Empresas não podem impedir namoro de funcionários, mas podem proibir beijos, abraços ou relações sexuais no ambiente de trabalho; veja depoimentos de casais e dicas de especialistas sobre o assunto.
Ter um relacionamento amoroso com um colega de trabalho é comum e aceito nas empresas. No entanto, namorar durante o expediente pode comprometer a produtividade e até o próprio emprego, alertam especialistas.
“A maioria das empresas aceita relacionamentos desde que as partes não trabalhem na mesma área, o que dificultaria a situação tanto para o casal como para a equipe e gestores”, diz Cezar Antonio Tegon, presidente da Elancers, multinacional brasileira no segmento de sistema de gestão de recrutamento e seleção.
De acordo com advogados trabalhistas, as empresas não podem impedir o namoro de funcionários, mas podem proibir beijos, abraços ou relações sexuais no ambiente de trabalho. E, em caso de quebra das regras, os empregadores podem demitir os empregados por justa causa.
O que dizem legislação e regras corporativas sobre namoro no trabalho
- Proibir o namoro entre funcionários é inconstitucional e discriminatório, pois fere o direito à intimidade e à vida privada.
- Mas a empresa pode pedir discrição para os funcionários e que evitem beijos, abraços, demonstrações de carinhos mais explícitas, relação sexual ou brigas durante o expediente.
- As regras e comportamentos considerados inadequados no ambiente de trabalho podem constar de regimentos internos da empresa.
- Em caso de os funcionários cometerem excessos, a empresa pode demiti-los por justa causa alegando a chamada incontinência de conduta, prevista na legislação trabalhista, que significa tomar atitudes exageradas que não condizem com o ambiente de trabalho.
- O funcionário que for dispensado por namorar colega de trabalho sem ter desrespeitado nenhuma regra da empresa pode ir à Justiça e pedir indenização por dano moral.
- O empregador não pode transferir funcionários de departamento com a alegação de que eles têm um relacionamento amoroso.
- Casais podem pedir férias no mesmo período. Segundo a CLT, “os membros de uma família, que trabalharem no mesmo estabelecimento ou empresa, terão direito a gozar férias no mesmo período, se assim o desejarem e se disto não resultar prejuízo para o serviço”. Os demais direitos são negociados com a empresa e impera o bom senso.
- Casais que trabalham em empresas que funcionam de finais de semana e feriados podem pedir para que façam o trabalho nos mesmos dias e períodos, desde que não prejudiquem a equipe ou a empresa. Porém, isso deve ser combinado com os gestores.
Sem beijos nem apelidos na empresa
Paula Righetti, de 33 anos, e Ixchel Ochoa, de 27, trabalham em uma agência em Nova Iorque — Foto: Arquivo pessoal
Paula Righetti, de 33 anos, conheceu a venezuelana Ixchel Ochoa, de 27, na empresa onde trabalha em Nova Iorque há cerca de um ano. As duas começaram a namorar logo depois e todos na agência de publicidade sabem do relacionamento. Mas Paula deixa claro que as duas não namoram dentro da empresa.
“Todo mundo sabe e respeita, mas a gente separa bem. Não trocamos carícias, nem beijos, e nos chamamos pelos nossos nomes, em vez de usar os apelidos, mas continuamos carinhosas uma com a outra”, afirma.
As duas trabalham em departamentos diferentes, mas são responsáveis pelos mesmos clientes, então acabam tendo de fazer algumas atividades juntas.
Além do convívio durante o expediente, Paula e Ixchel moram juntas. Mas garantem que não há desgaste no relacionamento. “Não nos cansamos por passar tanto tempo juntas, é o contrário. A gente se dá muito bem no trabalho e em casa, então acaba sendo muito bom ter minha parceira preferida perto de mim o dia todo”, diz Paula.
Segundo ela, o que ajuda é elas não falarem de trabalho o tempo todo quando estão em casa. “Temos tantos planos de vida, tantas ideias e tanto assunto que a relação não fica monotemática ou monótona”, diz.
Paula já havia trabalhado com uma antiga namorada em outra empresa e conta que a experiência não foi tão boa porque as duas passavam até 16 horas por dia no trabalho, incluindo fins de semana e feriados, e ainda por cima no mesmo departamento, cuidando dos mesmos projetos.
“No pouco tempo livre acabávamos falando de trabalho, reclamando dos projetos. E isso desgastou muito a relação”.
