Do ponto de vista técnico, ao dizer sobre crime eleitoral deveríamos nos reportar ao que dispõe o Código Eleitoral, uma lei antiga dos anos 60, que contém umas seis dezenas de condutas que a lei define como puníveis por meio de sanção tipicamente penal (restrição de liberdade e de direitos).
Para o que nos interessa, adotando a linguagem já absorvida pela população, crime eleitoral (ou corrupção eleitoral) é toda aquela conduta que desequilibra a eleição, seja pelo uso desmedido do poder econômico ou de autoridade (abuso de poder econômico ou político, conduta vedada), valendo-se o delinquente do dinheiro do chamado “caixa dois” (recursos não declarados à Justiça Eleitoral) ou compra de voto (captação ilícita de sufrágio).
De todos os crimes, a compra de votos é a mais odiosa.
Quando vemos esses “zumbis ambulantes”, os pobres usuários de crack presentes em nossas cidades, de imediato vem a mente a sensação de pena desses dependentes (que em última ratio são doentes). Mas também recrudesce a repulsa contra a postura dos traficantes, típicos vampiros da era moderna que sugam o dinheiro e a dignidade dos usuários.
Os traficantes de crack roubam a dignidade das pessoas.
Político que compra voto é exatamente igual.
Ao traficante e ao mau político é crucial que as pessoas continuem na miséria.
O traficante de voto passa a circular em bairros populosos e onde a população não tem água tratada (e nem “destratada”), desconhece escolas e creches, o asfalto na rua é só objeto de desejo, e posto de saúde só se for a “benzedeira” do final da rua.
Esses mau caráter (mau político e traficante) se disfarçam de várias formas: presidente de bairro, liderança da comunidade, dirigente partidário, representante da igreja, e por aí segue. Suas armas são as odiosas ofertas de cesta básica (sacolão), consultas médicas e odontológicas, assessoria jurídica, promessa de empregos, entrega de dinheiro, materiais de construção etc..
Para disfarçar a criminosa atuação e enganar a Justiça Eleitoral, os traficantes de voto, que sempre são comandados por (maus) políticos (quando não é o próprio), ao entregar o dinheiro exige que o usuário, digo eleitor, fixe na porta de sua casa uma placa ou cartaz de propaganda. Pagam quinzenalmente quantias que chegam até a R$ 600,00 (seiscentos reais). Em todos os partidos há pelo menos um criminoso desses e não são combatidos.
Ao analisar a história dos delitos eleitorais, aí utilizando a classificação tripartite consagrada popularmente (uso da máquina pública, caixa dois e compra de voto) podemos visualizar uma engenhosa “evolução” dos métodos usados pelos delinquentes.
No ano de 2.000, na primeira eleição sob a regência da Lei 9.840 (a lei da captação ilícita de sufrágio ou corrupção eleitoral) os candidatos faziam cadastros de eleitores, para “contabilizar” a despesa. Com uma prancheta na mão, igual a um apontador do jogo do bicho (aliás, a compra de voto funcionava ao lado das bancas do Comendador Arcanjo, em Cuiabá), os traficantes de voto anotavam os dados pessoais do eleitor. No dia da eleição, após a apuração dos votos, se formavam enormes filas em frente ao comitê do político criminoso. Eram os “eleitores usuários” em busca do pagamento pelo crime cometido, vestidos com camisetas e bandeiras dos candidatos, o que os marqueteiros classificavam como “a festa da democracia”.
Em 2002, na medida em que a tática fora descoberta, a corrupção eleitoral transmudou-se, e o deputado cassado Rogério Silva mostrava diversas fotos suas ao eleitor que a ele “confiara” seu voto. Só recebia o pagamento o eleitor/usuário que apontasse com exatidão qual fotografia do candidato fora mostrada na urna eletrônica.
No ano de 2004, já sob os efeitos da dinheirama que jorrava fartamente das arcas do “mensalão” o crime eleitoral se apresentou disfarçado na contratação de cabos eleitorais. Eram aos milhares, exércitos de pessoas uniformizadas, com camisetas estampadas com as cores e o numero do candidato. Se você perguntasse a qualquer eleitor se ele, pelo menos uma vez na vida, teria visto pessoalmente o tal candidato de sua “preferência”, dele ouviria como resposta um “não o conheço, mas vou lhe dar uma ‘ajudinha’”.
Para não se alongar, do resultado da atuação desses políticos delinquentes sabemos que nasceram escândalos em nossas câmaras municipais e prefeituras, com péssimas administrações pipocando e novas fortunas pessoais brotando aqui e acolá.
Há dois efeitos ainda mais danosos da corrupção eleitoral.
O primeiro é que o crime organizado, crime comum (tipo PCC) elegeu representantes (quando menos, simpatizantes) em importantes cidades de nosso Estado, a capital incluída. A Polícia Federal e o Ministério Público sabem que campanhas eleitorais eram movidas a partir do Presídio Central de Cuiabá (antigo Pascoal Ramos).
Basta dizer que no ano passado (2011) o cunhado de um deputado estadual foi preso em flagrante explodindo caixas eletrônicos, junto com o PCC. Dificilmente continua preso.
O segundo efeito danoso: multidões de crianças nas ruas, reféns do “narco-escravagismo”, empobrecimento das estruturas policiais (para impedi-las de atuar contra os barões do crime), explosão dos índices de cometimento de crimes hediondos, como o latrocínio e o estupro, além do tráfico de drogas. Sem nos esquecermos da morte de inocentes nos corredores de hospitais e a falência gerencial das gestões públicas.
E hoje, como age o criminoso eleitoral em 2012?
Simples: espalha placas nas casas, preferencialmente em bairros pobres e populosos, simulando dali receber apoio gratuito. Nos bairros Santa Isabel em Cuiabá os beneficiários de ações da defensoria pública são pressionados a aderir a um desses delinquentes. Em Várzea Grande, nos bairros Jardim Esmeralda e São Mateus, candidatos ligados ao tráfico obrigam a colocação de placas de “apoio”.
Se a polícia ou o oficial de justiça for aos bairros e disfarçadamente perguntar, as pessoas vão dizer qual o valor pecuniário que receberam para expor as placas do político delinquente. Ou exatamente o quanto foram ameaçadas pelo “apoio gratuito”.
Outra forma de compra de votos é a entrega de dinheiro ou tíquete de combustível ao eleitor que se comprometa a colocar aquelas “lindas caras” de candidatos na lataria do seu carro ou no para-brisa traseiro.
De novo, se a polícia ou o oficial de justiça fizerem blitz nos postos de gasolina e recolher os tíquetes de combustível naqueles comércios (por amostragem) vai constatar que estão sendo comprados votos mediante a entrega de combustível ao eleitor.
Só não vê quem não quer.
Feito o retrospecto histórico sobre a compra de voto e os crimes eleitorais, renovam-se as esperanças de que a Justiça Eleitoral, o Ministério Público e a Polícia justifiquem sua importância para o existir da Democracia.
*Antonio Cavalcante e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)