Em livro, sexóloga Gabriela Dias dá dicas para apimentar o relacionamento; falta de diálogo e de educação sexual são armadilhas que podem esfriar o clima
A rotina em um relacionamento é algo silencioso e sutil. Isso porque cair na mesmice é o resultado de uma progressão de comportamentos e ações capazes de esfriar completamente o casamento e, como consequência, a vida sexual. Em seu livro “Homem micro-ondas, mulher fogão a lenha”, a sexóloga e obstetrícia Gabriela Dias chama atenção dos casais heterossexuais sobre esse fantasma quieto capaz de tirar a paz de muitas pessoas.
O cerne dessa assombração é, principalmente, o ato de perder de vista os pequenos atos que, no início, eram o que faziam com que o relacionamento despertasse uma sensação gostosa. Com o tempo, esses rituais simples vão se perdendo, dando espaço para um afastamento gradual que, com o passar dos anos, vai se expandindo.
A falta do beijo, do abraço ou mesmo de outros atos de carinho, como os elogios e os passeios, por exemplo, levam o casal ao comodismo e à falta de intimidade. Com isso, gera-se um estranhamento que leva o par à falta de diálogo e de convivência – fatores que impactam diretamente no sexo.
No caso dos relacionamentos heterossexuais, há ainda uma discrepância na forma de lidar com o sexo que, se não compreendida, pode entrar no caminho. O nome do livro de Gabriela ilustra isso: “Sexualmente falando, os homens, de forma geral, funcionam como micro-ondas. O olho vê, o cérebro responde e o moleque já tá empolgado”, começa a sexóloga.
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“As mulheres são o fogão a lenha não porque demoramos demais, mas porque sexo é sentimento, é uma questão psicológica. Se há um problema no trabalho ou se o filho está doente, ela não vai ter nem cabeça para transar”, acrescenta.
Essas divergências de ponto de vista e o tabu sobre o sexo dentro do próprio relacionamento impede que o casal tenha conversas francas e sinceras sobre os próprios sentimentos e desejos. “Quando os homens insistem demais, por exemplo, muitas mulheres afirmam que se sentem como um pedaço de carne e que o homem só as procura para isso. Onde é que está o diálogo aqui?”, exemplifica.
Uma reação comum que Gabriela detectou é a maneira desconfortável de dizer que não está afim de transar, principalmente por parte das mulheres. “A dificuldade de falar acaba gerando discussão. A pessoa grita, já fala que não quer, mas o correto é se abrir e conversar, olhar no olho da outra pessoa e dizer: ‘Eu te amo, mas hoje quero colo, não tô bem, quero chorar’. Uma pessoa que ama vai compreender esses motivos”, afirma a sexóloga.
No caso das mulheres, dar essa negativa gera frustração pela sensação de não conseguir dar conta, que não é uma afirmação verdadeira. “A gente não é obrigada a fazer nada, se a gente não quiser. Precisamos viver da melhor forma que conseguimos”, diz.
Por outro lado, os homens têm uma dificuldade gritante de lidar com sentimentos (tanto os próprios como os das companheiras). Parte disso também está relacionada à pornografia (“Na pornografia existe alguma mulher que nega sexo? Não existe”, questiona Gabriela), mas também pelo bom e velho “medo de parecer fraco”.
“Muitos homens se magoam, ficam revoltados ou bravos quando alguém diz não, o que está errado. O simples fato de falar sobre os sentimentos é muito importante para mudar isso”.
Educação sexual
Gabriela percebe no consultório que a falta de educação sexual e de entendimento sobre o que é a sexualidade deságua na ausência ou mesmo aversão ao sexo nos casamentos. Ao passo que as mulheres são ensinadas a não explorarem os seus desejos e atrelam a relação sexual a uma obrigação, os homens aprendem sobre o sexo de forma irreal com a pornografia.
A troca de conhecimentos sobre sexo entre mulheres tem sempre conotação negativa. Frases como “negue o que você quiser, menos sexo” ou “minha primera vez foi horrível, doeu e sangrou”, por exemplo, são absorvidas de forma com que elas não tenham expectativas positivas do que é ter uma vida sexual saudável e ativa.
“Isso fica guardado e, em um determinado momento, vem à tona. Já ouvi muitas mulheres dizerem que preferem dormir ou que amam o marido, mas não têm vontade. Quando pergunto o que sexo significa para elas, a primeira coisa que responde é que é uma chatice, para fazer filho ou agradar o outro. Não significa nada para elas”, expõe Gabriela.
Essa forma de encarar o sexo é vista pela sexóloga com preocupação: “Isso é muito sério. A mente dessas mulheres, de certa forma, já compreendeu que aquilo não é uma necessidade fisiológica, mas sim algo que é para agradar outra pessoa”, acrescenta.
