Cúpula que reúne 19 das maiores economias do mundo e a União Europeia na Índia dever ser cercada de desafios jurídicos, políticos e econômicos e entraves de nações com interesses divergentes
Neste sábado, 9, terá início a 18ª Cúpula de chefes de Estado e governo do G20, em Nova Delhi, na Índia. A ocasião marca a posse do Brasil como presidente do grupo, que reúne 19 das maiores economias do mundo e a União Europeia, pela primeira vez. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicou que as prioridades para o país no encontro serão a discussão do etanol como combustível alternativo com a Índia e o combate à desigualdade. Contudo, o evento contará com a ausência do presidente da China, Xi Jinping, e do russo, Vladimir Putin, além da possibilidade de Joe Biden, líder dos Estados Unidos, ficar de fora da reunião por questões de saúde. De acordo com analistas ouvidos pelo site da Jovem Pan, a cúpula não deve ser um encontro fácil e pode ser marcada mais por embates diplomáticos, com diversas nações tentando impor suas visões de mundo, do que por acordos de ajuda mútua.
O Brasil adentra o encontro cercado de desafios jurídicos, políticos e econômicos, segundo a avaliação de Andréa Rocha, coordenadora de Direito Internacional do IRTS e integrante da comissão de Relações Internacionais da OAB/DF. A jurista observa que o ponto central será, sem dúvidas, a nova presidência do grupo, que passará a ser exercida pelo Brasil até o fim de 2024. Ela complementa que será uma reunião desafiadora, com interesses e tensões diversas que exigirão do Brasil capacidade de diálogo e articulação. “Os desafios se iniciam dentro do próprio território nacional, já que o Brasil deixou de ser ‘neutro’ aos olhos do mundo em razão da extrema polarização política enfrentada no próprio território e das últimas modificações no Brics, com o ingresso de países autoritários com o endosso brasileiro em alguns discursos. Com isso, transitar entre as mais diversas nações integrantes do grupo pode não ser tão fácil”, indica.
O cientista político Jorge Mizael destaca que o Brasil ainda contará com outros momentos de destaque internacional, com a presidência do Brics em 2025 e a realização da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), em Belém, no mesmo ano. “É uma chance do país se posicionar como um membro influente em vários segmentos. O Brasil segue sendo uma economia importante em vários tipos de insumos, principalmente na área agrícola. É uma economia que precisa ser ouvida e, ocupar posição como essas, dá uma chance ao presidente Lula de ter um papel de influência e um protagonismo político para direcionar algum tipo de participação mais direta do Brasil nesta composição”, observa. Ele aponta que os conflitos entre as demais nações podem beneficiar o Brasil a ter uma participação maior nos acordos de venda de commodities com outros países. Isso auxiliaria a gerar maior segurança alimentar e a promover pauta do governo de diminuição de desigualidades.
O analista também complementa que, nos últimos anos, o presidente Lula acabou se tornando um personagem central da política latino-americana, principalmente com sua prisão e embates políticos. “Lula se apresentou no cenário internacional como um condutor, alguém que funciona como uma fênix. Quando todo mundo achou que ele estava fora do jogo, Lula ressurge e toma a presidência da República dentro do movimento democrático. Você percebe, então, que ele tem esse respeito, essa deferência, e esse momento pode consolidá-lo como um negociador no cenário internacional”, analisa. Ele considera que, se Lula conseguir se consolidar no mundo como alguém capaz de firmar acordos complexos e conseguir conduzir a economia brasileira, vai dar ao Brasil a possibilidade de explorar novas oportunidades da economia energética, ajudando no crescimento do país. Contudo, Mizael pondera que o presidente acaba investindo muita energia no exterior e deixando algumas questões internas do país de lado.
Os especialistas ainda citam assuntos que estão inquietando o mundo e que não poderão deixar de ser abordados na cúpula, como o embate entre Rússia e Ucrânia; a retomada da economia mundial pós-pandemia da Covid-19; as correntes tensões entre Estados Unidos e China; os rumores de que a União Africana não teria sido convidada para a cúpula mesmo após declarações do ano passado sugerirem o convite e os mais novos acordos comerciais entre China e Rússia, que inauguram mudanças significativas no comércio exterior.
Desentendimentos internacionais
Professor de relações internacionais da ESPM e especialista em Ásia, Alexandre Uehara observa que o mundo tem passado por diversas dificuldades e o afastamento observado entre países importantes, como Rússia, China, Índia e Estados Unidos, é um ponto de atenção. “A ausência de Xi Jinping mostra que estamos nos afastando daquele ideal de globalização, de integração que se tinha até o começo desse século. Há uns 10 anos, ainda se falava muito de integração, que as fronteiras iriam cair e que o mundo convergiria a uma posição mais comum de interesses. E, infelizmente, nos últimos anos o que a gente percebe é que não é bem isso. A rivalidade tem aumentado bastante. Quando olhamos com mais detalhe, os interesses políticos e econômicos nem sempre são convergentes. Então, o que mostra essa ausência agora do Xi Jinping é também essa nova realidade do mundo que a gente está vivendo. Essas posições de interesses não sendo tão convergentes como eram no passado, geram tensões ao ponto de haver ausências em reuniões como essa que é do G20″, sinaliza.
As ausências de Xi Jinping e Putin tornam esta edição do G20 “dispersa”, avalia o economista e Doutor em Relações Internacionais, Igor Lucena. Ele acredita que a Índia irá aproveitar o evento para focar o encontro no Sul Global e tentar dar mais protagonismo para sua visão de mundo. Ele também indica que esse será o primeiro evento após a expansão do Brics, com a presença dos novos membros. “Vamos ter todos os membros do antigo G7 de um lado da mesa e parte dos membros estendidos do Brics do outro. São grupos que, para a visão dos países mais ricos, estão sendo antagônicos. A visão do mundo desenvolvido é de que essas nações formam um bloco, sob a liderança da China, com governos majoritariamente autoritários (com exceção de Brasil e Índia), que querem fazer uma subversão da ordem internacional. Vai ser um momento com capacidade de aparar arestas”, indica.
Ele ainda aponta que devem ser delimitados acordos para defesa de novos combates e ressurreições a golpes militares na África e embates diplomáticos entre a China e a Índia são esperados. Segundo Lucena, não aparenta ser um encontro fácil. “A Índia vai tentar impor a sua visão de mundo, se colocar como uma voz no Sul Global. Mas, ao mesmo tempo, ela tenta entender qual vai ser a modalidade global. Para o país, não há um grande vencedor hoje, mas ela entende que existe um movimento de uma nova Guerra Fria e usa para si própria benefícios de acordos com todas as nações. A Índia está sentada entre dois polos esperando o que de fato vai acontecer com a nova ordem mundial. Mas quer ser um player importante que participe das decisões”, classifica. O encontro vai até o domingo, 10. A presidência rotativa do Brasil no G20 vai até o fim de 2024, quando uma nova cúpula será realizada no Brasil. O evento está previsto para 18 e 19 de novembro do próximo ano, no Rio de Janeiro.
JovemPan