Os presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) transformaram o primeiro debate do segundo turno da eleição presidencial em palco para a troca de acusações e duras críticas. Em um embate que se estendeu por todos os blocos do programa, a petista e o tucano se revezaram em menções à polêmica sobre aborto, às denúncias de corrupção que atingiram a Casa Civil do governo Lula e à política de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso.
A decisão de Dilma de partir para o ataque contra Serra já era prevista pela campanha petista, como adiantou o iG. O confrontou esquentou logo na primeira pergunta, quando Dilma abordou Serra dizendo ser vítima de uma campanha baseada em “calúnias”. “Sua campanha procura me atingir por meio de calúnias, mentiras e difamações”, disse Dilma, acusando o vice do adversário tucano, deputado Indio da Costa (DEM-RJ), de reunir grupos de discussão com o objetivo de explorar eleitoralmente “questões religiosas”. Serra reagiu: “Vocês confundem verdades ou matérias de jornais com ataques orquestrados”.
Dilma não negou o apoio à descriminalização, mas investiu na tese de que se trata apenas de evitar que mulheres que tenham sofrido complicações por realizarem clandestinamente o procedimento não corram o risco de serem presas ao buscarem socorro.
A petista também acusou Serra de ter “mil caras” e disse que o rival se tornou alvo de investigação por tê-la acusado de montar um dossiê. “Você é réu por calúnia e difamação. Você está caminhando para entrar na Ficha Limpa”, rebateu a petista. Dilma ainda mencionou o fato de a mulher do tucano, Mônica Serra, ter dito que a petista é “a favor de matar as criancinhas”. “Eu não concordo com a fala da sua senhora. É uma coisa antiga”, afirmou.
Os dois baixaram o tom por alguns minutos, após Serra questionar Dilma sobre segurança pública. Pouco depois, entretanto, a petista retomou os ataques. “O senhor deveria olhar o seu assessor Paulo Vieira de Souza, que fugiu com R$ 4 milhões de dentro da sua campanha”, provocou, em referência a denúncias envolvendo um suposto desvio de recursos comandado por Vieira, que foi diretor da Dersa.
Dilma manteve o tom em alta no segundo bloco, ao lembrar que Serra normatizou a realização do aborto nos casos autorizados pela atual lei – a regra atual, que data de 1940, autoriza o procedimento nos casos de estupro e de risco à vida da mãe. “Agora, precisamos saber se vamos partir para a hipocrisia”, ironizou a petista. “Eu lamento as suas mil caras”, reforçou. Indiretamente, Serra criticou Dilma por ter sido indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a corrida presidencial. “As pessoas sabem que eu tenho cabeça própria, não fui pinçado por ninguém”, disse.
Privatização
Enquanto o aborto e as denúncias de corrupção predominaram no primeiro bloco, no segundo Dilma trouxe para a discussão o tema das privatizações. A petista abriu falando sobre a Petrobras. Elogiou a recente capitalização da companhia e criticou a administração da empresa sob a gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso. “É só voltar a campanha eleitoral que o PT volta neste assunto”, rebateu Serra, queixando-se de ser criticado pelo PT pelas privatizações. “O PT colocou o Banco do Brasil na Bolsa de Nova York e aumentou o capital privado no Banco”, disse Serra.
Dilma queixou-se da tentativa do governo FHC de mudar o nome da Petrobras para Petrobrax. Serra respondeu dizendo sempre ter se comprometido com a companhia e alegando que o atual presidente do PT, José Eduardo Dutra, que presidiu também a Petrobras, elogiou medidas do governo tucano em relação à empresa. Dilma, em seguida, reforçou o discurso antiprivatização. “Vocês achavam que era uma vergonha não privatizar.”
O tucano afirmou que se não houvesse privatização na área de telefonia, o Brasil seria o “País do “orelhão”, que Dilma rebateu dizendo “o Brasil não é o País do “orelhão”, mas o da banda larga”.
Serra prometeu “reestatizar os Correios”, que segundo ele passou a servir aos interesses dos “companheiros”. Prometeu ainda fortalecer a Petrobras e outras instituições públicas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).
Segundo a emissora, o debate deste domingo teve média de audiência de 4 pontos e pico de 6 pontos, segundo o Ibope.
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Chegada
Aliados dos dois candidatos começaram a chegar aos estúdios da Band por volta das 21 horas. Um dos primeiros a aparecer foi o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), seguido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e o senador eleito Aloysio Nunes Ferreira (PSDB). Também estiveram entre os primeiros a comparecer ao encontro nomes como a senadora eleita Marta Suplicy (PT) e o deputado Michel Temer (PMDB).
Dilma foi a primeira dos presidenciáveis a chegar, pouco após as 21 horas. Na entrada, a petista falou sobre a busca pelos votos da senadora Marina Silva (PV), eliminada no primeiro turno. “Eu acredito que a minha proposta é de mudança”, disse Dilma, alegando que não evitará discutir assuntos polêmicos. “Acho que os temas polêmicos, se aparecerem, têm de ser todos discutidos.”
Serra chegou ao estúdio da emissora às 21h45, apenas 15 minutos antes do início do debate. Na chegada, fez apenas um rápido comentário sobre sua expectativa para o debate, dizendo esperar que o confronto sirva para dar uma “iluminada” nos eleitores no dia da votação, no próximo dia 31.
