domingo, 22/12/2024
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Dilma sob pressão das ruas

Quando foi reeleita por uma margem apertada, em outubro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff sabia que não teria vida fácil pela frente. Passados menos de 100 dias do início de seu segundo mandato, Dilma descobriu que tudo seria ainda muito pior. Em um período incrivelmente curto, a economia desmoronou, o escândalo do petrolão fez da corrupção o grande tema nacional, o Congresso decidiu ser oposição e até antigos aliados andaram açoitando as tentativas de correção de rumo anunciadas pelo governo. Nos últimos dias, a crise sem fim enfrentada por Dilma atingiu um novo patamar.

 

As ruas resolveram gritar – e fizeram um barulho danado. A revolta começou com o panelaço do domingo 8, continuou nas vaias endereçadas à presidente em eventos oficiais, avançou pelos protestos da sexta-feira 13 e deve ganhar ímpeto extra nas manifestações generalizadas programadas para o domingo 15. A despeito do tamanho que os protestos possam vir a ter – e tudo indica que eles serão muitos –, a presidente terá daqui por diante que enfrentar seu desafio mais incômodo: a voz estrondosa de um contingente enorme de brasileiros.

A nova onda de manifestações tem uma característica diferente dos protestos que tomaram o Brasil em junho de 2013. Daquela vez, a revolta começou com o aumento da tarifa do transporte público, que é responsabilidade dos governos estaduais e municipais. Depois, ela ganhou a adesão de tantos grupos que defendiam bandeiras tão opostas que acabaria se tornando difusa demais, a ponto de ser difícil identificar qual era o ponto que as unia. Agora, a situação é outra. O clamor popular tem dois alvos únicos e bem específicos. O primeiro atende pelo nome de Dilma Rousseff. O segundo, pela sigla PT. Uma amostra disso foi o panelaço em reação ao pronunciamento da presidenta no domingo 8, quando se comemorava o Dia Internacional da Mulher. Tão logo Dilma começou o discurso, no qual pediu “paciência” com o fraco desempenho da economia e a alta inflação, milhares de pessoas em ao menos 12 capitais foram às janelas de suas casas com colheres e panelas. O batuque feito com utensílios de cozinha foi reforçado por buzinas, vaias e xingamentos.

Ao contrário do que aconteceu em junho de 2013, desta vez Dilma não tem com quem dividir responsabilidades. Ela é o foco. Não é preciso muito esforço para calcular os riscos inerentes a processos desse tipo. Depois que as manifestações populares começam, elas tendem a aumentar e ninguém sabe ao certo onde vão parar. Não é à toa que são chamadas de “ondas de protestos.” Pois funcionam exatamente como ondas, varrendo tudo e se tornando cada vez maiores e mais influentes.

As marchas atuais contra Dilma surgiram de forma espontânea na internet no fim de fevereiro, no rastro das greves nacionais de caminhoneiros e professores, e ganharam força depois da tentativa do PT de convocar um ato em “defesa da Petrobras”. O chamado petista teve efeito adverso e fez lembrar o erro cometido por Fernando Collor em 1992. Alvejado por uma série de denúncias, Collor pediu que “os patriotas de verdade” saíssem à rua de verde e amarelo, num sinal de apoio ao governo. Os brasileiros fizeram o oposto. Milhões deles – a maioria jovens – varreram o País vestidos de preto e com os rostos pintados. Os protestos dos caras pintadas só terminaram com o impeachment de Collor. Desta vez, o pedido do PT despertou a massa virtual. Em resposta, começaram a circular nas redes sociais mensagens clamando as pessoas para ir às ruas. A reação foi catalisada por grupos como o “Vem Pra Rua”, o “Movimento Brasil Livre” (MBL) e os “Legalistas”, que têm em comum o discurso anti-PT (leia reportagem à pág.44). Os protestos deste domingo, porém, não se restringem a eles. Profissionais liberais, estudantes, famílias inteiras e gente sem nenhuma filiação partidária se organizaram de forma autônoma para engrossar o caldo social.

Acuado, o governo tem defendido a tese do golpismo. Na semana passada, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, atribuiu o panelaço a uma iniciativa orquestrada pela oposição. “No Brasil, só tem dois turnos, não tem terceiro. A eleição acaba quando alguém vence, e nós vencemos”, afirmou. Mercadante chegou a dizer que os protestos estavam restritos a bairros onde Dilma havia perdido a eleição. A declaração foi acompanhada de nota do secretário nacional de Comunicação do PT, Alberto Cantalice, que classificou o episódio de “orquestração golpista” dos “principais setores da burguesia e da classe média alta”.

A tese petista parece desconectada da realidade e só serviu para ampliar o coro dos insatisfeitos. O discurso de luta de classes, que o PT gosta tanto de explorar, foi logo desmontado com a divulgação na internet de vídeos caseiros do panelaço feitos por pessoas de diferentes faixas de renda, oriundas tanto de bairros pobres como de regiões ricas das grandes cidades. Ao tentar emendar as declarações de Mercadante e Cantalice, Dilma deu outra bola fora, relacionando a tese do “terceiro turno” com um suposto rompimento da ordem democrática. Nos dias seguintes, as redes sociais foram novamente tomadas de críticas e protestos. Os números de postagens associando o nome Dilma a termos como “impeachment” e “panelaço” dispararam e menções negativas à presidente chegaram a representar 87% de todo o tráfego digital, segundo levantamento da empresa Scup, especializada no monitoramento e análise de mídias sociais.

