Uma única dose do antiviral preveniu infecção em animais por 17 a 24 semanas; medicamento já tem ensaio clínico em humanos para terapia pré-exposição ao vírus
Um novo antiviral com ação de longo prazo contra o HIV obteve sucesso em um teste com macacos, relatam hoje cientistas que conduziram o experimento. Uma única aplicação do medicamento lenacapavir conseguiu proteger os animais por pelo menos 17 semanas, e estudos em humanos já estão em andamento.
O resultado do teste em símios, conduzido por pesquisadores da Universidade Harvard e do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), foi anunciado hoje em um estudo na revista científica Nature.
A droga, afirmam os cientistas, pode vir a ser uma alternativa para uso em terapias de profilaxia-pré exposição (PREP), hoje adotada em grupos sob alto risco de contaminação, mas que requer administração diária de drogas. A droga usada pelos pesquisadores, desenvolvida pela própria universidade, é um tipo novo de “inibidor de capsídeo”, que ataca a cápsula em que o vírus guarda seu material genético e o entrega à célula.
No estudo, os pesquisadores relatam que dividiram um grupo de 24 macacos em subgrupos que recebiam a droga em diferentes dosagens ou que recebiam placebo. Todos os animais foram inoculados com amostras do HIV semanalmente. Cinco de oito macacos conseguiram resistir à infecção por 24 semanas, enquanto no restante a droga durou ao menos 17 semanas. Entre os animais sob placebo, todos se infectaram.
Os números indicam que para o período total do estudo (168 dias), a eficácia da droga foi de 97%.
“Esses dados de prova de conceito justificam o desenvolvimento de inibidores de capsídeos para uma nova estratégia de profilaxia pré-exposição de longo prazo em humanos”, escreveram na Nature os cientistas do grupo, liderados por Samuel Vidal.
Dúvidas em aberto
Apesar do sucesso da droga, os cientistas afirmam que a etapa humana de testes é essencial para saber se ela teria sucesso, uma vez que as pesquisa de HIV tradicionalmente tem dificuldade em replicar em pessoas aquilo que é feito com cobaias.
Uma das limitações do estudo é que ele não foi feito com uma cepa tradicional do HIV, mas sim o SHIV, a versão do vírus que infecta símios. Na etapa de camundongos é necessária uma manobra experimental ainda maior, porque é preciso usar roedores geneticamente modificados que se infectam com HIV, um vírus adaptado apenas a primatas. Por causa disso, os pesquisadores não puderam também usar o mesmo lenacapavir aplicado a humanos, mas uma versão com pequena mudança na estrutura da molécula.
O sucesso do medicamento em macacos já havia sido antecipado em março pela Gilead mas só agora foi validado por cientistas que fizeram um estudo com revisão independente, o que eleva o grau de expectativa sobre o sucesso da droga.
O lenacapavir vem sendo usado em humanos para terapia antirretroviral em pacientes que já tem diagnóstico soropositivo, por isso não precisa passar por estudos de fase 1 (segurança) e 2 (sinais clínicos de eficácia) em humanos. Um teste de fase 3 (eficácia) na PrEP já está sendo conduzido com 3.000 voluntários pela Gilead e deve ter os primeiros resultados em 2024.
Segundo os cientistas a importância em se testar novos antivirais para PrEP, porque essa estratégia de combate ao vírus vem se mostrando eficaz, mas difícil de implementar na prática, com medicamentos de aplicação diária.
“Dados do mundo real confirmam uma redução significativa em nível populacional na incidência de HIV ponde a PrEP é bastante usada. Contudo, as estratégias de PrEP que dependem de administração frequente de medicamentes são limitadas pela baixa aderência, que no mundo real reduz o impacto sobre a transmissão do HIV”, escreveram os pesquisadores. “Agentes de PrEP de longo prazo podem reduzir as barreiras da administração diária de drogas, das interações frequentes de acompanhamento médico e do estigma que ronda as doenças sexualmente transmissíveis como o HIV.”