O Governo Regional do Curdistão exigiu indenização pela campanha de Al Anfal, durante o terceiro dia do julgamento de Saddam Hussein, nesta quarta-feira. O ditador é acusado por genocídio, no qual utilizou gás tóxico para assassinar curdos no norte do Iraque.
Os promotores esperam mostrar que Saddam e seis aliados foram responsáveis pela morte de 50 a 180 mil curdos em ações militares entre 1987 e 1988. Saddam insiste que a campanha tinha a intenção de eliminar guerrilhas pró-Irã na aérea de fronteira entre os dois países.
O governo do Curdistão, em declaração enviada ao tribunal de julgamento, afirmou que “justiça deve ser feita e devemos vê-la sendo feita”. O documento, datado de 17 de agosto, foi tornado pública nesta quarta-feira. “Exigimos que o governo iraquiano compense as vítimas de crimes cometidos pelo governo de Saddam Hussein, assim como determina a Constituição do Iraque”.
Entretanto, a declaração não estabelece que tipo de compensação deve ser dada. Os curdos, em sua maioria, viviam nas províncias do norte do Iraque, e sofreram discriminação e repressão pelo governo sunita de Saddam Hussein. A área tornou-se autônoma depois da Guerra do Golfo, em 1991, e recebeu o nome de Curdistão.
O governo do país reclama que a campanha de Al Anfal trouxe doenças causadas pela exposição à armas químicas, altos índices de câncer e grande número de internações de refugiados pela guerra; além de afirmar que muitas famílias até hoje não possuem casas.
Corpos das vítimas continuam sendo desenterrados de valas coletivas, segundo os documentos. “Esse horrível período de nossa história vai continuar por décadas em nossa memória coletiva”, diz o documento. “O povo curdo continua vivendo com o legado do sofrimento”.
Reposta do governo iraquiano
O atual governo iraquiano não respondeu imediatamente a exigência curda, e não está claro como uma recompensa pode ser dada a eles, quando há um grande número de xiitas e sunitas dissidentes que também foram vítimas dos ataques.
A declaração do governo curdo também apontou que, nos anos 1970, Saddam executou uma “limpeza étnica” em Kirkut, Khanaqin, Sinjar e outras áreas habitadas por curdos, turcos e outras minorias étnicas do país. A exigência é por “justiça para aqueles tiveram suas terras e casas confiscadas” no programa de Saddam.
Testemunhas no julgamento
Uma mulher curda descreveu nesta quarta-feira como conseguiu se refugiar em uma caverna com seus filhos, enquanto aviões iraquianos bombardeavam seu povoado com armas químicas.
Adiba Oula Bayez testemunhou durante o segundo dia de julgamento de Saddam, nesta terça-feira. Bayez descreveu como o bombardeio do dia 16 de agosto de 1987, na cidade de Balisán, e levantou uma fumaça com cheiro de “maçãs apodrecidas”.
“Minha filha Narjis aproximou-se de mim e começou a reclamar de dor nos olhos, no peito e no estômago”, contou Bayez, mãe de cinco filhos. “Quando fui lavar o rosto dela, meus outros filhos já estavam vomitando”, declarou. “Logo eu também piorei. Daí me dei conta de que as armas eram químicas e venenosas”.
Bayez contou que os habitantes de Balisán fugiram em mulas para refugiarem-se em cavernas, “mas os helicópteros bombardeavam as montanhas para evitar que os moradores encontrassem refúgios”.
Depois do ataque, os habitantes de Balisán foram levados a um acampamento de prisioneiros. Bayez afirmou que quatro das pessoas que estavam com ela no mesmo quarto morreram. Segundo Bayez, no quinto dia de prisão, quando abriu os olhos inchados com os dedos, viu seus filhos com os olhos inchados e pretos.
O testemunho de Bayez é semelhante a de outros sobreviventes do ataque contra Balisán e a localidade de Sheik Wasan, que testemunharam nesta terça-feira, uma das testemunhas foi o marido dela.
Questionada sobre quem deveria ser culpado pelo genocídio, a mulher respondeu: “Saddam Hussein, Ali Hassan al-Majid e todos os que estão no banco dos réus. Que Deus tire a visão de todos”.
Saddam e os outros acusados podem ser condenados à forca pelo caso de Al Anfal. O ex-ditador iraquiano também aguarda o veredicto de seu primeiro julgamento, quando foi acusado pela morte de 148 xiitas em 1980. A condenação deve ser anunciada dia 16 de outubro, quando sua pena de morte pode ser decretada.