A desigualdade no acesso à educação entre negros e brancos no Brasil já foi comparada ao eletrocardiograma de um morto. Parecia imutável, dada a distância quase intransponível que separava esses dois grupos ao longo de quase um século. A mais recente Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE revela, no entanto, um dado alentador: na última década, o percentual de brasileiros que se declaram negros ou pardos no ensino superior subiu de 18% para 30%.
Dados dessa pesquisa tabulados pela Folha mostram que esse crescimento aconteceu principalmente a partir de 2001, quando o percentual era de 22%. De lá até 2005, a participação de negros e pardos cresceu a um ritmo médio de dois pontos percentuais ao ano. Se continuar assim, o Brasil chegará a 2015 com uma participação desses grupos na universidade compatível com a presença deles na população, que hoje é de 49%. Para um país em que até bem pouco tempo não via luz no fim desse túnel, não é pouca coisa.
O crescimento aconteceu tanto na rede pública quanto na particular. Ainda que tenha sido maior nesta última, na pública foi verificado um dado significativo: de 2001 a 2005, entraram mais negros e pardos (125 mil novos alunos) do que brancos (72 mil).
Três hipóteses podem ser apontadas para explicar o aumento. A primeira é que, nos últimos dez anos, o sistema de ensino superior cresceu 174%.
A segunda é que foi a partir de 2001, ano da Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, que universidades públicas, por iniciativa própria ou de governos estaduais, passaram a adotar políticas de ações afirmativas. Por último, desde 2005, o governo oferece bolsas em particulares preferencialmente para negros via ProUni.
Na avaliação de Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE e presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, o fator que mais contribuiu foi o crescimento das matrículas. Ele lembra que isso ocorreu também no ensino médio. Com isso, mais alunos se tornaram aptos a disputar mais vagas oferecidas principalmente pelo setor privado.
Para ele, as cotas explicam pouco a inclusão porque o ensino superior incorporaria esses alunos mesmo sem elas.
O economista da UFRJ Marcelo Paixão, coordenador do Observatório Afro-Brasileiro, concorda que a expansão das matrículas em todo os níveis foi fundamental. Ele discorda de Schwartzman, no entanto, ao defender que as políticas de ação afirmativas de cunho racial continuam sendo necessárias.
“Os dados da Pnad não permitem que a gente verifique como está a participação dos negros em cada curso, mas sabemos que há uma diferença enorme no acesso aos mais concorridos”, diz Paixão.
De fato, pela Pnad não é possível verificar a participação em cada curso, mas isso pode ser avaliado pelo questionário socioeconômico do provão e de seu substituto, o Enade.
Em 2003, esses dados mostravam que nos cursos de matemática, letras, pedagogia, história e geografia, o percentual de concluintes negros e pardos era sempre superior a 30%, chegando a 40% nesses dois últimos. No outro extremo, essa proporção era sempre inferior a 16% nas carreiras de direito, medicina, engenharia mecânica, odontologia e arquitetura, sendo o menor percentual nesta última (11%).