Diversos casos de corrupção no Brasil envolvendo recursos do orçamento da União têm contornos parecidos. Muitas vezes, os escândalos até parecem um “déjà vu”, expressão francesa que significa “já visto”. Um exemplo claro foram as licitações para o Programa de Aceleração para o Crescimento (PAC) que em diversos estados brasileiros, inclusive em Mato Grosso, foram canceladas ou paralisadas por um mesmo motivo: superfaturamento. Serão todos casos fraudulentos? O presidente do Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos (Ibec), Engenheiro Civil Paulo Roberto Vilelas Dias, esteve em Cuiabá para o lançamento do livro “Novo Conceito de BDI” e levantou essa questão.
Para esse profissional que trabalha há anos com o levantamento de custos de obras para construção civil essas obras estariam na verdade subfaturadas. Sua opinião baseia-se na experiência de que o preço de obras varia de acordo com o praticado em cada região e conforme sua complexidade, por isso não pode seguir uma tabela como cobram os Tribunais de Contas ou o DNIT.
Em entrevista para a Revista Crea-MT, Paulo Roberto explica detalhadamente o que considera “falhas”nesse sistema.
REVISTA Crea-MT – Porque o IBEC é contrário a opinião do Tribunal de Contas e acredita que muitas obras do PAC apontadas por investigações como superfaturadas, estariam na verdade abaixo do preço real para execução?
Paulo Roberto – Primeiro eu acho que estão subfaturadas Isso por que existem vários itens que ajudam a elaborar o preço da obra e são exigências mas ficam de fora das licitações. Isso compromete a principalmente a qualidade do serviço final. Durante minha palestra por todo país, cito os diversos itens que os órgãos públicos que realizam as licitações não incluem no preço das obras. Por exemplo, obrigações tipo alimentação, equipamentos de proteção individual, seguro de vida, mesmo as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, que exigem que você tenha no canteiro de obras água filtrada, banheiros; isso em determinadas casos exige que a empresas tenha vários mini canteiros. Também podemos citar a colocação de banheiro químico, que exige um caminhão para retirar os dejetos e levar pra uma localização que seja permitida pela Secretaria de Meio Ambiente da região. Quer dizer: tudo isso tem um custo altíssimo. São itens obrigatórios e que não estão incluídos no orçamento. A impressão que temos é que estes custos tem sido incluídos de pouco tempo pra cá, digamos 10 anos, e não tem havido uma reformulação do processo de elaboração do preço de referência dos órgãos públicos.
RC – Em que o TCU se basei para dizer que as obras estão superfaturadas?
PR – Eles tem como parâmetro uma tabela da Caixa Econômica e uma tabela do DNIT, e elas estão antigas e defasadas muitos desses elementos nem constam, então na licitação também não pode constar. Aí nos perguntamos com uma empresa pode conseguir executar com o preço da obra defasado? Vemos como uma falha preocupante que precisa de alguma forma ser atualizada.
Outro quesito que é importante citar e interfere também no preço é que cada vez que o governo cria um tributo novo, isso significa um custo novo, esse custo precisa ser repassado para o preço. A minha visão é de que a Caixa Econômica por exemplo, não tem estrutura para o que a lei determinou que ela faça, essa tabela do Sinape utilizado pela Caixa Econômica tem um objetivo interno e, a Lei de Diretrizes Orçamentárias deu a ela uma outra envergadura. Isso sem falar que eles não possuem profissional suficiente para fiscalizar, ou seja, eles não conseguem acompanhar a exigência da lei. O governo deu a Caixa essa missão e não deu a ela os instrumentos para fazer o trabalho ao qual o governo e a lei propõem.
RC – Então essas falhas não ocorrem somente com as obras do PAC?
PR – Não. As obras do PAC são mais importantes por que o TCU não interfere nas obras Estaduais e Municipais, então quando a gente fala em obra com Recurso Federal ai é que entra a Lei de Diretrizes Orçamentárias e entra o TCU. Então o problema hoje também está no Tribunal de Contas por que a metodologia adotada para auditar as obras é uma metodologia deficiente. Quer dizer que não leva em consideração o tipo de obra. Ele pega uma tabela e diz que aquele é um preço único para toda e qualquer obra.
O importante a entender é que o o preço para uma obra da construção civil não é uma receita de bolo. Continuo afirmando que essas obras estão sub-faturadas, provavelmente foram licitadas de maneira errada por que existem um monte de itens que estão faltando no preço da obra. Não pode-se utilizar uma mesma tabela e não podemos utilizar o mesmo preço para construir um edifício ou uma estrada, por exemplo. Agora quando o TCU vai com a sua metodologia, ele pega o valor que está lá no Sinap e quer que o valor sirva para ponte, saneamento e estrada.
