BRASÍLIA – A omissão do Congresso impediu o aumento do valor das multas aplicadas a mineradoras pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e uma manobra eliminou a exigência para que diretores do órgão regulador tivessem experiência na área que vão fiscalizar. As propostas estavam previstas em duas medidas provisórias enviadas pelo governo Michel Temer. Ao deixar caducar uma delas, o valor máximo das multas às mineradoras, que seria elevado para R$ 30 milhões, foi mantido em R$ 3,2 mil.
Com isso, a punição máxima que a ANM poderá aplicar à Vale pelo rompimento da barragem em Brumadinho será de R$ R$ 3.293,90. A multa é quase a mesma que um motorista alcoolizado teria de pagar – R$ 2.934,70. Boletim divulgado nesta quarta-feira, 30, registrou 99 mortos pela tragédia e 259 desaparecidos.
O valor irrisório para empresas de grande porte consta de decreto publicado em junho de 2018, que regulamentou o Código Nacional de Mineração, de 1967. Para se ter uma ideia, o lucro líquido da Vale acumulado de janeiro a setembro de 2018 foi de R$ 11,171 bilhões. Mesmo assim, até agora, a ANM não multou a Vale. Segundo um diretor do órgão regulador, o processo é demorado. De imediato, a agência interditou e suspendeu as atividades no Complexo Córrego do Feijão no dia da tragédia.
Comparação
Em outras agências que fiscalizam o setor de infraestrutura, as punições são bem mais rigorosas. Na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo, é de R$ 50 milhões por infração, podendo o mesmo processo receber mais de uma penalidade. Na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a multa máxima é de R$ 10 milhões.
Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a punição alcança 2% do faturamento da empresa. Criada em 2018, um ano depois da ANM, a Agência Nacional de Proteção de Dados (que trata dos casos envolvendo a internet) ainda não foi instalada, mas quando for, terá autorização para aplicar multa de até R$ 50 milhões por infração.
Em outras instâncias, o castigo à Vale já começou. A mineradora recebeu multa de R$ 250 milhões, aplicada pelo Ibama, e outra de R$ 99,1 milhões, do governo de Minas. A empresa também teve pedidos de indisponibilidade e bloqueio de R$ 11 bilhões acatados pela Justiça.
A medida provisória que fixava novos valores da multa da ANM foi enviada em julho 2017 ao Congresso para modernizar o Código de Mineração. Perdeu a validade porque o plenário da Câmara dos Deputados, presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), não pautou a votação. O texto proposto, além de elevar a multa para R$ 30 milhões, permitia cobrança em dobro em caso de reincidência em até dois anos.
Na mensagem ao Legislativo, o governo federal defendeu o reajuste das multas como forma de “inibir o cometimento das infrações (pelas mineradoras)“, diz a exposição de motivos da MP.
A comissão especial mista da Medida Provisória recebeu 250 sugestões de emendas mudando o texto. Após reuniões e audiências públicas, o relatório foi aprovado na comissão em 26 de outubro e enviado ao plenário da Câmara em 30 de outubro de 2017. Lá, a MP ficou quase um mês parada e perdeu validade. Procurado, Maia, que disputa amanhã a reeleição da Câmara, não respondeu até 20h30.
Com a derrota, o governo chegou a cogitar a elaboração de um projeto de lei ainda em 2017 com o mesmo tema ou de nova Medida Provisória sobre o Código de Mineração no ano seguinte – a lei impede que o Executivo envie uma MP de igual teor no mesmo ano ao Congresso. Técnicos avaliaram, porém, que a iniciativa poderia ser vista como afronta ao Congresso. A alternativa foi a publicação de um decreto regulamentando o Código antigo. Esse tipo de instrumento, porém, tem limitações e não pôde ser utilizado para atualizar os valores de multa.
Com o decreto, o governo conseguiu estabelecer a responsabilização expressa do minerador pela recuperação de áreas degradadas, a execução de planos de fechamento de minas e a obediência à política nacional de segurança de barragens.
Também foi criado um estímulo ao aproveitamento de rejeitos e estéreis, com a redução de royalties para aqueles mineradores que adotassem tecnologias que diminuíssem passivos ambientais.
Em relação à multa, o governo acatou recomendação da área jurídica e se limitou a manter os valores, somente convertidos de Unidade de Referência Fiscal (UFIR), indicador extinto em 2001, para real.
O Código de Mineração, de 1967, estabelecia como multa mínima o valor de 100 UFIR, e a máxima, mil UFIR. Atualizado pelo decreto, o valor mínimo de multa para mineradoras ficou em R$ 329,39, e o máximo, em R$ 3.293,90, “de acordo com a gravidade das infrações”, podendo, em caso de reincidência, ser cobrado em dobro.
TERRA