Quase duas mil páginas de documentos, encaminhados pelo juiz da Lava Jato ao TSE, indicam o uso de pagamento de propina nas campanhas de Dilma por meio de doações oficiais
Marcelo Rocha
Na última semana, veio à tona a informação de que o juiz Sérgio Moro enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em outubro, documentos relacionados à Operação Lava Jato a fim de subsidiar o processo na corte que investiga se dinheiro da corrupção na Petrobras abasteceu o caixa eleitoral da presidente Dilma Rousseff. É crime, se comprovada tal suspeita. E motivo suficiente para a cassação da chapa Dilma-Temer. Num ofício de três páginas, Moro destacou que, em uma de suas sentenças, ficou comprovado o repasse de propinas por meio de doações eleitorais registradas, o chamado caixa oficial. E apontou o caminho que o TSE deve trilhar para atestar o esquema, qual seja: ouvir os principais delatores. O que dá força e materialidade às assertivas de Moro são dez ações penais, anexas ao ofício enviado ao TSE, às quais ISTOÉ teve acesso. O calhamaço, com 1.971 páginas, reúne depoimentos, notas fiscais, recibos eleitorais e transferências bancárias. A documentação reforça que as propinas do Petrolão irrigaram a campanha de Dilma e que o dinheiro foi lavado na bacia das doações eleitorais oficiais. De acordo com as provas encaminhadas por Moro, a prática, adotada desde 2008, serviu para abastecer as campanhas de Dilma em 2010 e 2014.
Sobre a campanha de 2014, constam dos documentos em poder dos ministros do TSE uma troca de mensagens em que Ricardo Pessoa, da UTC, discute com Walmir Pinheiro, diretor financeiro da empreiteira, detalhes sobre a transferência de R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma. As mensagens indicam que as doações da UTC para a candidata à reeleição estavam diretamente associadas ao recebimento de valores desviados da Petrobras, estatal que é tratada por Pinheiro na conversa como “PB”. “RP (Ricardo Pessoa), posso resgatar o que fizemos de doações esta semana?? Ta pesado e não entrou um valor da PB que estava previsto para hj, +/- 5 mm”, questiona o executivo, que foi preso em novembro de 2014 durante a Operação Juízo Final. O dono da UTC concorda: “Ok. Pode”. Na papelada em exame pelo TSE, além das mensagens, há um registro à caneta confirmando os dois repasses de R$ 2,5 milhões à campanha de Dilma em 2014. Em depoimento à Justiça Federal, prestado no ano passado, Pessoa disse que foi persuadido a doar para a campanha à reeleição da presidente, sob pena de ver cancelados contratos milionários da UTC com a Petrobras. Segundo o empreiteiro, diante das pressões, as doações oficiais – via caixa um – para a campanha de Dilma foram acertados em R$ 10 milhões, mas apenas R$ 7,5 milhões foram pagos. A parte restante não foi depositada porque o empresário acabou preso pela Operação Lava Jato em novembro de 2014. Em setembro do ano passado, Pessoa esteve na Justiça Eleitoral para prestar depoimento, mas permaneceu em silêncio em razão das restrições impostas pelo acordo de colaboração firmado com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mas em petição o PSDB, por meio de seus advogados, insiste para que este material, envolvendo o dono da UTC, seja considerado pelo TSE.
E AGORA, TSE?
Para Sérgio Moro, tribunal deve ouvir delatores que confirmaram fraude eleitoral
Houve condenação em três das dez ações penais encaminhadas por Moro à Justiça Eleitoral. Especialistas ouvidos por ISTOÉ fazem o seguinte raciocínio: as mesmas provas que serviram para condenar quem pagou propina, e quem intermediou o pagamento, também devem servir para condenar quem se favoreceu do propinoduto. Um dos processos encaminhados por Moro implica severamente a primeira campanha de Dilma e ilustra o funcionamento do esquema. Trata-se do processo em que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi condenado por organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo a sentença assinada por Moro, comprovou-se que dinheiro ilícito foi lavado pelos acusados na forma de doação partidária. Entre 2008 e 2012, empresa ligada ao Grupo Setal, do delator Augusto Mendonça, repassou R$ 4,25 milhões ao diretório nacional do PT, dos quais R$ 1,6 milhão entre janeiro e julho de 2010, ano em que Dilma foi eleita presidente da República.
“Augusto Mendonça esclareceu que fez essas supostas “doações”, que eram pagamentos de propina, a pedido de Renato Duque (ex-diretor de Serviços da Petrobras) e com o auxílio de João Vaccari”, afirmaram os procuradores da República que integram a força-tarefa da Lava Jato no Paraná. “Cada pagamento era deduzido do montante de propina devido. O momento das propinas e os valores eram indicados por Renato Duque, enquanto as contas e Diretórios do PT que recebiam os pagamentos eram indicados por João Vaccari.” De acordo com os representantes do Ministério Público Federal, os repasses ao PT ocorrem em datas próximas a pagamentos liberados pela Petrobras aos consórcios Interpar e Intercom, dos quais faziam parte empresas do Grupo Setal. Segundo a documentação enviada pelo juiz da Lava Jato, as doações ao Diretório Nacional do PT foram feitas por empresas controladas por Augusto Mendonça, entre elas a PEM Engenharia.
