Num dos primeiros atos do segundo mandato, em 2015, a presidente Dilma Rousseff vetou a proposta do Congresso para corrigir o Imposto de Renda por um índice mais próximo da inflação, alegando falta de espaço fiscal. No início deste ano, a escassez de recursos justificou o veto do reajuste ao Bolsa Família, proposto no Orçamento. Por mais que não estivesse inteiramente convencida do desafio nas contas públicas, Dilma vinha sendo confrontada por uma inédita sequência de déficits nos cofres federais.
O rombo não parou de piorar e já chega a R$ 120 bilhões no acumulado em 12 meses, até março. Mesmo assim, o governo adotou uma nova postura e anunciou, no Dia do Trabalho, medidas semelhantes àquelas anteriormente rejeitadas. O que mudou? A oportunidade de deixar no colo de Michel Temer a responsabilidade de administrar as bombas fiscais, diante de um afastamento iminente, a ser votado pelo Senado nos próximos dias. O tema entrou no radar de preocupações da equipe do vice-presidente da República. A ordem é acompanhar com lupa as últimas medidas para identificar o tamanho da conta e como lidar com elas.
O reajuste de 9% do Bolsa Família e a correção de 5% na tabela do Imposto de Renda, anunciados no ato dos trabalhadores, geram um custo adicional de ao menos R$ 6 bilhões. Desde janeiro, a Fazenda vinha resistindo às pressões para fazer os ajustes num momento em que o governo tentava recompor receitas. Em 2015, sob o comando de Joaquim Levy, a equipe econômica havia tentado defender uma correção menor para a correção do Imposto de Renda, de 4,5%, mas acabou adotando um escalonamento diante das pressões. A mudança gera um custo para os cofres públicos porque amplia a faixa de pessoas que do Imposto de Renda, de 4,5%, mas acabou cedendo a um escalonamento que teve um impacto maior.
Os reajustes oneram a União porque ampliam a faixa de contribuintes que podem se enquadrar como isentos e nas fatias com as alíquotas menores. O custo extra da correção será de R$ 5 bilhões em 2017. Tornar o sistema tributário mais justo ou ampliar os recursos para as famílias mais pobres são reinvindicações permanentes de sindicatos e movimentos sociais, com amplo respaldo na sociedade. Mas esbarram nas restrições orçamentárias impostas pela fragilidade atual da economia, como sinalizava o governo até então. Daí porque a mudança vem sendo avaliada como uma reação ao processo de impedimento da presidente.
“Num ambiente de impeachment, no qual quem está saindo não quer sair, a estrutura contábil falha do País torna propício se fazer isso”, afirma Gustavo Fernandes, da FGV. “Como é uma transição conflituosa, falta maturidade para entender que, apesar do impeachment, haverá um novo governo daqui dois anos, e outro daqui seis anos.” O pacote de bondades de Dilma inclui subsídios adicionais ao Plano Safra e Minha Casa, Minha Vida e pode até contemplar promessas de reajustes excepcionais a servidores. O custo total das medidas é estimado em ao menos R$ 10 bilhões e pode alcançar até R$ 14 bilhões.
Na corrida final do impeachment, o governo tentou, por exemplo, aprovar um crédito extra de R$ 100 milhões para publicidade institucional. Mas a tentativa foi vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que não se tratavam de despesas imprevisíveis e urgentes ao País. Foi deflagrado também um esforço para ampliar e tornar perenes bandeiras tradicionais do partido, como o programa Mais Médicos. Ele foi prorrogado até 2019, no final de abril, em meio a críticas das associações de saúde brasileiras, que classificaram a medida de populista e partidária.
Recentemente, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, admitiu avaliar uma expansão no teto de beneficiários do programa Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Como forma de atenuar o impacto dos anúncios, o governo lançou mão de aumento de impostos – a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a compra de dólar em espécie subiu de 0,38% para 1,1% –, num expediente amplamente rechaçado pela opinião pública. “Tomamos medidas que garantem um aumento na receita para viabilizar esse aumento do Bolsa Família”, afirmou a presidente. “Tudo isso sem comprometer o cenário fiscal, que eles gostam muito de dizer que comprometemos.”
Para os conselheiros de Temer, os anúncios são incompatíveis com o momento atual do País e podem até ser revisados. “Na hora que o Orçamento é deficitário, que os dados macroeconômicos são negativos, isso impacta no aumento do desemprego e na dificuldade das famílias”, afirmou o senador Romero Jucá (PMDB-RR), cotado para o Ministério Planejamento. Se decidir levar adiante o desarme fiscal das últimas medidas, Temer enfrentará o primeiro teste no Congresso. A tendência natural é de que os parlamentares não concordem em reverter ações populares como aumento do Bolsa Família.
A expectativa de um apoio considerável no Legislativo é o grande capital político do vice-presidente, embora o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na quinta-feira 5, possa embaralhar esse jogo (leia reportagem aqui). Dele dependem as principais reformas e projetos que podem sinalizar uma melhora da economia no futuro. O peemedebista já deu os primeiros sinais do que está disposto a fazer para ter o Congresso a seu favor, ao abrir mão de uma redução mais ambiciosa no número de ministérios.
