quinta-feira, 21/11/2024
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Do giz ao computador, Bovespa completa 120 anos

A executiva Jamile Chaim, uma operadora da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), é uma representante dos novos tempos da corretagem de ações. Não precisa gritar para fechar um negócio, não trabalha em pé o dia todo e tem colegas mulheres na profissão. Ainda são poucas, mas começam a aparecer mais, o que mostra uma grande evolução na comparação com o começo, o tempo dos “homens de bengala e chapéu”.

A Bovespa comemora 120 anos nesta segunda-feira como terceira maior do mundo, atrás apenas das bolsas de Chicago (CME) e de Hong Kong em valor de mercado. A bolsa nasceu ainda no século 19, quando senhores barbados faziam pausas periódicas para o café e fechavam negócios em apenas meia hora de pregão. O ritmo de transações começou a se acelerar em meados da década de 1960, quando o governo federal reformou o sistema financeiro e criou as bases para as negociações como as conhecemos hoje.

O ambiente de negócios também tinha a marca elegante da época. Ainda nada de corretores em pé, se amontoando e acotovelando. Cada profissional tinha a própria cadeira de madeira nobre, com o nome gravado, na formação conhecida como “corbeille” – corretores ficavam dispostos em círculos ao redor de uma mesa.

Negócios registrados a giz

Os negociadores fechavam os negócios e passavam para os assistentes, que depois levavam as ordens para a corretora. Os telefones existentes funcionavam a manivela. “Todos os negócios eram registrados num painel, a giz. O funcionário da Bolsa subia em uma escada para marcar os novos negócios”, conta Antonio Stigliani, que trabalhou como operador durante 40 anos.

“Nos tempos de negociação ao vivo, todos os donos de corretoras se conheciam. Hoje, você pode passar anos sem encontrar os concorrentes”, diz o ex-operador Claudio Salles, hoje um dos sócios da Magliano Corretora. No século 20, as bengalas foram sendo aposentadas, mas a elegância e tradição continuaram. “Na década de 1960, os corretores ainda eram todos senhores de idade, nomeados pelo governador”, afirma Stigliani.

“As ordens eram dadas pelos investidores através de bilhetinhos, que jogavam para os operadores lá em baixo, sem o menor controle”, conta Wagner Salviano de Paula, o Waguinho, que operou para o lendário investidor Naji Nahas. “Para evitar os bilhetinhos, a Bolsa colocou vidros tipo blindex, então passamos a chamar aquilo de aquário, pois os clientes ficaram parecendo peixinhos com a cara nos vidros tentando saber o que se passava lá embaixo.”

Mercado cresce com reforma do governo

Com a reforma do governo, em meados de 1960, muita coisa mudou. O mercado cresceu e, a partir de agosto de 1967, a antiga “corbeille” abriu espaço para um conjunto de balcões de aço inox no formato de um avião. Começa a negociação em pé. Ainda assim, lembra Stigliani, eram apenas duas mulheres operando nas rodas.

Apesar das mudanças, os negócios demoravam mais para ser fechados e a liquidação também era mais longa. ”O pregão funcionava das 9 horas ao meio-dia, uma da tarde”, diz Airton Meira, que começou na Bolsa em 1965 e operou por 20 anos. Ele diz que, na antiga roda de ações, as empresas eram chamadas por ordem alfabética no pregão central. Quem colocasse primeiro a oferta levava. “Nossa máquina era o cérebro”, afirma Stigliani.

Os negócios de então eram fechados em boletos de papel e tinham de ser preenchidos em três vias. Uma branca para o vendedor, uma amarela para o comprador e a azul, que ficava para a Bolsa. Os boletos tinham o tamanho de um maço de cigarros, que, aliás, era permitido nas rodas, lembra Meira. No final do dia, o boy pegava a oferta e levava à corretora. “Havia mais ou menos umas cem corretoras autorizadas na época.” A liquidação de uma operação podia demorar cinco dias para acontecer.
Waguinho conta que os negócios eram fechados “na confiança”, já que ninguém sabia se possuía saldo financeiro a liquidar, ou se a contraparte iria honrar suas compras. Havia falta de controle e desorganização, e sempre acontecia de algum investidor deixar de honrar com a corretora, que não tinha garantia, e muitas vezes ficava no prejuízo.

“Apesar de tudo, fiquei apaixonado por aquela gritaria, aquele burburinho maluco, onde os operadores vestiam ternos ingleses, sapatos italianos e estacionavam seus carrões no pátio do colégio, em frente à bolsa de valores. Era um glamour total, inebriante, mexeu comigo inteiramente. Jurei naquele momento que seria um deles a qualquer custo”, lembra-se.

A maior parte dos investidores era composta por pessoas físicas e fundos de investimento. As fundações chegaram como ciclo de automação da Bolsa, na mudança de sede, do Pátio do Colégio para a Álvares Penteado, no centro de São Paulo, diz Sérgio Amaro de Lolio.

Chegam os negócios eletrônicos

Essa mudança ocorreu em 1972, quando a marcação de negócios a giz desapareceu, os boletos foram substituídos por cartões perfurados e os negócios passaram a ser registrados eletronicamente.
Apesar das melhorias, as corretoras ainda se comunicavam com os operadores por apenas um telefone, fixo. A autorização para uso do telefone móvel só veio em 1983. “Muitas pessoas ficaram com problema na coluna por causa disso”, diz Stigliani.

As notícias estrangeiras começaram a chegar mais, e a automação tornou as mesas das corretoras mais atuantes. “O desenvolvimento do sistema operacional deu ênfase às corretoras, e os operadores passaram a funcionar como teleguiados das mesas”, conta Lolio. Na prática, o operador perdeu o poder de decidir os preços das ações, que passaram a ser definidos pela mesa de operações.

Eles também abandonaram as bengalas e os chapéus, mas mantiveram o costume de comprar sapatos na argentina e mandar fazer ternos na Itália. “Era um negócio tradicional. A maioria deles vinha de famílias quatrocentonas”, afirma Luiz Antonio Vaz das Neves, hoje sócio da KNA Consultores. Muitas vezes, as “obras de arte” encomendadas na Europa voltavam para casa com furos de cigarro, riscos de caneta ou botões faltando, em razão do empurra-empurra dos momentos mais tensos do pregão.

Rua 15 de novembro, última casa

As aglomerações nas rodas de negociações continuaram até a década de 1990, quando a Bolsa se mudou para o último endereço com pregão viva-voz, na Rua 15 de Novembro. Foi a época da entrada dos investidores estrangeiros, quando Fernando Collor, então presidente, tomou medidas para abrir a economia brasileira.

Apesar do aumento no número de negócios, a máquina venceu o homem na negociação de ações no Brasil. Cada vez mais poderosas, as mesas – de onde Jamile agora fecha seus negócios – tomaram para si os negócios, e o pregão com operadores terminou – de maneira melancólica – em 2005.

Aline Cury Zampieri, iG São Paulo

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