Logo depois que a Petrobras efetuou pagamentos ao consórcio de empresas que integravam a Setal, foram realizadas quatro doações nos dias 7, 8, 9 e 10 de abril de 2010. Há registros de todas elas. Um dos recibos, ao qual ISTOÉ teve acesso, atesta o repasse de R$ 50 mil no dia 7 de abril de 2010 para o Diretório Nacional petista, responsável por centralizar as doações destinadas à campanha de Dilma. Ainda de acordo com o material disponibilizado por Moro ao TSE, “analisando as doações, chama a atenção que, para alguns períodos, eles aparentam ser alguma espécie de parcelamento de uma dívida, como as doações mensais de R$ 60.000,00 entre 06/2009 a 01/2010 ou entre 04/2010 a 07/2010”. Nos anexos da Lava Jato, obtidos por ISTOÉ, há os comprovantes de transferências bancárias pela Setal no valor de R$ 60 mil por meio da modalidade TED.
As evidências do pagamento de propina à campanha petista por meio de doações oficiais aparecem ainda no processo criminal, anexado por Moro, em que são acusados de corrupção e lavagem de dinheiro o ex-ministro José Dirceu e executivos da Engevix, empreiteira acusada de fazer parte do cartel que fraudou licitações da Petrobras. Em delação premiada, um dos donos da empresa, Gerson Almada afirmou que, a pedido do lobista Milton Pascowitch, ligado a Dirceu, efetuou doações ao PT “nas épocas das eleições ou em dificuldades de caixa do partido”. No conjunto de documentos, em análise pelo TSE a pedido do juiz da Lava Jato, há ainda uma ação em que constam como réus dirigentes da empreiteira Andrade Gutierrez. Nela, os representantes do MPF incluíram um organograma que revela um fluxo de R$ 9 milhões em propina, dos quais R$ 5,29 milhões teriam abastecido as arcas do PT. A iminente revelação das relações do governo petista com a Andrade tira o sono dos auxiliares da presidente. Recentemente, o PSDB, autor de ações contra Dilma na seara eleitoral, ingressou com uma petição no TSE pedindo que o conteúdo da delação premiada dos executivos da Andrade seja enviado à corte eleitoral. Este material promete ser tóxico para o Planalto. É que os executivos da empreiteira prometeram revelar informações sobre pedidos de doações eleitorais para a campanha de Dilma em 2010 e 2014.
GERENTE DELATOR
Pedro Barusco, ex-gerente da petrobras, confirmou repasses por meio de Vaccari
Além da ação de impugnação de mandato eletivo, a presidente responde no TSE a duas ações de investigação judicial eleitoral. As acusações atingem a chapa presidencial, incluindo, portanto, o vice, Michel Temer (PMDB-SP). A tendência é a de que a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do caso, reúna tudo num único procedimento. Cabe à ministra decidir também se leva adiante a sugestão do juiz Sérgio Moro de ouvir delatores da Lava Jato. No tribunal, a expectativa é que os delatores sejam chamados a depor. Entre eles, Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Augusto Mendonça. Os advogados do PSDB articulam estratégia de recorrer ao plenário, caso a relatora ignore os documentos encaminhados por Moro. A defesa de Dilma contesta a admissibilidade das informações relativas à Operação Lava Jato. Um dos principais argumentos apresentados pela defesa da presidente é de que a sugestão de que colaboradores da Lava Jato sejam ouvidos pelo TSE seria uma tentativa de contaminar o julgamento eleitoral a partir de uma investigação já em andamento na Justiça Criminal. Mera firula jurídica. Entre autoridades em direito eleitoral ouvidas pela ISTOÉ é unânime a avaliação de que é, sim, responsabilidade da Justiça Eleitoral analisar casos em que há indicações de abuso de poder econômico e político na arrecadação de fundos de campanha.
O ex-procurador-geral do Maranhão Ulisses César Martins de Sousa cita o Artigo 14 da Constituição, que prevê o cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo quando apresentadas provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. “Portanto, diante dos indícios de irregularidades é perfeitamente cabível o manejo da ação referida visando apurar a licitude – ou ilicitude – das doações eleitorais destinadas à campanha da presidente”, afirma. “Não se trata aqui de examinar o aspecto penal envolvido no exame da licitude de tais doações. A discussão busca apurar se tais doações configuram o abuso de poder econômico e político, que autoriza a cassação dos mandatos eletivos. Tal debate não depende do julgamento das ações penais onde também é apurada a ilicitude dessas doações.” A mesma avaliação é feita pelo sócio fundador do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE) e sócio do escritório Tosto e Barros Advogados, Eduardo Nobre. De acordo com ele, o entendimento adotado pela maioria do TSE ao reabrir a ação do PSDB que pede a impugnação dos mandatos de Dilma e Temer revelou que a Corte entende que é de sua alçada a investigação acerca da origem das verbas eleitorais.
NOVA FASE
TSE, que será presidido pelo ministro Gilmar Mendes, deve acatar
sugestão de Sérgio Moro para ouvir delatores da Lava Jato
Em parecer enviado ao TSE na semana passada, o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, rebateu a alegação dos advogados de Dilma e se manifestou favorável ao compartilhamento das informações da Lava Jato. De acordo com Aragão, é fajuto o argumento do PT de que a documentação não pode ser admitida como prova emprestada. Assim que esse arsenal de informações e documentos for admitido e reconhecido pelos ministros do TSE, a chapa Dilma e Temer correrá sérios perigos.
Colaborou Mel Bleil Gallo
FOTOS: IGO ESTRELA, AFP PHOTO/EVARISTO SA/AFP/EVARISTO SA; PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS, LINCON ZARBIETTI/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO; PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS; ALAN MARQUES/FOLHAPRESS; AILTON DE FREITAS/AGÊNCIA O GLOBOISTOÉ