O caminho do combate à corrupção é um caminho sem volta. O brasileiro está cansado, mas está desperto. Nenhuma instituição sobrevive mais de aparências. Paulatinamente, os cidadãos passam a exigir mais dos governantes, mais dos órgãos de controle e mais até de si mesmos.
É através de comportamentos éticos que conseguiremos mudar uma cultura cruel que ainda está entranhada no cotidiano de todos nós: a cultura do levar vantagem, do jeitinho, do mais esperto, daquele que faz uma tramoia e se dá bem na vida. Nenhuma lei é suficiente para transformar uma cultura, se não tiver a ética como alicerce.
Por mais que a legislação brasileira se modifique e torne mais severa a punição, melhore seus mecanismos de fiscalização, o que é bom e necessário,  ainda assim, não vai conseguir impor o comportamento ético por decreto. A mudança cultural necessária para combater a corrupção requer intensa campanha de divulgação de suas práticas, seus malefícios, as formas de evitar e combater e a certeza de punição a quem a praticar. Essa publicidade, de tão importante, está prevista no pacote das dez medidas apresentadas pelo Ministério Público Federal no Congresso Nacional, com a chancela de mais de dois milhões de brasileiros.
Recentemente, um jovem rapaz decidiu assaltar o prédio onde moro, escalando um a um os andares, até encontrar uma sacada ou janela que estivesse aberta. Ele entrou em sete apartamentos durante a madrugada, inclusive no meu, no 5º andar. Dei de cara com ele, já no meu quarto, e o susto foi recíproco: ele sumiu tão de repente que, meio sonolenta, imaginei ter visto um fantasma. Só durante o dia, quando assisti às imagens do circuito de segurança do condomínio, soube que não só o fantasma era bem vivo, como eu já o conhecia.
O rapaz é conhecido por cometer pequenos delitos no meu bairro e adjacências, ser preso e logo em seguida voltar às ruas para cometer outros pequenos delitos. É seu modo de vida. Dele não tenho ódio, mas é impossível não se indignar. Sei que provavelmente o seu destino será o mesmo que o de milhares de jovens brasileiros, ano após ano: matar alguém, ser morto por alguém, ou ambas as coisas.
A única certeza que tenho é que toda impunidade sempre acaba custando muito caro. Seja para quem vive de pequenos delitos, ou para quem se esbalda do dinheiro público, a impunidade é talvez o maior mal da sociedade brasileira. Ela revolta e constrange.
Cruzamos todos os dias com bandidos, os descamisados – como o invasor do meu prédio – e os de colarinho branco, e nada podemos fazer, a não ser calcular os prejuízos: este me custou apenas o susto e a sensação de invasão já aquele que frequenta colunas políticas, que ri e abraça crianças e que estampa sua foto em urnas eleitorais, custa uma escola pública, um posto de saúde, um futuro.
Entre os dois há uma diferença crucial: a vida costuma ser muita dura com quem vive de pequenos assaltos e, lamentavelmente, muito fácil para quem vive de grandes roubos e votos. Quanto mais ambicioso o bandido do colarinho branco, mais as circunstâncias (ou o sistema) conspiram a seu favor.
Estado burocrático e inchado, sistema político falido, legislação complicada e cheia de brechas, Judiciário lento e congestionado e um sistema penal ineficiente: tudo contribui para a impunidade e a perpetuação no poder exatamente dos mais corruptos.
As dez medidas de combate à corrupção propostas pelo MPF vêm justamente no sentido de atacar, senão todos, pelo menos muitos desses problemas, através de mudanças na lei e do aperfeiçoamento de sistemas de vigilância.
Dentre as medidas propostas entendo como primordial a prevenção e a transparência, pois a corrupção é como uma doença pouco conhecida, ou daquelas contagiosas, que as pessoas tendem a esconder e a não comentar, por vergonha e medo. Essas atitudes fazem com que a doença se alastre.
Para combatê-la, precisamos estabelecer a divulgação de sua existência, disseminar os seus sintomas e males (que no caso da corrupção, são imensuráveis) e as formas de prevenir e tratar. Isso tudo se traduz numa palavra: conscientização. Falar, falar e falar da corrupção, até que o conhecimento de seus efeitos chegue no mais distante rincão.
A medida número 1 do MPF, Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação, propõe algumas mudanças legislativas que vêm ao encontro dessa máxima de falar, falar e falar sobre a corrupção.
A primeira mudança legislativa é a de Transparência, que para o Executivo e Legislativo está contida na Lei nº 12.527/2011. Nela, o MPF propõe o estabelecimento de regras de accountability e eficiência do Ministério Público e do Poder Judiciário, e transparência nos processos de corrupção. A medida é importantíssima para dar agilidade nos processos, através da eficiência e dos olhos dos cidadãos.
A segunda mudança legislativa proposta é da possibilidade de realização de teste de integridade, ou seja, forjar situações tentadoras para testar a honestidade de agentes públicos. Sensacional! O desvio de conduta é sedutor. É muito mais fácil levar a vida cometendo desvios quando ninguém está observando, do que levar a vida dentro dos preceitos de honestidade. O teste de integridade talvez seja uma forma de romper com a sedução do crime.
Já a terceira proposta de mudança, e a mais importante quando falamos em prevenção, estabelece percentuais entre 10% e 20% dos recursos de publicidade dos entes da Administração Pública, em ações e programas de marketing voltados a estabelecer uma cultura de intolerância à corrupção, conscientizar a população acerca dos danos sociais e individuais causados por ela, angariar apoio público para medidas contra corrupção e reportar esse crime.
