Quem vê Diogo Rincón hoje em dia, com corrente de prata e sorriso no rosto, nem imagina o quanto ele sofreu na infância. O jogador, avaliado em 3 milhões de euros (R$ 7,5 milhões) pelo Dínamo de Kiev, viu pai e mãe passarem fome para ele e o irmão comerem.
O cardápio não mudava: um prato com pouco arroz e feijão encorpado com muita farinha em um dia. No outro, polenta pura – água com fubá.
Para piorar, nos cruéis invernos de Porto Alegre os pais, auxiliares de limpeza, se cobriam com jornal enquanto ele e o irmão tentavam dormir no mesmo colchão de solteiro, que ficava no chão. Em cima dos dois, as poucas roupas gastas da família – não havia dinheiro para comprar cobertores.
“Fomos mendigos dentro da nossa própria casa. Sofremos muito. Meus pais foram heróis”, disse com água nos olhos o meia de 28 anos, que fará sua estréia no Corinthians domingo, contra o Palmeiras.
Em uma conversa franca com a reportagem, Diogo Rincón revela como o futebol se tornou um pequeno milagre para sua sofrida e honrada família.
JT – O quanto foi difícil sua infância em Porto Alegre?
Diogo Rincón – Foi difícil, terrível. Fomos pobres de verdade. Os meus pais não comiam, para que eu e o meu irmão pudéssemos comer. Morávamos em uma casa com dois cômodos na periferia de Porto Alegre. Sofríamos ainda mais no inverno. Eu e o meu irmão dormíamos no chão em um colchão de solteiro. Não tínhamos cobertas. Então, a minha mãe jogava todas as poucas roupas que tínhamos em cima de nós para aquecer. Eles pegavam jornais e se cobriam. Foi duro demais. Meus pais foram heróis.
O futebol foi a saída?
Foi. Meus pais trocavam de emprego, mas sempre simples. Meu pai deixou de ser auxiliar de limpeza e virou pedreiro. Minha mãe foi ser doméstica. Mas eles foram rígidos, exigiam que eu e meu irmão estudássemos. O futebol mudou tudo. Eu e o meu irmão fomos fazer testes no Internacional. Eu passei e fiquei. A partir daí, nossa vida deu uma virada. Acabou o sofrimento.
Mas você não tinha desnutrição?
Em casa, meus pais não comiam para que eu e meu irmão pudéssemos ter um prato de arroz com feijão encorpado com muita farinha. Ou então polenta. Comi muita, mas muita polenta. Nem pensar em carne. Talvez por isso hoje eu tenho de fugir das churrascarias, para não ficar comendo a carne que deixei de comer na infância.
Foi quando ganhou o apelido de Rincón. É verdade que espancou vários garotos por causa do apelido?
Eu odiava ser chamado de Rincón. Tinha meu nome, por que Rincón? E o pior é que, cada vez que eu brigava, mais grudava o apelido. Até que me acostumei. Ficou bom Diogo Rincón. Mas só Rincón nem pensar.
Ronaldinho atrapalhou a sua carreira?
Sem querer, sim. Eu e ele éramos convocados para as seleções de base. Só que ele era um jogador talentoso e acrobático. O Grêmio o lançou no time profissional. A rivalidade fez com que o Inter me lançasse precocemente na equipe. Se o Grêmio tinha um jovem talento, o Inter tinha de responder a altura. Isso me atrapalhou muito.
Você sofreu no Dínamo de Kiev?
Foi muito duro. Os jogadores ucranianos se fechavam entre eles. Tinham medo de perder espaço para os estrangeiros. Fiquei seis anos lá, fui muito bem. [Ganhou três vezes o Campeonato Ucraniano, venceu a Copa e a Supercopa da Ucrânia. Foi duas vezes eleito o melhor jogador do Leste Europeu. A Federação Ucraniana tentou a sua naturalização, mas ele não quis.]
É duro ir bem na Ucrânia e estar esquecido no Brasil?
Frustrante. Tive de fazer o que não queria. Contratei uma assessoria de imprensa para divulgar o que eu fazia por lá. Qualquer notinha nos jornais era bom, para o pessoal lembrar que eu estava vivo.
Como é que indo tão bem conseguiu sair de lá?
Fui direto ao presidente e falei que queria voltar ao Brasil. O clube havia recusado me vender para a Espanha e para a Alemanha. Então surgiu o Corinthians. Eu quero jogar na seleção brasileira. Sei que tenho futebol para isso. Então acertei minha volta. O presidente reconheceu tudo o que fiz pelo Dínamo e me liberou.
O que significa o Corinthians?
A maior aposta da minha vida. Cada treino será como um jogo. Vou mostrar do que sou capaz.
Muita gente está esperando um jogador forte, truculento. É isso?
Não. Eu tenho 1,85 metro e peso 85 quilos. Mas sou muito técnico [no Dínamo, marcou 65 gols em 169 partidas]. Sou um meia ofensivo. O Mano me conhece. Quando ele me viu foi direto: “Negão, você trouxe os seus gols com você?” Disse que sim. “Então, estou tranqüilo”, respondeu o Mano. Senti muita confiança dele em mim.
A imprensa gaúcha garante que você tem a personalidade forte. Não admite provocações.
Sou uma pessoa direta, séria. Não admito mentiras a meu respeito. Mas eu estou muito mais maduro. A paternidade me ajudou a manter o foco no que é importante para a minha vida.
Qual a sensação que tem ao saber que seu filho Vitor Augusto não vai enfrentar as dificuldades que você sofreu na infância?
Alívio. Sinto o quanto os meus pais devem ter sofrido por não ter dinheiro para dar uma vida melhor, mais confortável, para mim e para meu irmão. Mas esse sofrimento acabou. Graças a Deus e ao futebol.