A presidente Dilma Rousseff começou seu primeiro mandato com tolerância zero diante de qualquer sinal de má conduta de seus ministros. Demitia, sem titubear, qualquer um que fosse suspeito. Esse foi um dos motivos para amealhar, naquele promissor 2011, popularidade recorde, superando os 70% de aprovação. De lá para cá, Dilma subverteu a lógica e renegou completamente o que parecia ser uma vocação republicana.
Hoje, ela não só sustenta no governo uma dezena de ministros encrencados por toda espécie de suspeição criminosa, como abre as portas do Palácio do Planalto para que o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, tenha foro privilegiado. Sem o menor sinal de constrangimento, preenche a Esplanada com gente que poderia estar indo para a cadeia.
Um dos homens mais próximos da presidente, o ex-ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, por exemplo, é citado na delação premiada do ex-diretor internacional da Petrobras Nestor Cerveró, que o acusa de ter se beneficiado de um esquema de repasses ilícitos para sua campanha ao governo da Bahia, em 2006, por intermédio do então presidente da estatal, Sérgio Gabrielli. Mensagens encontradas no celular do dono da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, também revelam a suposta atuação de Wagner para intermediar negócios entre a empresa e fundos de pensão.
Os indícios levaram a oposição a protocolar um pedido de abertura de inquérito junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), mas o processo foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nas conversas telefônicas com Lula, Wagner propõe que petistas não se constranjam em incitar a violência, o que é crime previsto no Código Penal. Foi justamente a delação de Cerveró que, meses antes, o senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) tentara comprar a pedido do governo. Além de proteger Lula e Dilma, o silêncio também aliviaria a situação de Jaques Wagner.
Sem sucesso, Delcídio foi preso e, de repente, tornou-se o homem a ser silenciado pelo Planalto. Como mostra gravação divulgada pelo assessor do senador, Eduardo Marzagão, o escalado para a operação foi o ministro da Educação e ex-titular da Casa Civil, Aloizio Mercadante. A ação caracteriza crime de obstrução da justiça. De acordo com Delcídio, o ministro teria lhe oferecido auxílio político e financeiro para sair da prisão, preservar o mandato de senador e ajudar a família do sul matogrossense a superar a crise.
Em troca, o então senador petista desistiria de homologar a delação premiada. Os efeitos catastróficos do que poderia ser revelado já eram calculados pelo Planalto, que mais uma vez tramava manobras para impedir o avanço da Justiça. Como ISTOÉ revelou no início de março, a estratégia não surtiu efeito e o político fez seu acordo de delação, cujo conteúdo explosivo comprometeu definitivamente a presidente e Lula. Além de Mercadante, Delcídio acusa em sua delação o ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e a própria presidente de tentarem influenciar ilicitamente nas investigações.
Segundo o senador, em uma viagem a Portugal, Cardozo teria tratado pessoalmente com o presidente do STF, Ricardo Levandowski, para negociar uma mudança de rumos na operação. Sem sucesso, o Planalto teria em seguida condicionado a nomeação do desembargador Marcelo Navarro ao Superior Tribunal de Justiça (STF) ao compromisso de que o novo ministro defenderia a libertação dos acusados Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, a fim de evitar novas delações comprometedoras.
Tesoureiro da campanha de Dilma à reeleição, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Edinho Silva (PT-SP), é citado na delação premiada do empresário Ricardo Pessoa como beneficiário do esquema de propinas na Petrobras e aparece como responsável por obter recursos junto a farmacêuticas, por meios de contratos fictícios, para pagar despesas da campanha de 2014. Até o novo ministro da Justiça está comprometido.
Eugênio Aragão atacou a prática de vazamentos da Polícia Federal e despertou a animosidade de policiais. Em luta por autonomia investigativa, os PF classificaram como infeliz a declaração do antigo vice-procurador geral eleitoral que “cheirou vazamento, a equipe será trocada”. Os peemedebistas Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ministro do Turismo, e Celso Pansera (PMDB-RJ), ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, também são investigados.