Como escrevi mais acima, a corrupção ainda é como uma doença contagiosa e desconhecida. Para combatê-la, precisamos de campanhas de esclarecimento e conscientização. É muito difícil levar para a população de baixo grau de escolaridade, e pouco informada, a complexidade dos esquemas de corrupção. Logo, essa população não entende que o recurso desviado é o dinheiro que foi roubado da escola de seu filho.
Isso é básico! Parece simples e desnecessário, mas não é. Nem todo cidadão tem a compreensão de que o buraco que estourou o pneu de seu carro naquela rodovia que não tem manutenção, é produto da corrupção.
Por fim, o MPF propôs sigilo da fonte, que já está previsto no art. 5º da Constituição Federal, mas tratando especificamente de proteção para quem reporta casos de corrupção e colabora com o seu combate.
Em resumo, com esta primeira das dez medidas, contemplamos os três preceitos do que acho essencial para o combate à corrupção: não oferecer não aceitar e reportar quando se toma conhecimento.
Em meu Estado, Mato Grosso, vivemos um momento importante, pois estamos implementando políticas públicas que poderiam ter saído desta medida número 1 do MPF.
Através de um projeto de Lei a ser encaminhado ao Legislativo, criamos o Programa de Integridade Pública, que prevê a implementação de programas de compliance em todos os órgãos públicos.
Como projeto piloto, a Secretaria Estadual de Trabalho e Assistência Social, que nos últimos anos recebeu a visita do Gaeco algumas vezes, já assinou o termo de adesão ao Programa de Integridade e começou a implementá-lo. A equipe já foi capacitada e segue sob a orientação do Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção, agora na fase de mapeamento de todos os processos, a fim de colocar na matriz de risco, e assim estabelecer as vulnerabilidades, para criar procedimentos preventivos e minimizar os riscos do cometimento de corrupção.
A equipe já fez, inclusive, um teste de integridade na sede secretaria, onde se detectou que 5% das fatias de um bolo colocado à venda, sem vigilância, foram retiradas sem que se deixasse o valor referente, na caixa ao lado.
No início deste ano, inserimos em todos os contratos firmados pelo governo, para aquisição de bens, contratações de serviços e locação de bens no Poder Executivo Estadual, uma cláusula anticorrupção, que prevê o rompimento de qualquer contrato, sem penalidades, com empresas que se envolverem em atos ilícitos.
Outra medida é o canal de denúncia disponível a todos os cidadãos, garantindo anonimato e/ou sigilo para a proteção tanto do colaborador, quanto do denunciado, até que os órgãos competentes para realizar uma investigação comprovem seu envolvimento.
Estamos trabalhando para criar um ambiente mais saudável de negócios e de relacionamentos, para que assim, prevenindo a corrupção, possamos atender o nosso cliente, o cidadão, com mais qualidade.
Mas nem tudo são flores, já dizia o antigo bordão. Não são poucas as dificuldades que encontramos fora e dentro do sistema. Resistências geradas por desconhecimento ou comodismo, e também – e estas são as mais desgastantes -, geradas pela má fé de oportunistas avessos a controles, transparência e probidade.
O lado bom é que as barreiras nos impulsionam para frente. Não podemos desistir do nosso país, apesar dos entraves. Estamos aqui a propor mudança de cultura, de comportamento e de atitudes. E isso implica, logicamente, transformação no comportamento, na cultura e nas atitudes. Não no discurso.
As dificuldades e resistências internas, estamos enfrentando uma a uma, com a paciência de Jó e a resistência de uma mula empacada.
Aguardamos ansiosamente a aprovação das dez medidas e, com elas, a destinação de recursos de publicidade, de modo a trazer luz ao trabalho que o Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção do Estado de Mato Grosso, uma secretaria de sete pessoas, vem silenciosamente fazendo.
Não cortamos laços em inaugurações ou estouramos champanhe em grandes obras, todas por certo importantes, mas somos cobrados se algum problema acontece após o laço cortado e o champanhe estourado. Nem por isso desanimamos, pois sabemos da importância do nosso trabalho para a sociedade e temos a plena convicção de estarmos plantando a verdadeira transformação. Não se colhe pequi, fruto do cerrado, em um ou dois anos, mas depois da primeira safra, o fruto tende a ser de melhor qualidade a cada ano.
Logo, plantemos pequis em todo Brasil para combater a corrupção!
Um pensamento atribuído ao filósofo alemão Goethe (há quem negue que seja de sua autoria), reflete bem o momento em que estamos vivendo em Mato Grosso ao criarmos uma Secretaria Estadual de Compliance, as dificuldades e persistência: "Enquanto não estivermos compromissados, haverá hesitação, a possibilidade de recuar, e sempre, a ineficácia. 
Em relação a todos os atos de iniciativa e de criação, existe uma verdade elementar cuja ignorância mata inúmeros planos e ideias esplêndidas. 
No momento em que definitivamente nos compromissamos, a providência divina também se põe em movimento. Todos os tipos de coisas ocorrem para nos ajudar, que em outras circunstâncias nunca teriam ocorrido. Todo um fluir de acontecimentos surge a nosso favor como resultado da decisão, todas as formas imprevistas de coincidências, encontros e ajuda material, que nem um homem jamais poderia ter sonhado encontrar em seu caminho. Qualquer coisa que você possa fazer ou sonhar, você pode e deve começar. A coragem contém, em si mesma, o poder, o gênio e a magia."
É um caminho sem volta – mas só vamos traçá-lo com o engajamento de toda sociedade!
 
 Adriana Vandoni é economista, especialista em Administração Pública pela EBAPE/FGV e secretária de Estado do Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção de Mato Grosso.