A previsão inicial era tomar posse com pouco mais de 20 pastas, ante as 32 atuais. Seria o primeiro cartão de visitas do novo governo, mas a redução final deve ser de menos de cinco pastas. “Enquanto houver esse arquipélago partidário, será muito difícil cortar”, diz Gaudêncio Torquato, consultor político de Temer há 30 anos. “Se tiver uma base congressual para abrir as reformas, aí compensa. Daí porque mexer com a régua dos ministérios.”
NOVO GOVERNO O ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é nome certo para a Fazenda. Ele abrirá a locução, no primeiro momento, para acalmar o mercado, sinalizar o desmonte da nova matriz econômica e fixar os novos pilares da área. “A força que o Temer quer dar à iniciativa privada vai aparecer logo na criação da Secretaria da Infraestrutura, que vai cuidar das concessões e PPPs”, afirma Torquato. “Ele é muito mais simpático à ideia do Estado adequado, de tirar aquilo que não é função dele e tem sempre falado em democracia da eficiência.”
Enquanto nomes como o da ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, vão se consolidando para a nova equipe, falta apontar um substituto para Alexandre Tombini, presidente do Banco Central. Para a vaga, estão no páreo o economista-chefe do Banco Itaú, Ilan Goldfjan, e o ex-diretor da instituição, Mário Mesquita (leia mais aqui). A bolsa de apostas para a equipe econômica traz nomes como o de Mansueto Almeida, na Secretaria do Tesouro Nacional. Um dos maiores especialistas em contas públicas hoje no País, Almeida entende como poucos o tamanho do desafio fiscal.
“É muito difícil transformar, nas circunstâncias atuais, um déficit de R$ 120 bilhões em superávit olhando para 2018, mas é necessário pelo menos sinalizar de forma muito clara que esse déficit vai ser menor a cada ano”, afirma. Para ele, Temer terá o benefício da dúvida do mercado e poderá ter a janela de otimismo estendida se conseguir passar uma agenda positiva no Congresso (leia entrevista ao final da reportagem). A eventual trajetória de poder do PMDB será definida nesta semana, com a votação no Senado.
No texto de 126 páginas, o relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) afirma haver indícios suficientes de ofensa à Constituição, a partir do passivo acumulado pela União com bancos públicos e dos R$ 95,6 bilhões em decretos de créditos suplementares editados sem aval do Congresso. No texto, Anastasia afasta a tese de golpe defendida pelo governo. “Nunca se viu um golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF.”
Na comissão especial do impeachment, Dilma foi defendida por ministros e pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcello Lavère. “No caso de Collor, havia crime, e agora, não existe”, afirmou o advogado. Em visita ao Pará, na quinta-feira 5, a presidente acusou Temer de ser um “usurpador de poder”. Os eventos públicos têm sido usados pelo governo para reforçar a narrativa de golpe. Ao contratar gastos a dias da votação, Dilma tenta pagar na mesma moeda. Não deixa de ser uma trama para tumultuar a sucessão, como um legado incendiário nos moldes do ataque de que acusa ser vítima.
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“É preciso sinalizar que o déficit será menor”
Mansueto Almeida, especialista em contas públicas e cotado para compor a equipe de Temer, acredita que sinalizações positivas podem sustentar a confiança
A prioridade de Temer é resgatar a confiança. Como fazer isso?
Ele já começa com uma expectativa bem positiva, com o benefício da dúvida do mercado. Se começar a aprovar uma agenda positiva no Congresso, melhora. Ninguém espera um ajuste completo, mas que comece a solucionar o problema fiscal, o maior desequilíbrio do País.
Qual é a medida mais importante?
É começar a dar sinalizações positivas. É muito difícil transformar, nas circunstâncias atuais, um déficit de R$ 120 bilhões em superávit. É necessário pelo menos sinalizar, de forma muito clara, que esse déficit vai ser menor a cada ano. Para atingir um superávit de 2% do PIB em 2018 seria necessário um esforço de 4% do PIB, ou R$ 240 bilhões em dois anos.
A janela de oportunidade é curta?
Ele tem uns cinco meses, mas se começar a passar medidas como a mudança de marco regulatório e as concessões, o tempo pode ser maior.
Se você estivesse na equipe do Temer, estaria preocupado com essas últimas medidas da Dilma?
Todo mundo está, mas o que ele precisa lidar é com a questão estrutural porque é muito difícil fazer um equilíbrio fiscal forte em plena recessão.
A formação de ministério já se mostrou um duro teste político.
Tem de pegar esse ministério amplo e transformar em apoio político. Se esse for o preço a pagar, melhor. Porque fechar um ou dois ministérios não faz muita diferença no ajuste.
Fonte:IstoéDinheiro Por: Gabriel Baldocchi