Quando o relacionamento terminou, Paula diz que se deu conta de que deveria ter separado a rotina de trabalho de sua vida pessoal. “Por isso achei que nunca mais seria capaz de namorar e trabalhar junto. Mas eu estava errada. Quando a gente acha um meio termo, dá para levar numa boa”, conclui.
Desafio é não falar de trabalho 24 horas por dia
Marcelo Pinho Guimarães e Leda De Luca se tornaram sócios de duas empresas após perderem seus empregos — Foto: Arquivo pessoal
Leda De Luca, de 34 anos, e Marcelo Pinho Guimarães, de 36, também conseguem separar a vida pessoal do trabalho. Casados há 4 anos, eles administram um canal de turismo e uma consultoria de marketing há dois anos. Ambos passaram a empreender após saírem de cargos em grandes empresas. A ideia de abrir o aresdomundo.com, um portal sobre turismo de luxo, cultura e lifestyle, veio da paixão por viajar. Os dois trabalham juntos tanto na consultoria com os clientes como na administração dos negócios.
“Passamos boa parte do dia juntos. Nos damos muito bem, dificilmente discordamos de algo. Na verdade, nem poderíamos brigar, pois não temos chefe para reclamar. E somos muito dependentes um do outro nas funções dentro da empresa. Seria um luxo uma briga”, conta Leda.
Leda acha interessante trabalhar em dupla, pois ambos captam necessidades diferentes dos clientes. Então quando formulamos uma viagem ou uma experiência especial para alguém ter, ela está o mais completa possível, pois passou por “dois filtros”.
“Trabalho é trabalho, para mim não tem diferença. Lógico que você trabalhar com uma pessoa que você gosta é mais prazeroso e você tem uma liberdade um pouco maior para conversar e discutir. Mas o único problema é que você precisa segurar um pouco para que o trabalho não seja discutido 24 horas por dia”, diz Marcelo.
Leda conta que os dois trabalham em casa quando estão no Brasil, mas viajam para várias partes do mundo e atendem clientes em outros países também. Então o escritório é onde eles estão. No ano passado, eles atenderam um cliente na Europa e em paralelo viajaram por várias cidades da região por quase 6 meses.
“Quando você vê a oportunidade de trabalhar com a pessoa que você gosta, com a sua esposa, e os dois sejam os donos dos próprios destinos é um desafio gostoso de encarar”, afirma Marcelo.
Dicas de especialistas
Os especialistas em recursos humanos Cezar Tegon e Roberto Recinella dão dicas para diferentes situações para quem se relaciona com um colega de trabalho ou é sócio do parceiro no negócio.
Veja abaixo as dicas de Cezar Tegon:
Política da empresa
Sendo apenas um flerte ou um começo de relacionamento, as regras são as mesmas, apesar de as empresas estarem cada vez mais abertas quanto à política de relacionamento no trabalho. Sabia qual é a cultura organizacional da empresa, que é, basicamente, como ela pensa.
Seja discreto
Não exponha muito seu relacionamento no horário de trabalho. São coisas da intimidade, não é para todos ficarem sabendo. Envie uma mensagem privada, por exemplo, em vez de ir à mesa dele ou dela. A discrição ajuda a evitar comentários maldosos por parte dos colegas e possíveis cobranças por parte do chefe.
Cuidado com o e-mail da empresa
Não utilize o e-mail da empresa para trocar mensagens pessoais, pois pode expor a intimidade para algum superior, e pode acarretar até mesmo em uma demissão. Utilize o intervalo para essas conversar ou aplicativos pessoais como o WhatsApp.
Hierarquia deve ser respeitada
Caso a paquera esteja acontecendo com algum superior ou chefe, os cuidados devem ser redobrados. Não deixe transparecer atitudes diferenciadas com os demais funcionários, nem regalias. Isso pode gerar constrangimento e até certa revolta com os colegas. Relacionamentos onde há hierarquia envolvida demandam um outro tipo de solução, com a transferência de uma das partes para outra área ou gestor. É praticamente inviável que um relacionamento amoroso caminhe imparcialmente com uma relação hierárquica no trabalho.
Se uma das partes não corresponder
Caso o flerte não funcione, não insista. Qualquer comportamento considerado abusivo, humilhante, constrangedor e que seja repetitivo e frequente em ambiente de trabalho pode ser considerado assédio moral.
Troca de olhares não faz mal a ninguém
Não é porque seu ambiente corporativo é mais tranquilo que você pode abusar dele. Por outro lado, uma conversa rápida, uma mensagem ou olhares não fazem mal a ninguém, desde que não atrapalhem sua produção e não constranja a outras pessoas.