No dia seguinte ao panelaço, cerca de 150 empresários e representantes de todas as centrais sindicais se reuniram na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Antes do encontro, o tema das conversas foi o impacto das manifestações na popularidade de Dilma. Num ambiente majoritário de eleitores de Aécio Neves, o sentimento era um misto de insatisfação política com temor econômico. “Entendemos a revolta da população com o ajuste fiscal. Mas se essa fogueira pegar, iremos todos nos queimar”, disse Carlos Pastoriza, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Após duas horas, empresários e sindicalistas se uniram em torno de três bandeiras: contra os juros altos, a elevação de impostos e o excesso de gastos públicos. A redução dos subsídios fiscais às empresas foi lembrada pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf. “Não somos contra o ajuste fiscal, mas não abrimos mão da desoneração da folha de pagamentos”, disse.

Na terça-feira 10, como se ainda desdenhasse do panelaço, Dilma foi surpreendida com vaias e gritos de “fora PT” por parte de expositores e funcionários da Feicon-Batimat, a maior feira de construção civil da América Latina, realizada no Anhembi, em São Paulo. No momento em que chegou, não havia público – apenas expositores estavam lá –, o que certamente evitou um constrangimento maior. Graças à acolhida nada cortês, a presidente encurtou o discurso para executivos do setor. Repetiu sua defesa do ajuste fiscal e fez referências ao crescimento da construção civil – no governo Lula. A tendência é que Dilma seja mais cautelosa nos próximos dias. Ciente da gravidade da situação, ela cancelou sua agenda e passará o domingo recolhida no Palácio do Alvorada. Uma equipe formada pelos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça), Jaques Wagner (Defesa) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), além de Thomas Traumann (Comunicação Social), fará o monitoramento dos protestos e passará relatórios sobre os desdobramentos.

 

No campo político, a tese do impeachment tem sido defendida por partidos de oposição, como DEM e Solidariedade (leia reportagem à pág. 48). O deputado federal Paulinho da Força (SDD/SP) espera colher assinaturas de 1 milhão de pessoas em prol da saída da presidente. “Estamos convencidos de que Dilma não tem mais condições de tocar o Brasil”, diz Paulinho. Para embasar o pedido de afastamento , ele está reunindo pareceres de um grupo de juristas. Foram consultados nomes como Adilson Dallari, Cássio Mesquita Barros, Sérgio Ferraz e Modesto Carvalhosa. Uma petição disponibilizada no site do partido acusa Dilma de “omissão culposa” na compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que teria ocasionado um prejuízo à Petrobras de US$ 800 milhões. Na ocasião, ela presidia o Conselho de Administração da estatal.

Principal legenda da oposição, o PSDB evita falar em impeachment, mas declara apoio irrestrito às manifestações. “O que nós combatemos é o estelionato eleitoral de um governo que agora toma medidas no campo oposto daquelas que defendia durante a campanha eleitoral”, afirma o senador tucano Aécio Neves (MG). Ele lembra que, em dois meses, houve três aumentos consecutivos de combustíveis, a inflação acumulada extrapolou o teto da meta e o dólar disparou acima de R$ 3. Para tentar conter a escalada inflacionária, o Banco Central elevou as taxas de juros, o que reduz a oferta de crédito. “O clamor social é um aviso. Os políticos enxergam as manifestações como um termômetro”, avalia o cientista político Gaudêncio Torquato.

A desconfiança do eleitorado sobre a real capacidade de Dilma na recondução do País ao crescimento tem sido reforçada pela forma atabalhoada com que administra a economia. A falta de traquejo no trato com o Legislativo e os desdobramentos do escândalo do petrolão – que arrastaram o PT e sua base para o banco dos réus – completam o cenário desolador. Agora, o rosário de desculpas do governo está esgotando. O PT parece ignorar que Dilma foi eleita com 51,64% dos votos, o que por si só indica um cenário político polarizado. A última pesquisa do Datafolha mostrou que a popularidade da presidente despencou, enquanto sua rejeição subiu. Cerca de 60% dos entrevistados acham que Dilma mentiu na campanha, 47% a consideram desonesta e 54%, falsa. Outros 50% avaliam a chefe da nação como “indecisa”.

Para tentar reverter a agenda negativa, Dilma voltou a se aconselhar com Lula, que recomendou mudanças na articulação política. A pupila dessa vez cumpriu o combinado, deixando Mercadante apenas com assuntos da Casa Civil e entregando a relação com o Congresso aos ministros Gilberto Kassab (Cidades), Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia) e Eliseu Padilha (Aviação Civil), além de Pepe Vargas (Relações Institucionais), que já figurava como responsável pelas negociações políticas. A equipe do Planalto armou estratégias de defesa. Uma delas consiste em programar viagens da presidente para regiões onde desfruta de apoio popular. O primeiro teste foi no Acre, na semana passada. Nos próximos dias, as sedes regionais do PT serão responsáveis por organizar caravanas de recepção para a presidente. O Palácio do Planalto decidiu também aumentar a equipe que monitora as redes sociais para evitar surpresas e protestos inesperados, além de iniciar uma reaproximação com entidades e movimentos sociais. Parece pouco diante da avalanche que pode vir por aí.

Com reportagem de Izabelle Torres e Ludmilla Amaral

Fotos: Orlando Brito; Bruno Stock, Alberto Wu/Futura Press/Folhapress, Masao Goto Filho/Ag. Istoé; Clayton de Souza/Estadão Conteúdo; Movimento Xingu Vivo; Marcelo D’sants/Frame/Ag. o Globo.

 

 

IstoÉ

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Parmenas Alt
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