O empresário Raimondo Romano, proprietário da Multiplay Comércio e Empreendimentos, fornecedora de peças para máquinas caça-níqueis, já estudava alternativas para driblar a fiscalização contra jogos de azar.
Escutas telefônicas feitas pela Operação Xeque-Mate da Polícia Federal, a mesma que indiciou Genival Inácio de Silva, o Vavá, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, revelam que a intenção de Romano era transformar os bingos em “áreas de lazer para adultos”. A Justiça decretou a prisão preventiva do empresário, mas ele permanece foragido.
O diálogo entre Romano e um homem identificado apenas como Emílio foi gravado no dia 26, às 11h37. Depois de lamentarem o acidente envolvendo o advogado Jamil Chokr – flagrado com R$ 27 mil em envelopes endereçados a distritos policiais de São Paulo -, os dois começaram a trocar opiniões sobre os rumos dos negócios.
“Fui procurado por um dono de bingo. Ele quer se ‘auto-fechar’, porque acha que não agüenta, que não agüenta mais essa pressão”, diz Romano a seu interlocutor. “Ele quer transformar o bingo em uma área de lazer para adulto, dentro da minha proposta”.
O empresário diz já ter “bolado a mecânica”. O primeiro passo seria retirar das máquinas os componentes eletrônicos que caracterizam jogo de azar, substituindo por componentes de habilidade “como os (instalados em fliperamas) do Shopping Morumbi”. Depois disso, o jogo seguiria os moldes dos parques de diversões infantis, com créditos debitados em cartões e a distribuição de brindes conforme o desempenho do jogador.
“Eu tô tirando a componente de jogo de azar desse negócio. Depende de outras componentes e não só da sorte”, explica Romano. Após alguns segundos de silêncio, Emílio concorda com a tese apresentada pelo empresário. “Eu suponho que é por aí mesmo, tudo bem. E depois você desvirtua, isso, isso e isso. Tudo bem. Mas tá ficando cada vez mais difícil”, lamenta.
Interpol
Dono de uma das maiores fornecedoras de peças para caça-níqueis, Romano está no ramo de diversões eletrônicas há 30 anos. Começou com fliperamas e, anos mais tarde, migrou para máquinas rotuladas como jogo de azar.
No resumo sobre a Xeque-Mate encaminhado à Justiça Federal em Campo Grande (MS), a PF acusa o empresário de contrabando ou descaminho (transporte ilegal de mercadoria, sem o devido recolhimento de impostos em uma fronteira).
A investigação federal concluiu que os componentes eletrônicos comercializados pela Multiplay em todo o território nacional foram introduzidos clandestinamente ou por meio de importações fraudulentas.
Embora com sede em São Paulo, Romano tinha contratos com empresas de diversos Estados e se preparava para fazer negócios fora do País. Em outra interceptação telefônica feita pela PF no dia 26, o empresário diz a um homem identificado como Xuli que “está no Chile, na Venezuela e está tentando entrar no Peru”, mercados que, segundo ele, não fazem restrições às máquinas de caça-níquel.
O nome de Romano já constava de uma lista de 120 mandados de prisão expedidos para a Operação Xeque-Mate, mas os federais não o localizaram nem na residência nem no escritório. Como havia indícios de que ele tivesse deixado o País antes da operação, a PF pediu à Interpol a inclusão dele na Difusão Vermelha – na prática, uma lista de mandados de prisão internacional.
A Interpol suspeita que Romano esteja no México. O advogado Cássio Paoletti, criminalista que defende o empresário, nega que ele esteja foragido. “Antes da operação, o Romano viajou a negócios” diz ele.
O advogado já requisitou à Justiça a revogação da prisão preventiva do empresário. “Não existem motivos para manter essa prisão. Se o juiz for técnico, tenho certeza de que ela será revogada”.
Gravação
Diálogo entre Raimondo Romano e um homem identificado como Emílio. Conversa gravada no dia 26, às 11h37
Romano – Eu tive uma proposta de um dono de bingo na quinta à noite. Ele quer se auto-fechar, porque ele acha que não agüenta, não agüenta mais essa pressão. Ele quer transformar o bingo em área de lazer para adulto, dentro da minha proposta.
Emílio – No mesmo local?
