Três veículos foram queimados no bairro de Passaré, em Fortaleza, na última quarta-feira. No mesmo dia, uma creche foi incendiada no município de Caucaia. A tensão e o medo tomaram conta do Ceará. Foi o oitavo dia de conflitos ininterruptos no estado, onde, desde o dia 2 de janeiro, membros de facções criminosas estão espalhando o terror, botando fogo em ônibus e caminhões e depredando prédios públicos, agências bancárias e estabelecimentos comerciais. Mais de 40 cidades sofreram algum tipo de ataque no período e a maioria dos casos se concentra na capital. Explosões e incêndios se tornaram corriqueiros. Para tentar conter a crise de segurança, o ministro da Justiça Sérgio Moro autorizou o envio de tropas da Força Nacional ao estado, a pedido do governador Camilo Santana, do PT. Moro agiu com prontidão para atender o chamado do governador. O pedido de reforços foi feito assim que os ataques começaram e respondido no dia seguinte. Mais de 400 agentes foram deslocados para o Ceará.
Na portaria que autorizou o envio da Força Nacional para o estado, o ministro da Justiça levou em consideração o nível de violência e a gravidade dos acontecimentos que afetam o Ceará e as dificuldades que as forças policiais têm para enfrentar o crime organizado, que atua nacionalmente, sem apoio federal. A portaria determina que as polícias federais intensifiquem as ações de prevenção e repressão ao crime organizado no estado e que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) preste o apoio necessário para as ações de segurança pública dentro das cadeias. A princípio, a Força Nacional ficará durante 30 dias no Ceará, mas esse prazo pode ser prorrogado se for necessário. Outros estados que enfrentam sérios problemas de segurança e no sistema prisional, também envolvendo disputas de facções, como Pará e Espírito Santo, estão requisitando reforço policial para Moro para compensar suas vulnerabilidades.
No total, aconteceram mais de 170 atentados no Ceará até agora, incluindo um ataque a tiros ao Fórum de Juazeiro do Norte, cinco ônibus escolares incendiados em Morrinhos e a explosão de uma bomba entre os municípios de Varjota e Santa Quitéria. No sábado 4, momento mais crítico, foram 50 atos de violência. Os conflitos eclodiram depois do discurso de posse do novo secretário de Administração Penitenciária, o policial civil Luis Mauro Albuquerque. Albuquerque, que foi secretário de Segurança no Rio Grande do Norte, assumiu o cargo com a missão de endurecer o controle no sistema penitenciário cearense. Chegou anunciando várias medidas para impor a ordem nos superlotados presídios do estado, que abrigam 29 mil detentos, mais do que o dobro de sua real capacidade.
Transferência de presos
No seu discurso de posse, avisou que os presos não serão mais separados na cadeia por facção, como vinha acontecendo até agora. Disse que haverá rigor absoluto na fiscalização da entrada de celulares nas cadeias e que líderes criminosos seriam isolados em presídios federais. Foi o suficiente para unir as facções contra o governo e deflagrar uma onda de atentados. Em pichações em prédios públicos de Fortaleza se lê “Fora Mauro Albuquerque”. Até agora 21 presos considerados líderes foram transferidos para presídios federais. Desde o início da ofensiva policial no estado 407 aparelhos celulares foram apreendidos.
Os problemas de criminalidade no Ceará são antigos. Nos últimos dez anos, dobrou o número de homicídios no estado e se acentuaram as disputas de poder entre os grupos criminosos. O serviço de inteligência da polícia cearense apurou que as facções fizeram um pacto de união e partiram para uma ofensiva contra o governo. A selvageria dos ataques está associada, segundo o sociólogo Cesar Barreira, professor titular e coordenador do laboratório de estudos da violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), à instabilidade das facções criminosas do estado, que disputam o monopólio do tráfico de drogas e também lutam por territórios. Quatro facções atuam nos presídios locais: Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV), Família do Norte (FDN) e Guardiões do Estado (GDE), um grupo específico do Ceará. “O GDE é composto por membros muito jovens que não tem suas hierarquias bem definidas e é a facção que mais cresce”, diz Barreira. “Isso possibilita alguns ataques mais dispersos e menos coordenados, o que faz pensar que essa facção tem muita influência na atual situação de violência.”