No caso dos homens, o contato com a pornografia e os estímulos externos para que experimentem suas sexualidades começa muito cedo. “Os estudos científicos apontam que a pornografia vicia e acaba se tornando algo necessário para o corpo, por exemplo”.
Esses fatores em si já geram uma lacuna de conhecimento sobre o que a sexualidade e o sexo realmente são. “A sexualidade não é só sexo, mas é a forma de se comunicar e se comportar e envolve saúde física, mental e emocional. Então, buraco da ausência sexual está mais embaixo. Não é só uma questão de prazer, mas de empatia. Quando as pessoas decidem se relacionar, precisam entender as necessidades um do outro e deixar o egoísmo de lado”, indica a autora.
O beijo e as preliminares são cruciais
Um dos principais erros cometidos pelos casais é de pensar que o sexo começa na penetração ou depende apenas dela. “As pessoas precisam entender de uma vez por todas que o sexo, às vezes, começa no bom dia. A penetração é a última etapa. A preliminar é completamente esquecida. Simplesmente se liga o piloto automático, o que é um problema”, pontua Gabriela.
Para ela, os casais precisam se abraçar, andar de mãos dadas, fazer massagens, trocar carícias e, principalmente, se beijar mais. Gabriela afirma que o beijo é de extrema importância para contribuir com o prazer dentro do relacionamento (tanto que ele sozinho ganhou um capítulo inteiro no livro da sexóloga). O beijo é uma das principais perdas dos relacionamentos longos – e é um dos atos mais cruciais para manter a paixão.
“Há uma troca emocional muito maior no beijo do que no próprio ato sexual. Então, se ele é tão importante, por que os casais estão parando de beijar?”, questiona a especialista, que emenda que, por parte das mulheres, existe uma explicação. “É muito comum ouvir delas que, quando elas começam a beijar, o menino lá de baixo se empolga e elas não estão afim. Por isso, preferem não beijar. Só que é preciso ter diálogo sobre essas necessidades”, reflete Gabriela.
Sexo a três e relacionamento aberto
As conversas sobre relacionamentos abertos e poliamorosos estão perdendo o rótulo de tabu, encorajando que diversos casais pensem em novas formas de se relacionar. A mesma abertura vale para viver aventuras sexuais, como sexo a três , sexo grupal ou mesmo transar com outras pessoas.
Por mais que o caminho seja favorável nesse sentido, Gabriela afirma que tentar essas novidades em um relacionamento em crise pode ser um caminho perigoso. “Já ouvi experiências em que tudo deu certo, mas conheço casamentos que acabaram por experiências assim, principalmente por trazerem uma terceira pessoa, se apaixonar por ela e perder o interesse no cônjuge”, aponta a sexóloga.
Para chegar à conclusão sobre se se deve ou não tentar, é necessário intensificar o diálogo e avaliar muito para onde essa decisão pode levar o relacionamento. Além disso, é preciso pensar se esse diálogo começou por modismo ou por interesse em fazer algo só porque está em alta. Como cada relacionamento é de um jeito, o que funciona para um pode não funcionar no outro.
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“Tem muita gente que vai na onda para tentar melhorar a relação ou ‘salvar o casamento’. Não adianta fazer aventuras para isso. Quando você voltar para casa, o problema ainda estará ali. O melhor é que as pessoas primeiro se resolvam para depois pensar em outras coisas”, diz a especialistas.
Por isso, decisões que envolvam trazer outras pessoas para dentro do relacionamento precisam ter os impactos refletidos. O mesmo vale para realizar fantasias e fetiches sexuais. “É preciso ter um diálogo muito bom e efetivo, tendo o respeito em relação às vontades do outro em consideração. Nessas horas, o que um quer o outro pode acabar cedendo por insistência”.
Vai dar namoro
A autora reconhece que reverter a rotina nos relacionamentos é um caminho difícil e que muitas pessoas acabam desistindo no meio do caminho – algo que ela demonstra, por exemplo, com o aumento do índice de divórcios nos últimos anos. No entanto, ela afirma que, nem sempre, a solução final é o término.
Ao mesmo tempo, ela reforça que a ideia de “salvar o relacionamento” com tentativas de apenas um lado é impossível. Gabriela explica que os dois precisam estar dispostos a sair da rotina e pensar em como melhorar.
Voltar a namorar é um estágio importante. “Muitos casais passam anos sem transar e deixam de se conhecer, se sentem desalinhados. Uma dica que dou no consultório é de que ambos façam uma lista, separadamente, com tudo o que faziam antes e que sentem falta de fazer juntos”, diz.
Na lista, podem ser considerados passeios a dois, viagens, assistir a um filme juntos ou mesmo o tempo individual com os amigos. O casal não deve se preocupar se não for possível realizar mais algumas, mas estar apto a voltar a fazer as pequenas coisas. “Voltar a beijar, abraçar, passear, fazer massagem ou andar de mão dada são alguns atos que vão se perdendo e que contribuem para o sexo bom”, indica Gabriela.
IG