Neste mês de julho, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos, a Defensoria Pública alerta para a subnotificação das denúncias de casos de violência contra o público infantojuvenil em Mato Grosso durante a pandemia de Covid-19.
Dados levantados por conselheiros tutelares de Cuiabá apontam uma redução de aproximadamente 70% no número de denúncias de casos de violência contra crianças e adolescentes desde o início do isolamento social.
Os indicadores indicam uma subnotificação, já que cada Conselho Tutelar registrava, em média, 130 casos mensais antes da pandemia.
“Nesse ano, em que estamos vivendo esse momento de crise, onde existe a necessidade do isolamento social, tem dias que estamos nos plantões que não recebemos nenhuma ligação nesse sentido. E isso nos preocupa e muito, pois sabemos que a realidade é bem diferente. Sabemos que não é porque não estamos recebendo denúncias que não estão ocorrendo casos de violência”, advertiu o conselheiro tutelar Oilson Souza.
A preocupação é compartilhada pela defensora pública Cleide Nascimento. “Nós nos preocupamos todos os dias com as violações que ocorrem, principalmente nesse período de pandemia. Então, chamo a todos de nosso estado a proteger nossas crianças e, assim, efetivamente, comemorar os 30 anos do estatuto”, alertou.
Essa redução das denúncias é contraditória, visto que as crianças e adolescentes estão passando mais tempo em casa, já que as aulas presenciais estão suspensas desde o dia 23 de março na rede estadual de ensino.
30 anos do ECA – O Estatuto da Criança e do Adolescente é fruto de uma construção coletiva entre Governo, pesquisadores, movimentos sociais, instituições de defesa dos direitos da criança e do adolescente, organizações internacionais, instituições e lideranças religiosas, entre outros.
“É um período marcado por muitas lutas, muitos avanços, e ainda há muito a se conquistar na área do direito da criança e do adolescente”, afirmou a defensora pública da infância em Mato Grosso.
A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, é o marco legal dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil. O dispositivo os definiu como sujeitos de direitos e reconheceu a condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram, retirando a necessidade de prioridade absoluta na proteção de seus direitos como dever da família, sociedade e Estado.
“Avançamos em todo o Brasil, especificamente em Mato Grosso. Temos hoje, em quase todas as comarcas do estado, defensores públicos para poder atender a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, especificamente para garantir seu direito à saúde, educação, lazer, alimentação, convivência familiar e comunitária, dentre outros direitos”, ressaltou Cleide.
Subnotificação – No Dia Mundial Contra a Agressão Infantil, 4 de junho, a Defensoria Pública de Mato Grosso já alertava para a subnotificação do número de denúncias de violência a crianças e adolescentes na capital, em publicação nas redes sociais.
“Nesse período de pandemia do novo coronavírus, apesar das crianças e adolescentes estarem o tempo todo em casa por conta do isolamento social, houve uma redução do número de denúncias de violência contra o público infantojuvenil em Cuiabá”, advertia o texto.
Na época, a defensora pública Cleide Nascimento já havia solicitado o apoio da população de Mato Grosso. “É função de todos nós proteger nossas crianças e adolescentes!”, disse.
A defensora também conclamava para que as próprias crianças e adolescentes fizessem as denúncias. “Procure ajuda! Não fique calado! Não sofra sozinho! Você não está só! A Defensoria Pública está com você!”, orientou.
Denúncias – Em 2019, 27,5% das denúncias relativas a crianças e adolescentes feitas pelo Disque 100, do Ministério da Família, Mulher e dos Direitos Humanos, eram sobre abuso sexual.
Segundo balanço do Ministério, foram recebidas 1.665 denúncias de Mato Grosso, o que significa uma média de 4 ligações por dia. As crianças e adolescentes foram maioria entre as denúncias. Das 1.665 ligações, 1.030 foram sobre essa faixa etária.
Existem diversos canais de denúncia de casos de violência contra crianças e adolescentes, tais como:
– Disque: 100 (Direitos Humanos 24h);
– WhatsApp: (65) 99910-6000 (Núcleo Especializado da Infância e Juventude).
Pandemia global – Um relatório da organização não governamental (ONG) World Vision, publicado em maio, estima que até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos, poderão se somar às vítimas de violência física, emocional e sexual nos três meses subsequentes em todo o planeta.
O número representa um aumento que pode variar de 20% a 32% da média anual das estatísticas oficiais. O confinamento em casa, essencial para conter a pandemia do novo coronavírus, acaba expondo essa população a uma maior incidência de violência doméstica.
Condege – A Comissão Especial de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege) realiza a campanha “30 anos do ECA – Direito à voz e vez”, com o objetivo de conscientizar sobre a necessidade de assegurar, com prioridade absoluta, o direito de crianças e adolescentes.
O ECA incorporou os avanços recomendados na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e trouxe o caminho para se concretizar o artigo 227 da Constituição Federal, o qual estabelece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Congresso Digital – No âmbito do assunto, nos próximos dias 13 e 14 de julho, acontecerá o “Congresso Digital 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: os novos desafios para a família, a sociedade e o Estado”. Com o intuito de debater as dificuldades e os novos desafios que envolvem a efetiva implementação do ECA, o evento pretende reunir profissionais de todas as áreas, pais, mães e cuidadores de crianças e adolescentes, e todas as pessoas interessadas no tema.
O congresso digital será realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o Ministério da Cidadania, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), a Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes (Conanda), a Andi – Comunicação e Direitos, a Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude, o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), o Colégio das Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça, a Fundação Abrinq, o Instituto Alana, o Instituto Brasileiro da Criança e do Adolescente, a Rede Nacional Primeira Infância e o Unicef Brasil, em parceria com o Pacto Nacional pela Primeira Infância e o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem.