A despeito dos momentos alternados de melhor e pior condução das contas públicas, é fácil constatar que, no Brasil, dinheiro a mais na conta do governo não significa retorno, na mesma proporção, em melhoria da qualidade dos serviços públicos. De um lado, o país conta com a segunda maior carga tributária entre as nações emergentes, de 35% do PIB. A taxa é semelhante à do Reino Unido (35,7%). Os serviços, contudo, não são nada britânicos.
Despesas obrigatórias predominam – No sinuoso caminho percorrido pelo dinheiro público, menos de 10% do Orçamento é direcionado a investimentos que podem se traduzir em crescimento econômico e melhoria dos indicadores sociais. Os números do Orçamento para este ano, aprovado em 2009, são reveladores dessa discrepância.
Primeiramente, chama a atenção o fato de os gastos obrigatórios responderem por 90% de tudo o que é orçado. Quatro grandes itens se destacam: o serviço da dívida pública, os benefícios previdenciários e assistenciais, as transferências a estados e municípios e os dispêndios com pessoal e encargos sociais.
O governo tem liberdade para definir como gastar apenas 10% do Orçamento, na rubrica conhecida por “despesas discricionárias”. Faz parte deste montante aquilo que se entende por investimento público, que resultará na expansão de capital fixo e humano: saúde, educação, bolsa-família, PAC, ciência & tecnologia etc.
Supondo que o Orçamento do governo fosse de 100 reais, mais da metade dele, ou 53,85 reais, seria destinada à rolagem da dívida (amortização, pagamento de juros e demais despesas financeiras). Logo atrás estariam os benefícios previdenciários e assistenciais, que subtrairiam do valor total 17,13 reais. Na sequência viriam os gastos com pessoal e encargos, que diminuiriam 9,74 reais do montante. Por fim, o governo teria de separar 8,15 reais de seu orçamento para transferir a estados e municípios.
Bem menor é a magnitude das despesas com investimentos. Aqui há de se fazer uma ressalva: uma parte do capital voltado a saúde e educação encontra-se classificada na seção “obrigatória”. Alocados na parcela “discricionária” do Orçamento, os desembolsos para a área de saúde representariam, daqueles 100 reais iniciais, somente 2,93 reais. Educação, por sua vez, ficaria só com 1,27 reais.
O tão propagandeado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) – cuja missão é dar conta dos investimentos em infra-estrutura, como a construção de ferrovias, estradas, dragagem de portos etc. – corresponderia a um dispêndio ínfimo de 1,41 real para cada 100 reais orçados. Só de juros e encargos da dívida, de acordo com o Ministério do Planejamento, o Brasil pagaria quase cinco vezes este montante.
Debate sobre o choque de gestão – A fim de que sobre mais dinheiro no orçamento da União para investimentos, Felipe Salto, economista da Tendências, defende a adoção de reformas estruturais profundas. “Consolidar o regime dos servidores públicos e o INSS em um único sistema, por exemplo, eliminaria algumas excrescências como aposentadorias integrais e injustas para uma minoria”, afirma Salto.
Como este tipo de reforma exigiria uma série de atitudes impopulares do ponto de vista político, o que dificultaria ou impediria sua execução, Salto defende as chamadas “reformas incrementais”. Estas promoveriam um choque de gestão, ou seja, métodos mais eficientes de remanejamento do dinheiro público dentro do Orçamento sem que haja mudanças na constituição federal.
A crença na eficácia desta proposta não é unânime entre os economistas. O estudo Dois Mitos das Contas Públicas, redigido por Mansueto Almeida, do IPEA, e Samuel Pessoa, do IBRE da Fundação Getúlio Vargas, aponta o contrário. Na avaliação deles, uma reforma estrutural do estado não sairia de ajustes na máquina pública, pois esta teria muito pouco a contribuir para a economia das despesas.
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