Para especialistas ouvidos pela Jovem Pan, questionamento é bastante instigante, mas pode estar relacionado com um certo ‘equilíbrio’ de Vladimir Putin sobre quando se livrar de opositores
A queda do avião em que o líder do grupo paramilitar Wagner, Yevgueny Prigozhin, estava e sua provável morte, na quarta-feira, 23, gera especulações sobre a causa do acidente, uma vez que as circunstâncias parecem indefinidas. As redes sociais russas, próximas da oposição ou ligadas ao grupo, concordaram com as primeiras análises dos centros de pesquisa ocidentais, para quem a vida do incontrolável mercenário estava por um fio desde o motim em junho. “Não importa as razões pelas quais o avião caiu, o mundo inteiro verá um ato de vingança e retaliação. O Kremlin não vai contestar esta visão”, disse Tatiana Stanovaya, fundadora da consultoria R. Politik. Na manhã desta quinta, as autoridades russas ainda não divulgaram nenhuma pista. As investigações senguem em aberto e, por enquanto, nem o Kremlin, nem o Ministério da Defesa fizeram quaisquer declarações.
O acidente envolvendo a aeronave em que Prigozhin estava não é o único caso que chama atenção na Rússia. Desde que a Rússia invadiu à Ucrânia em fevereiro de 2022, algumas mortes repentinas foram questionadas. Kristina Baikova, vice-presidente do Loko-Bank, caiu do 11º andar de um prédio em Moscou, e o milionário Pavel Antov, despencou da sacada do quarto em que estava hospedado na Índia. Foram encontrados mortos em suas casas — alguns juntos à família — Yuri Voronov, ligado à Gazprom, empresa estatal da área de energia, Sergei Protosenya, ex-vice-presidente da empresa de gás natural Novatek; o multimilionário Vladislav Avayev, Leonid Schulman, diretor da Gazprom; o milionário Mikhail Watford; Vasily Melnikov, dono de uma empresa do setor médico; e o bilionário Alexander Subboti. Alexander Tyulyakov, também ligado à Gazprom, foi encontrado enforcado nos arredores de São Petersburgo. Andrei Krukovsky, diretor-geral do resort de ski de Krasnaya Polyana, caiu de um penhasco na fortaleza de Aczipsinskoy.
Essas mortes geram o questionamento: por que o líder de oposição Alexei Navalny ainda não morreu? Para o cientista político Leandro Consentino, essa é uma pergunta bastante instigante. “Acho que é uma tentativa de equilíbrio do Vladimir Putin de se livrar de opositores e, ao mesmo tempo, não querer que todos morram para que não passe a imagem que muitos já tem dele de que não há possibilidade de fazer oposição na Rússia”, disse, acrescentando que Navalny acaba sendo um escape de salvo-conduto para garantir que o Estado não termina com seus opositores. “Mas serve de alerta a quem quiser se opor ao Putin de que algo pode acontecer de grave como Prigozhin.” Valdir da Silva Bezerra, mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo, pontua que, diferentemente dos demais que morreram, o político e advogado adquiriu notoriedade internacional bastante significativa ao longo dos últimos anos. “Isso pode ser um dos fatores que explicaria a relativa cautela com a qual o Kremlin decidiu tratar do caso dele e uma das razões pelas quais ele continua vivo.” O advogado tem um grau de simpatia e popularidade que angariou internacionalmente por conta de sua oposição a Putin e à corrupção na Rússia. “Esse capital reputacional não é encontrado em demais opositores do governo, que eram geralmente pouco conhecidos antes de serem vítimas de atentados suspeitos”, fala Bezerra.
No começo de agosto, Navalny foi condenado a 19 anos de prisão sob a acusação de “extremismo”, que se somam a outros nove por “peculato”. A Promotoria alegou que Navalny criou uma organização que minava a segurança pública mediante “atividades extremistas”. Para Consentino, a prisão pode ser uma segurança para o dirigente de oposição russa e lhe garantir uma certa segurança, algo que fora ele não teria. “Estando preso, ele está sob custódia do Estado. Uma morte dele é responsabilidade do Estado. Fora da prisão, a morte recai sobre outras questões como e deixa de se responsorialidade do Estado”, fala. Bezerra concorda. Ele relembra que há suspeitas de que o adversário do Putin tenha sido envenenado justamente por um agente químico em agosto de 2020 quando voava de Tomsk para Moscou. Porém, ele conseguiu sobreviver devido a rápidos cuidados médicos, sendo, inclusive, enviado à Alemanha para continuar seu tratamento. “O erro de Navalny foi ter retornado à Rússia tempos depois, mesmo sabendo que poderia ser preso assim que chegasse em solo russo”, pontua. O dirigente de oposição foi preso em 2021.
Para os especialistas ouvidos pela Jovem Pan, não existe uma resposta pronta e fácil que explicam o porquê essas outras pessoas, muitas delas bilionárias, estão na lista de mortes suspeita. “Especulam que estejam ligadas a questões políticas ou de indivíduos indesejáveis ao sistema”, diz Bezerram, acrescentando que “obviamente essa interpretação é reforçada pelo histórico de mortes prévias e bastante suspeitas de opositores do governo, que ocorreram dentro e fora da Rússia ao longo dos últimos anos”. Consentino observa que há grande suspeita de que essas “pessoas começam a ter um crescimento de influência maior dentro da Rússia e possam, eventualmente, fazer sombra ao presidente russo, que não é exatamente alguém que tolera críticas e novas lideranças que possam afrontar sua liderança e aí ela acabam sendo eliminadas”.
Ainda é cedo para pensar em qual será o impacto da suposta morte de Prigozhin na Rússia e até mesmo no Grupo Wagner. Contudo, os especialistas adiantam que deve impactar a cadeia de comando dos paramilitares para os próximos dias ou mesmo semanas. “Imagina-se que alguns de seus comandantes já tenham discutido a possibilidade de um cenário de morte de seu líder. Resta saber agora como o grupo irá se comportar para com o Ministério da Defesa da Rússia e também em suas operações na Ucrânia e no continente africano”, diz Bezerra. Consentino, enfatiza que toda morte de uma grande liderança traz algum impacto. “Acho que uma das eventuais possibilidades seria reforçar a imagem do Putin como alguém que não te comprometimento com a democracia, com respeito a diferença aos direitos humanos daqueles que discordam dele, mas pode ter consequência ainda mais graves”, fala. Para ele, o Grupo Wagner, ainda que acéfalo, pode ter outra liderança que talvez queira vingar a morte de Prigozhin e, de alguma forma, forçar uma nova rebelião ao Kremlin. “Não sei se isso é fácil e possa eclodir neste momento, mas é algo a ser considerado”, alerta Consentindo, concluindo que o ocorrido debilita um pouco a imagem internacional de Putin, sobretudo para quem pudesse acreditar que exista democracia e defesa de direitos humanos