Operação militar na região de Nagorno-Karabakh começou no fim de setembro e já deixou ao menos 600 mortos; mais de 75% dos moradores do local já fugiram em direção à Armênia
Mais de duas semanas após o anúncio de Baku, a operação militar do Azerbaijão no território de Nagorno-Karabakh continua em andamento. As tropas azerbaijanas lançaram uma ofensiva contra o território na região do Cáucaso, provocando um grande êxodo na área, com separatistas de origem armênia deixando a região. Segundo estimativas oficiais, desde o início do conflito 88.780 pessoas deixaram Nagorno-Karabakh e foram em direção à Armênia. Isso representa aproximadamente 75% dos 120 mil habitantes que vivem no local. A estimativa é de que quase 600 pessoas morreram durante a ofensiva relâmpago realizada pelas Forças Armadas do Azerbaijão. Os combates deixaram aproximadamente 200 soldados mortos em ambos os lados. Uma explosão em um posto de gasolina na estrada que liga Nagorno-Karabakh a Yerevan, capital da Armênia, deixou pelo menos 170 mortos e outros 349 feridos, segundo o balanço atualizado. Os armênios que vivem na região temem retaliações por parte do Azerbaijão, que, por sua vez, tenta recuperar e reanexar o território, que não esteve sob seu controle das últimas três décadas. A região de Nagorno-Karabakh é de maioria armênia e cristã, e se separou do Azerbaijão, majoritariamente muçulmano, durante a desintegração da União Soviética.
Em entrevista ao portal da Jovem Pan News, o cientista político e professor de relações internacionais do Insper Leandro Consentino analisou as possíveis consequências, dizendo que o conflito gera um fator de instabilidade e pode “abrir as portas” para que antigos confrontos ressurjam. “[O confronto] Impacta a Ásia por conta de uma instabilidade a mais no cenário da região. Gera mais um fator de instabilidade, que deixa mais acesa e acirrada a disputa de algumas potências da região, sobretudo pensando em Rússia e Turquia nesse caso, mas também envolvendo os atores locais. […] O conflito atual abre as portas [para novos ataques], assim como o conflito entre Ucrânia e Rússia pode ter aberto as portas para ofensivas mais amplas e pesadas. Esse conflito também pode acender antigos problemas, sobretudo regionais, que a Rússia conseguia administrar com sua mão pesada e que hoje já não consegue dar conta. […] O que a gente pode assistir são a pequenos conflitos, como guerras civis e disputas territoriais menores no outrora âmbito de atuação da Rússia. Acho que é o grande risco que a gente causa, sobretudo com o enfraquecimento da Rússia na região”, disse Consentino.
O especialista também comentou sobre o conflito de influências na disputa entre Armênia e Azerbaijão, dizendo que o Ocidente ainda não está envolvido no confronto, mas que a Turquia pode assumir o papel de oposição à Rússia, que está enfraquecida. “Sempre é possível que se usem conflitos regionais para explorar polarizações maiores. Nesse caso, pode ser que a Turquia, fazendo um papel de contraponto à Rússia, ocupe esse papel do ponto de vista das potências pró-Ocidente. O Ocidente ainda não está tão envolvido neste campo de batalha. Ainda que os Estados Unidos estivessem buscando mais influência no Cáucaso neste momento e a Europa tenha interesses pela proximidade geográfica, não é o campo em que estão travando batalhas. Acho que temos um conflito de escala regional que pode opor esses aliados orientais, a não ser que, por exemplo, a Turquia se torne uma peça do Ocidente nesse jogo mais intrincado”, afirmou o cientista político.
Ao falar sobre a posição dos russos, Consentino avalia que a Rússia já não é capaz de administrar outras disputas locais em sua zona de influência por estar envolvida em seu próprio confronto. “O que a gente pode antever é uma fraqueza da Rússia, nesse momento em que ela já está envolvida no próprio conflito e não consegue administrar a disputa entre vizinhos em que antes ela punha a mão pesada e, de alguma forma, conseguia pacificar. Vemos mais um ponto de fraqueza da Rússia que pode ser aproveitado pelo Ocidente”, analisa. Por fim, pensando fora da região do conflito, o especialista afirma que o confronto pode gerar instabilidade no mercado, mesmo sendo algo regional. “O mercado gosta de estabilidade, a economia prefere um mundo mais estável. Quanto mais a gente vê a conflagração de conflitos, ainda que regionais, mais instabilidade a gente observa e mais complicado fica o ambiente internacional nas questões políticas e econômicas”, concluiu.
JovemPan