Suspeito de colaborar com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na tentativa de protelar as investigações e intimidar investigados, Pansera foi alvo de ações de busca e apreensão pela Polícia Federal na Operação Catilinárias, em dezembro do ano passado. A mesma operação realizou buscas nos endereços de Alves, que é investigado em inquérito da PGR que apura doações intermediadas por Cunha a sua campanha pelo governo do Rio Grande do Norte, em 2014.
Até mesmo o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, entrou na mira da Justiça. O relatório de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) recém concluída, divulgada pelo jornal O “Estado de São Paulo”, propõe banir de funções públicas o ministro e seu antecessor, Guido Mantega, além de mais três integrantes da equipe econômica nos governos de Dilma Rousseff por irregularidades referentes às “pedaladas fiscais”. Os auditores consideraram as infrações graves. Nem de longe, entretanto, a Lava Jato e as pedaladas fiscais são a única preocupação jurídica que ronda a Esplanada.
O ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-PI), por exemplo, aguarda decisão do Tribunal Superior Eleitoral acerca de uma denúncia por compra de votos na sua campanha a deputado federal. Apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, a ação pede a cassação de seu mandato e a aplicação de uma multa. Seu correligionário Helder Barbalho (PMDB-PA), ministro de Portos, foi acusado pelo Ministério Público Federal de desviar recursos destinados a programas de saúde de Ananindeua (PA), no período em que era prefeito, a partir de uma auditoria do Ministério da Saúde nos contratos feitos com a Prefeitura de Ananindeua, em 2014.
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Contratos fictícios e esquemas de propina
Tesoureiro da campanha de Dilma à reeleição, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Edinho Silva (PT-SP), é citado na delação premiada do empresário Ricardo Pessoa como beneficiário do esquema de propinas na Petrobras e aparece, também, como responsável por obter recursos por meio de contratos fictícios para pagar despesas da campanha de 2014. Em sua delação, o senador Delcídio Amaral (Sem Partido/MS) afirma que Edinho o orientou a usar a empresa farmacêutica EMS para pagar dívidas de sua campanha ao governo do MS, em 2014
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O emissário do Planalto para silenciar Delcídio
Ministro da Educação, Aloizio Mercadante foi escalado pelo Planalto para tentar silenciar o senador Delcídio Amaral (sem partido/MS), como revelou gravação divulgada pelo assessor do senador, Eduardo Marzagão. De acordo com Delcídio, em troca de seu silêncio, o ministro teria oferecido auxílio político e financeiro para que ele deixasse a prisão e preservasse o mandato de senador. Na Lava Jato, Mercadante é alvo de inquérito no STF por ter sido apontado pelo dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, como um dos beneficiários do esquema de corrupção da Petrobras
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Chantageador de empreiteiras
Ex-chefe de gabinete de Dilma e atual assessor direto da presidente, Giles Azevedo é citado na delação do ex-presidente da Andrade Gutierrez (AG) Otávio Azevedo. Giles teria pressionado a empreiteira a doar mais para a campanha de Dilma em 2014. Na companhia do tesoureiro da campanha presidencial da petista, Edinho Silva, ele teria ameaçado interromper os negócios da empresa com o governo, caso as doações não chegassem. Isso caracteriza crime deextorsão.
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O autor das pedaladas fiscais
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, é alvo de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) recém concluída. A análise dos auditores propõe banir de funções públicas o ministro e seu antecessor, Guido Mantega, além de mais três integrantes da equipe econômica nos governos de Dilma Rousseff pelas “pedaladas fiscais”. Por considerarem as infrações como graves, os alvos podem se impedidos de exercer cargos comissionados por até oito anos
Crédito das imagens desta reportagem: Alan Marques/Folhapress; Adriano Machado/REUTERS; João Castellano/Ag. IstoÉ; DIDA SAMPAIO/ESTADãO CONTEÚDO
Mel Bleil Gallo