Pupilas dilatadas, coração e respiração acelerados e músculos enrijecidos, prontos para uma situação de luta ou de fuga. Eis o retrato de uma pessoa com medo.
Foi esse sentimento, um dos mais básicos da humanidade, que inspirou boa parte das criações do homem. A civilização nasceu do medo que temos da desordem. As cidades nasceram do pavor da natureza. A ciência se desenvolveu a partir do temor sobre o desconhecido, e foi por causa dele que se inventaram também as armas e a diplomacia. No dicionário, a palavra medo significa “sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo real, imaginário ou ameaça”. Temer perigos reais é saudável.
Até mais do que isso, é essencial. Mas o medo dos perigos imaginários ou o medo paralisante, ao qual a pessoa não reage, pode gerar doenças graves, os chamados transtornos de ansiedade, tão comuns hoje em dia. O principal deles é o pânico que, normalmente, não é originado por fatos traumáticos, mas por desequilíbrios químicos no cérebro que se intensificam na medida em que as pessoas sofrem influência das más notícias. Muitas vezes, depois da primeira crise de pânico gera-se um ciclo cruel em que a pessoa vive com medo de ter uma crise, ou com “medo de ter medo”.
Há anos, essa é a dura rotina do produtor musical paulista Otávio Barbosa, de 42 anos. Aos 18, ele teve a primeira crise de pânico. “Estava dirigindo, com a minha irmã no carro, e comecei a sentir uma angústia, um aperto no peito”, lembra. Depois dessa, vieram várias – a mais longa delas com três horas de duração. Mas até os 26 anos, ele não sabia o que tinha exatamente. E passou quase 10 anos achando que sentia medo de forma exagerada. Já os médicos diagnosticaram crise existencial. “Até que um dia falaram em transtorno de pânico. Já tomei remédios e conheci todos os tipos de terapias possíveis.
Hoje, controlo minha ansiedade, mas não há cura”, reflete. Otávio fica mais inseguro quando está em trânsito, seja qual for o meio de transporte. “O problema é não estar nem aqui nem lá. É o percurso, a rua, o ir e vir. Por isso, jamais viajo de avião. Aliás, faz três anos que não viajo”. A doença, como é fácil de imaginar, já trouxe muitos problemas para ele, que é pai de duas meninas, uma de 14 e outra de 4 anos. Foram três casamentos desfeitos por causa do transtorno. “Elas não agüentam. A gente combina de fazer alguma coisa mas na hora H não consigo sair de casa.
É difícil”, lamenta. Para facilitar um pouco a vida, Otávio montou um escritório com estúdios de som e tudo o que precisa no mesmo bairro onde mora.
Ali, trabalha, recebe amigos, faz festas e passa a maior parte do tempo, sem ter que se deslocar para quase lugar nenhum. Hoje, nem se lembra de como era antes do pânico. “Não tenho registro de mim antes dos 18 anos. Mas o bom humor é o meu remédio. Claro que às vezes fico bravo, mas penso que, sorrindo ou chorando, tenho que conviver com isso”.
Casos como o de Otávio têm sido cada vez mais comuns, e a Organização Mundial da Saúde já estima que pelo menos 15% dos seres humanos têm medo demais. Além dos que sofrem de síndrome (ou transtorno) do pânico, nesse grupo estão os fóbicos, que não conseguem entrar num avião ou enfrentar uma barata, e também as vítimas de estresse pós-traumático. Essa doença atinge pessoas que enfrentaram situações reais de violência. O psiquiatra Luiz Vicente Figueira de Mello, supervisor do ambulatório de ansiedade do Hospital da Clínicas, em São Paulo, diz que transtornos de pânico como o de Otávio surgem espontaneamente, sem ligação com fatos traumatizantes.“A crise é biológica e não tem relação direta com o externo”, explica. Mas como saber se o medo é normal e em que momento passa a ser um transtorno grave?
“Quando começa a interferir no cotidiano. O medo passa a ser doença quando impede que a pessoa cuide da vida, quando ela começa a se isolar, evita sair e não consegue mais andar sozinha na rua”, define.
Más notícias sobre catástrofes e dramas pessoais e sociais e o exagero da exposição desses fatos na mídia podem ser agravantes para quem já tem a doença. “A consternação popular diante de um crime, como no caso da menina Isabella, é sentimento de solidariedade. Isso não está ligado ao pânico, mas claro que quem tem o distúrbio, em geral, é mais ansioso, mais estressado e por isso fica mais alterado quando sabe de alguma catástrofe”, esclarece. Uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup em 2005 revelou que os 10 medos mais comuns dos adolescentes dos Estados Unidos são os ataques terroristas, seguidos de aranhas, morte, fracasso, guerra, altura, violência urbana, solidão e futuro.
Os cientistas já sabem também que medo e culpa são sentimentos que viajam do mesmo jeito por nosso sistema nervoso. Os dois se irradiam em um ponto do cérebro chamado amígdala. Logo, se um dia descobrirem um jeito de inibir o medo – o que seria maravilhoso para os que sofrem dos transtornos de ansiedade –, automaticamente estarão também livrando a pessoa da culpa e do arrependimento. Para a sociedade, não seria um bom negócio. O que esperar de um batalhão de pessoas que não se arrepende dos atos e nem sente medo de morrer? Muito provavelmente um estado permanente de guerra.
Juliana Villas/F.U