ela não é suficiente como política pública”, disse Marcela Vieira, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), em entrevista à Agência Brasil.
A coordenadora defende que o Ministério da Saúde proporcione outras formas de prevenção, além da camisinha. “As pessoas devem ter um serviço adequado de informações que coloque as vantagens e desvantagens de cada uma das diferentes medidas, para que elas possam optar por aquela forma que se adeque mais à sua realidade. Tentar mudar o comportamento com um mantra único [use camisinha] já se mostrou uma política esgotada. Precisamos avançar nas diferentes opções disponíveis”, disse.
A profilaxia recomendada pela OMS envolve a utilização de um medicamento por via oral ou em forma de gel para pessoas que não estão infectadas pelo HIV, mas que estão expostas ao vírus. O medicamento antirretroviral bloqueia a multiplicação desse vírus, impedindo a infecção do organismo. Ele seria uma alternativa ao uso de camisinha, mas exige que a pessoa tome um comprimido por dia, conhecido como Truvada e fabricado pela empresa Gilead. A forma em gel ainda está em fase de estudos.
No Brasil, há diversos grupos estudando a doença, como o PrEP Brasil (http://prepbrasil.com.br/), conduzido pela Universidade de São Paulo (USP), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo.
A psicóloga Clara Cavalcante, que trabalha no centro de referência de São Paulo e na prefeitura de Jandira, vê como essencial a nova profilaxia. “Ela vem nos desdobramentos e nos avanços dos movimentos sociais, da política de saúde e na melhoria das estratégias de prevenção. E ela pode vir a fazer a diferença na prevenção ao HIV”, disse. Mas Clara defende que, antes, seja implantada no país como política pública.
Para o médico sanitarista e ativista LGBT Henrique Contreiras, mais do que uma política voltada para o combate das doenças sexualmente transmissíveis, a PrEP precisa ser encarada também como uma política voltada para a população LGBT. “A PrEP é uma política que tem potencial de ajudar a reverter essas iniquidades [ele cita a homofobia existente nos serviços de saúde como exemplo]. Não é só uma questão de distribuir comprimidos para a população em risco. Todas as nossas necessidades de saúde como um todo precisam ser previstas”, disse. “Tem vários agravos em saúde na população LGBT que são socialmente mediados e uma das mediações é a homofobia que existe nos serviços de saúde, na medicina e na ciência médica. O objetivo dessa política é transformar essa realidade”, ressaltou.
Monopólio
Outro problema com a PrEP estaria relacionado ao custo do medicamento. A Gilead, fabricante do produto, já solicitou a patente do Truvada para controlar a comercialização do medicamento em todo o mundo. O pedido está em análise em muitos países, inclusive no Brasil.
Para a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, o monopólio do medicamento pela Gilead pode elevar o preço do produto. “Do jeito como está sendo feito hoje, a PrEP é oferecida por um medicamento chamado Truvada que é comercializado com exclusividade por uma empresa chamada Gilead. Existem formas de se quebrar esse monopólio, que é garantido hoje por meio das patentes. Existem medidas para quebrar esse monopólio. Inclusive já existem versões genéricas, aprovadas pela OMS, tanto da combinação em um único comprimido quanto dos dois medicamentos, em forma isolada”.
Segundo ela, o Brasil tem várias opções para evitar o monopólio da Gilead sobre esse medicamento. “O Brasil já não tem monopólio nem para o tenofovir e nem para a emtricitabina, que são dois medicamentos separados que compõem o Truvada. E já existe a versão genérica no país”, disse. Só com o uso dos genéricos em vez do Truvada, por exemplo, ela estima que o custo para o Ministério da Saúde cairia bastante. “Por lei, os genéricos precisam ser pelo menos 35% mais baratos que o medicamento de marca. Mas nos medicamentos de alto custo, essa diferença pode chegar a muito mais, até 20 vezes mais barato que a média que temos em outros medicamentos antirretrovirais.”
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Saúde informou que a PrEP está em fase de estudos no país e que está analisando sua implantação no Sistema Único de Saúde. “O Ministério da Saúde financia dois estudos de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) no Brasil, que estão sendo realizados pela Fiocruz e pela Faculdade de Medicina da USP, e que utilizam como medicamento a combinação tenofovir + emtricitabitina. Os estudo para a adoção da PrEP estão em andamento e os primeiros resultados devem ser apresentados até o segundo semestre deste ano. Dois novos estudos financiados pela UNITAID [organização que financia o tratamento e diagnóstico da Aids] devem começar no Brasil ainda em 2016. A partir do resultado desses estudos, o Ministério da Saúde irá analisar a inclusão da profilaxia no Sistema Único de Saúde. ”, informou o órgão, por meio de nota.