RC – O Ibec não poderia entrar em contato com o Tribunal e fazer observações como essas?
PR – Essa aproximação já foi feita muitas vezes. Inclusive já conversei com o corpo técnico deles, diretores de engenharia. Realizamos uma palestra em Sergipe, mas eles querem levar ao pé da letra o que diz a lei. E mesmo assim detectamos falhas e tentamos provar. Por exemplo, a lei diz que deve se usar o Cinap, não fala do Cipro mas eles associam por que é uma tabela pública. Agora o que me parece é que falta ao Tribunal qualificação profissional e não há vontade de mudar isso. Se você me perguntasse por que é que eles agem dessa maneira eu não acredito que seja má fé, eu acredito que falta a esses profissionais a questão do desconhecimento da ciência de custo – da engenharia e custos – pois eles não possuem nenhum profissional com essa habilidade.
Todos os engenheiros podem realizar a engenharia de custos porém não possuem conhecimento. Hoje, graduação nenhuma do país oferece, apenas alguns mestrados. O Tribunal e os órgãos públicos deveriam procurar informações junto ao Ibec que possui 30 anos na engenharia de custo e, representa o Brasil no Conselho Internacional de Engenharia de Custos ou outra empresa, consultoria mesmo que estrangeira.
RC – Esse subfaturamento prejudica quanto na execução de uma obra?
PR – Hoje só é possível uma empresa concluir uma obra pública com esses preços que estão sendo praticados quando há sonegação de tributos, por que o preço da obra está abaixo do custo real ou muito próximo. Ou, a qualidade da obra pode ser deixada de lado e até mesmo a segurança das pessoas que ali trabalham.
RC – A exigência da Anotação de Responsabilidade Técnica do Engenheiro de Custos para obras públicas não ajuda? Existem engenheiros de custos disponíveis no país?
PR – Está na LDO, a obrigação de ter a ART do Engenheiro Orçamentista. Agora a lei que trata das atribuições dos engenheiros que é da década de 70 já obriga que tenha a ART para o Orçamentista. Só que ninguém cobra do engenheiro de custos a ART para fazer o orçamento. E, existem milhares de engenheiros de custos. Grande empresas chegam a ter 50 desses profissisnais, já as pequenas tem departamento ou um profissional ao menos.
RC – O IBGE identificou que 60% da mão de obra da construção civil é informal, não tem carteira assinada. Isso também é consequência dessas falhas?
PR – Sim. Empregar formalmente o trabalhador encarece os custos, assim como o vale refeição, não tem o equipamento de segurança adequado, não tem engenheiro de segurança, não cuida do meio ambiente. Aí se torna um ciclo vicioso e a obra é claro que não terá a qualidade desejada. O profissional está insatisfeito, a empresa busca economizar ao máximo para obter o maior lucro. No final é a sociedade quem perde.
RC – O Ibec aponta alguma solução?
PR – O que temos que discutir é até onde temos de elevar esse preço da obra para ser socialmente justo. A LDO também precisa ser discutida, pois se levada ao pé da letra ela contraria esses custos. Um exemplo é o automóvel, o mesmo modelo pode valer até o dobro por agregar acessórios. E, obra é a mesma coisa, dependendo da exigência do serviço se básico ou com exigências muito grandes o preço precisa ser compatível com a exigência do projeto. E, hoje, todos passam por cima. É como se uma obra popular tivesse que custar o mesmo que uma obra de luxo.
RC – O seu livro fala sobre isso?
PR – Nele ensinamos como calcular o BDI, que é imposto, é real. Ele envolve a estrutura da construtora, a remuneração dos profissionais e lucro que é empírico. Material e mão de obra variam de região para região. O único critério que não é técnico no BDI é o lucro da empresa. A grande importância da nova edição: precisamos mudar esse conceito que o BDI pode ser estipulado por um órgão público sem analisar o mercado, sem recorrer a lei para saber o quanto a empresa paga de tributos, sem analisar as exigências de mercado. Existe uma formula técnica e tanto órgãos públicos quanto construtoras tem que decidir os parâmetros da fórmula e o percentual que der é o percentual justo. Aí, se alguém disser que é muito ou pouco, vamos discutir os parâmetros, se tiver algum exagerado ou muito baixo, vamos rever.
*Rafaela Maximiano
Ascom/Crea-MT