Primeiro bloco
Na abertura do debate, os dois candidatos foram questionados sobre o tema que consideram mais relevante nesta eleição. Primeiro a responder, Serra disse que considera fundamental a educação. “Temos que investir pesado no ensino fundamental”, disse, repetindo a promessa de colocar duas professoras na sala de aula.
Dilma, por sua vez, disse que a prioridade é fazer com que o Brasil “continue mudando”. Ela destacou a distribuição de renda. “Por isso considero erradicar a pobreza uma questão fundamental”, afirmou. Na mesma linha de Serra, ela também destacou a educação, destacando, por exemplo, a intenção
Serra e Dilma passaram boa parte do primeiro bloco em confronto por temas como o aborto, o episódio da susposta produção de um dossiê na campanha petista e as denuncias que atingiram a Casa Civil. Quando teve chance, Serra optou por questionar Dilma sobre segurança, o que baixou um pouco o tom das acusações. Ao fim, entretanto, Dilma voltou a elevar o tom das declarações.
Segundo bloco
Em tom mais ameno, o segundo bloco foi aberto com questões sobre saúde. Questionada por Serra, Dilma falou sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Em seguida, a petista retomou as críticas contra Serra lembrando que ele normatizou a realização do aborto autorizado por lei na rede pública. Na discussão, Dilma prometeu resolver o problema das dívidas das Santas Casas, após Serra criticar a administração do sistema.
Boa parte do segundo bloco serviu para que a petista e o tucano trocassem críticas também sobre o processo de privatizações. Dilma foi a primeira a pautar o tema, ao falar sobre a Petrobras. Serra criticou a campanha petista e acusou a sigla rival de retomar o tema de forma oportunista a cada eleição. Serra voltou a falar sobre as denúncias envolvendo a ex-ministra Erenice Guerra. E prometeu “reestatizar” os Correios e fortalecer a Petrobras. “Essas empresas passaram a servir ao companheiros”, ironizou o tucano. Dilma também criticou a política de Serra para oferecer atendimento a usuários de drogas no Estado.
Terceiro bloco
Dilma voltou ao tema das privatizações, perguntando ao tucano por trás de quais privatizações ele esteve. “Dilma Rousseff, à revista IstoE, elogiou a privatização das telecomunicações”, reagiu Serra. A petista retornou ao tema e criticou a venda da Nossa Caixa. “Você vendeu e o governo federal comprou para evitar que isso acontecesse”, disse Dilma, que também criticou a venda da Cesp.
“Nós vendemos a Nossa Caixa para o Banco do Brasil. Isso fortaleceu o Banco do Brasil”, disse Serra, ressaltando que o dinheiro foi investido em metrô e outras políticas públicas. “Eu nunca cogitei vender a Nossa Caixa para o setor privado”, reagiu Serra. “O que eu ouvi à época é que a então ministra da Casa Civil se opôs”, completou o tucano, dizendo ter feito uma parceria com Lula para concretizar a operação.
Dilma também criticou Serra por reduzir programas da gestão do antecessor Geraldo Alckmin (PSDB). “Nós somos contra não continuar o que foi iniciado em governos anteriores”, provocou Dilma.
Quarto bloco
Serra abriu o bloco questionando Dilma sobre infraestrutura. Citou um estudo que aponta o Brasil como um dos países mais atrasados no que se refere à situação do sistema portuário. Dilma respondeu dizendo que, durante o governo FHC, o Brasil deixou de investir no setor. Serra rebateu dizendo que o atual governo teve oito anos para investir em portos e aeroportos. “O fato é que nesta administração os aeroportos entraram em crise.” Dilma respondeu dizendo que os aeroportos estão sobrecarregados porque o povo brasileiro hoje consegue tirar férias e viajar. A candidata afirmou que durante o governo tucano somente os “ricos” utilizavam os aeroportos.
Dilma cobrou Serra por garantias de continuidade dos programas sociais do governo, como o Minha Casa Minha Vida. “Eu já vi você falar muito mal do Minha Casa Minha Vida por aí”, provocou Dilma. Serra reagiu queixando-se da agressividade adotada pela petista. “Eu tenho que confessar que estou confuso com essa agressividade e esse preparo da Dilma Rousseff, que está se mostrando né. Eu nunca falei mal do Minha Casa Minha Vida”, disse o tucano, que colou a rival em políticos como o senador Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP).
Quinto bloco
Nas considerações finais, Dilma disse que nunca fez campanha “baseada no ódio” e respeitou a “tolerância do povo brasileiro. “Eu vou ser uma presidenta com olhar social, um olhar para os idosos, os jovens, as mães e as mulheres”, completou Dilma. “Vocês podem contar comigo. Estou preparada para ser presidente da República.”
Serra, por sua vez, agradeceu aos eleitores pela atenção. “Eu creio que um debate como este é muito útil para iluminar a mente do eleitor, que fica conhecendo melhor os candidatos e suas diferenças”, declarou o tucano. Ele voltou a pedir que seus eleitores saiam em busca de mais um voto e relembrou sua biografia como diferencial na campanha.
Ricardo Galhardo e Nara Alves, iG São Paulo
*Colaboraram Cíntia Acayaba, Daniela Almeida, Piero Locatelli, Alessandra Oggioni, iG São Paulo