Romano – Dentro do mesmo local, qual o problema? Emílio – Ele se descaracteriza? Ele se descaracteriza, né?
Romano – Eu já bolei mais ou menos a mecânica, tá? Tira todos os componentes que caraterizam jogo de azar. Ou seja, coloca os componentes de habilidade como tem no Shopping Morumbi. Você coloca R$ 100. Esses R$ 100 entram para crédito de jogo. Onde é que estão os R$ 100? Estão fisicamente no cartão, não estão na máquina. Tudo que você ganhar vou colocar num placar à parte. A qualquer momento você pode transferir o ganho para jogar ou o ganho para desacreditar.
Emílio – É o que as máquinas faziam antes.
Romano – Óbvio. Vamos lá: ganhou, você vai transferir para o jogo e a qualquer momento pode descreditar é só uma forma de apresentação. Aí você tem lá no ganho 100 e na hora de transferir para cá eu pergunto: ‘Quem descobriu o Brasil: Pedro Álvares Cabral ou Zé Mané? Se você acertar ganha 110, se errar… entendeu? Essas besteiras. Eu dou um sobrecrédito sobre o crédito ganho. É um jogo de habilidade também, não é só sorte.
Emílio – O que você tem que pensar é que nível de tolerância você pode ter?
Romano – Não meu amor, não meu amor. Eu levo você no Shopping Morumbi, você vai sentar comigo e vai cair teu queixo quando você ver eles fazendo corrida de cavalo, roleta, cascatinha e poker. Vai cair o queixo quando você ver isso. Bom, mas isso não importa. Descrédito: vai para um cartão. O conteúdo do cartão eu só troco por brindes, como no Shopping Morumbi. Vai desde boneca de pelúcia até ioió, guarda-chuva e moto. Eu não estou inventando nada. Como você é um cleinte fiel você quer levar seu cartão para casa para amanhã jogar. Se amanhã alguém te abordar e quiser comprar o seu cartão não é problema meu.
Emílio – Perfeito! Então não circula dinheiro e ponto final. Em não circulando dinheiro não há jogo.
´Não conheço quem pague a policiais´, diz empresário
Alvo da Operação Xeque-Mate, o empresário Raimondo Romano, dono de uma das maiores fornecedoras de peças para caça-níqueis do País, a Multiplay, negou com veemência as acusações de que praticou contrabando. Apesar de ter contra si um mandado de prisão, rebateu a condição de foragido. “Viajei a negócios antes de dessa operação.” Via rádio Nextel, Romano concedeu a seguinte entrevista ao Estado.
A PF acusa a Multiplay de ter adquirido máquinas caça-níquel de forma clandestina e de ter feito importações fraudulentas. O sr. praticou alguns desses crimes?
Eu não compro nenhuma mercadoria importada na minha empresa. Todas são compradas na praça, em São Paulo, em qualquer lugar do Brasil, com nota fiscal. Não importo nenhuma peça, não contrabandeio peças. É até um desprezo importar mercadoria para montar uma máquina, que teoricamente é um computador, que você pode comprar em qualquer lugar, inclusive em supermercado. É igualzinho uma máquina de informática, isso tem em qualquer esquina para comprar. O resto é o programa. O programa, sim, é a nossa inteligência, que a gente sai exportando programa para quem quiser, vendendo, alugando. Não fiz e nunca farei contrabando ou descaminho. Inclusive, tempos atrás, máquinas nossas foram locadas por outra empresa que tinha liminar As máquinas foram apreendidas com liminar. E nos acusaram das mesmas coisas. Mandamos toda a documentação pertinente ao caso. Estão insistindo no mesmo erro.
O sr. foi flagrado em escutas telefônicas falando do advogado Jamil Chokr. O pagamento de propinas a policiais é comum neste ramo?
Não conheço. Eu conheço o Jamil, o Jamil foi utilizado pela minha empresa há três anos para uma causa em Goiás. Ele não teve sucesso. Conheci há três anos, nunca mais o vi, não sei nada do Jamil. Comentei o caso dele como qualquer brasileiro estaria comentando e conjecturando da mesma forma que a imprensa conjecturou. Eu não posso falar que ele faz isso ou aquilo. Eu não conheço pessoas que paguem a policiais para operar máquinas. Mesmo porque, não estou à frente de operação, estou à frente de produzir máquinas.
OE