Veja as dicas de Roberto Recinella:
Diálogo
Como o grau de empatia é muito alto, isso se torna uma vantagem competitiva no trabalho em equipe, já que cada um conhece o que o outro pensa. Por outro lado, se o casal tem problemas fica complicado. Por isso, o diálogo é primordial na relação, além de dar mais espaço para que a relação não fique saturada devida à intensa convivência. Além disso, existe uma grande discussão sobre conversar sobre trabalho em casa, já falar sobre vida pessoal no trabalho nem pensar.
Trabalho no mesmo departamento
Misturar amor com trabalho exige muita maturidade e não existe “receita de bolo”, mas uma dica universal é respeitar o código de conduta organizacional.
Trabalho em diferentes departamentos
Isso facilita muito a relação, pois diminui a pressão sobre a saturação da convivência além dos assuntos da empresa. Estar em departamentos diferentes diminui a tendência a levar trabalho para casa e, quanto maior a empresa ou mais distante o departamento, melhor.
Trabalho em departamentos que dependam um do outro
Esse é o meio termo entre trabalhar no mesmo departamento e em um diferente. Geralmente neste caso os parceiros pedem ajuda um ao outro para agilizar ou facilitar as tarefas. Isso pode ser um ponto positivo, desde que a equipe de qualquer um dos lados não se sinta manipulada ou prejudicada.
Almoço juntos
Não existe nada que impeça de o casal almoçar junto no intervalo do expediente, desde que não sature mais a convivência. O ideal seria fazer isso com outros colaboradores para melhorar o networking e oxigenar a relação.
Comportamento no happy hour
O happy hour é um prolongamento informal do ambiente de trabalho, então o contrato de conduta continua valendo. Evitar afinidades demais sempre é prudente. Mãos dadas e olhares não tem problema, mas beijos prolongados e carícias íntimas devem ser evitadas. A prudência é importante também para evitar brigas na mesa.
Indicação para vaga na empresa
Se a empresa permitir, não há problema indicar o parceiro para uma vaga dentro da empresa, mas deixe o processo de recrutamento correr normalmente sem se envolver. Deixe claro o seu grau de relacionamento e lembre-se de que você é o responsável pela indicação, então seja mais criterioso que o normal para que isso não se torne um problema.
Promoção do parceiro
Quando um é chefe do outro e surge uma oportunidade de promover o parceiro, é preciso lembrar que essa prática não envolve apenas uma pessoa. Por isso, é recomendável deixar que outras pessoas em cargos mais altos definam a questão. Isso afasta qualquer dúvida sobre predileções pessoais. E seja transparente com o seu parceiro sobre todo o processo do mesmo modo que faria com qualquer outro colaborador.
Demissão do parceiro
Uma demissão na maioria das vezes não acontece de repente, existem sinais e passos antes que ela ocorra. Mesmo assim será um “prova de fogo” para o relacionamento, por isso, o processo deverá seguir à risca as regras da empresa. E as avaliações de desempenho e feedback devem ser exemplares quando existem casais trabalhando juntos. Do contrário, se o gestor for incumbido de demitir seu cônjuge sem nunca ter dado um feedback ou feito uma avaliação de desempenho, isso causaria um enorme estrago na relação profissional e pessoal.
Trabalho interferindo na relação
Quando um dos dois perceber que o trabalho está interferindo no relacionamento, a empresa pode ver com bons olhos o funcionário pedir para mudar de departamento. Assim, essa mudança pode gerar mais produtividade e resultados. Eu usaria o argumento de “job rotation” por segurança.
Sociedade nos negócios
É preciso maturidade, muito diálogo e disciplina para definir quando começa o profissional e termina o pessoal e vice-versa. Esses aspectos costumam se misturar, então a dica é conversar quando um dos lados estiver se sentindo desconfortável com a situação. Um relacionamento se assemelha a uma dança, ambos têm que estar no mesmo ritmo, caso contrário, não vai dar certo.
Domínio sobre os negócios
Se no relacionamento já existe um jogo de poder, com certeza será repassado para o campo profissional. Não deveria existir hierarquia na relação pessoal, mas a vida profissional é baseada em poder, autoridade e hierarquia. A sugestão é ter um diálogo franco e maduro.
Trabalho x vida pessoal
As pessoas só funcionam em sua excelência se existir equilíbrio na vida profissional e pessoal. Não acredito que uma pessoa com um familiar doente tenha o mesmo rendimento que os demais colaboradores. A vida não se divide em profissional e pessoal, ela exige o uso todos os nossos talentos.
G1